Ângulo depressivo

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As roupas haviam sido colocadas na mochila, o leque bem guardado em um bolso. Eu tinha encontrado com o caderno em que tinha anotado os mistérios que eu tinha para resolver, apenas o guardei novamente. Britta não voltava e Claren insistia em esperar para o almoço. Quando escutei o barulho da porta sendo fechada com grande força desci apressada.
- Britta?
A sala estava vazia então segui para a cozinha. Trent estava lá, se sentando em uma cadeira.
- Como vai, Maika?
- Bem.
- Ansiosa imagino. Afinal estará partindo hoje.
Claren colocou um copo com chá frio na frente do vampiro e ele agradeceu com um sussurro.
- Cassim disse que trás boas notícias. Diga para ela.
Ele esperou que eu me sentasse à mesa, Claren logo colocou um copo de chá na minha frente e a vi com outro.
- O que é?
Ele exibiu as presas em um sorriso. Aquilo me assustou. Tinha me acostumado com ele, mas os dentes e como ele era assustador, não. Lan era mais fácil de lidar que ele, ela era uma adolescente como eu e suas presas não parecem tão afiadas quanto as dele.
- O capitão responsável pela Floresta sem fim me respondeu. Disse que aceitaria de bom grado a garota, a chinesa. E... entrei em contato com o Conselho. Você irá ficar por lá por pouco tempo.
Me empolguei, afinal se eu passasse pouco tempo lá deveria ter mais chances de sobreviver.
- Quanto?
- Um ano.
Desfaleci sobre a cadeira. Um ano! Um ANO!
- Isso é... muito tempo, Cassim.
Claren tocou meu ombro. Ela entendia. Entendia que eu não podia esperar tudo aquilo.
- Não, não é. As pessoas condenadas a servir a guarda devem permanecer lá por sete anos. Tivemos muita sorte.
- Então... eu vou ficar lá por um ano, com Lan. Eu não posso pedir a ela que lute comigo por um ano.
- Não se preocupe com isso. Vampiros têm uma vida bem longa, um ano não é muita coisa.
- Ainda assim. Como eu posso passar um ano em uma floresta cheia de coisas estranhas?
- Maika, eu fiz o que pude. Não posso pedir que eles reduzam ainda mais o período.
- Eu vou morrer lá?
- O que?
- Todos dizem que é a cidade maldita. A floresta que abriga a morte. Que ninguém volta de lá. Que muitos morreram. Eu serei a próxima? Estou cansada disso. Já faz mais de um mês que estou aqui. Nesse tempo todo minha vida andou sobre uma corda bamba. Não sou equilibrista, uma hora vou cair e eu acho que não aguento muito mais tempo. Eu sou fraca. Não conheço nada e ainda assim eu me arrisco. Eu vi um homem morrer, eu fui presa em jaula de macaco e depois de leão, quase fui devorada por um maldito meio morto e agora vou para essa floresta. Aqui deveria ser um lugar mágico. Uma utopia.
- Maika, - Trent interrompeu meu discurso de frustrada - todo lugar tem seus problemas e justamente por ser mágico aqui tem muitos problemas. Utopias são apenas utopias, não existem. Sua vida está difícil? Sim. Ainda mais que muitos aqui? Sim. Mas não culpe o lugar. Se os problemas estão circundando justamente você é porque deve ser você quem os irá resolver. Não atraímos problemas impossíveis.
Suspirei ainda mais derrotada.
- Eu estou cansada, Trent. Eu quero ficar em paz. Não que eu queira voltar para a... Terra, mas eu quero paz. Entende?
Ele se recostou na cadeira, ela estalou.
- Eu entendo. Sou um conselheiro, não existe função mais problemática nesse lugar. Até mesmo os que enfrentam o problema de frente não encaram tanto problema quanto eu.
- Vocês estão vendo tudo de um ângulo muito ruim.
Claren enfim se sentou. Ela era inquieta demais.
- Pensem em resolver o problema que está a frente. O problema de cada um só muda em aspecto, mas em essência todos têm muitos problemas o que diverge é só na dificuldade que cada um tem de enfrentar aquele. Para mim pode ser impossível atravessar a rua usando apenas as mãos enquanto para outro pode ser algo banal. Se está difícil, se estão fracos então fiquem fortes. Um problema não muda de mão só porque você não conseguiu na primeira ou décima vez.
- Isso é o jeito otimista de ver as coisas.
- Não - ela cortou Trent - É o jeito mais depressivo, já que se joga toda a culpa em si mesmo.
- Então ver pelo ângulo depressivo é melhor?
- Isso depende de como você se enxerga nesse pensamento. Maika, - ela se virou para mim - Mesmo que vá e tenham decidido que será um ano não vamos deixar de batalhar por você daqui. E existem outros meios de conseguir voltar mais cedo.
- Quais?
-Bom, - começou Trent - tem o famoso perdão por compensação.

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