Máscara

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- Errado.
"Errado, errado, errado." Minha mandíbula fechava cada vez mais forte sempre que ele dizia aquela palavra maldita mais uma vez. A aquela altura já doía mais que dor de dente. Perdi minha paciência.
- E como é que eu faço isso?
Quase completei com algumas agressões verbais à fala, mas quando encarei ele com raiva e vi a máscara o fogo da raiva diminuiu até ficar tudo escuro e apavorante. Minha voz acompanhou o ritmo e quando terminei de falar soou como uma pergunta muito tímida.
Akira se levantou e eu fiz o mesmo. Ele se sentou mais uma vez, a perna esquerda perfeitamente sobre a direita, ele inspirou fundo ficando mais alto e quando espirou manteve a postura, depois esticou os braços para os lados em uma linha reta com os ombros, dobrou cada braço fechando as mãos em punho simultaneamente, elas se encontraram então ele abaixou os punhos até apoiar os braços nas coxas, olhou para cima e então abaixou a cabeça até uma altura que parecia confortável. Imitei seus movimentos até chegar a postura final, fechei meus olhos tentando fazer o que ele disse que devíamos fazer, meditar. Apesar de nunca ter tentado aquilo não deveria ser difícil. Meu queixo foi erguido poucos centímetros.
- Seu rosto.
Abri os olhos. Akira indicou a máscara circundando onde seu rosto se escondia.
- Relaxe.
Fechei os olhos mais uma vez e tentei fazer força para alguma coisa. Agora percebia que justo quando não queria pensar eu pensava mais.  Minha cabeça processava cada som como uma informação que desencadeava em mais uma tonelada. O farfalhar das folhas de algum jeito me fez terminar pensando em como aquele lugar seria bom para um dos filmes que Annie tanto adorava, como tudo pelo que eu estava passando era surreal e de algum jeito eu pensei na tarefa de geografia que não tinha nem discutido com Pewan, teria que fazer aquilo no dia seguinte. Me lembrei da antiga escola. Será que tinham percebido minha ausência? Como corriam as coisas por lá? Lembrei de Johan, o último namorado de Annie. Quem seria ele de verdade? Por que ele tinha feito aquilo com Annie? Ela estava bem?
- Você ainda está fazendo errado.
Abri meus olhos.
- O que?
- Seu rosto. Relaxe. Tente esvaziar a mente. Se aprofunde em si mesma.
Suspirei.
- Como faço isso?
- Feche os olhos. Escute. Sinta. Mas não pense. Remova as nuvens que cobrem o céu.
Suspirei e mais uma vez fechei os olhos. Nada. Nada. Nada. Nada. Nada.
Eu estava conseguindo! Eu...
Eu pensei. Repetir a palavra milhares de vezes não ia funcionar pelo visto. Abri um único olho. Akira estava sentado a minha frente, na posição. Como ele fazia aquilo? Mais do que nunca respeitei os monges. Imaginei que se eu tivesse seguido a religião budista provavelmente não teria tanta dificuldade, em teoria.
- Os olhos devem ficar fechados.
Ele tinha percebido. Abri o outro olho e saí da posição.
- Não consigo. E essa sua máscara não ajuda muito na concentração.
- Mesmo?
Acenei.
- É como ter certeza de que quando abrir os olhos um monstro vai te encarar de volta. - percebi a ofensa desproposital - Não que você seja um monstro! Mas essa...
- Entendo. Não vai conseguir se concentrar comigo usando essa máscara.
Engoli em seco. Será que... ele ia tirar a máscara?
- Pois bem.
Ele levou uma mão ao rosto, os segundos se passaram muito lentamente. Cada milimetro percorrido no espaço levava um século para ser traçado. Eu ia ver o rosto do mestre misterioso. Eu ia ver quando mais ninguém tinha visto. Como ele seria? Teria alguma cicatriz que o fez usar aquilo? Que cor teriam os olhos dele? Será que era algum dos milhares de rostos que eu tinha imaginado?
A mão alcançou a máscara e a segurou.
Ele a moveu um pouco e... só. Depois se levantou e sentou mais atrás de mim.
- Feche os olhos. Concentre. Mente limpa.
Suspirei. Não podia acreditar que ele tinha apenas ajeitado a máscara. Minha decepção por ele não te-la tirado era enorme.
E claro, minha concentração foi por água abaixo. Só conseguia pensar em como ele devia ser. Usar uma máscara para esconder seu rosto apenas faz com que as pessoas queiram vê-lo ainda mais, afinal, o que ele estava escondendo?

Cidade de Magia - Contos de EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora