Quando acordei ainda parecia noite. Me movi e parei, Ryan ainda estava do meu lado, ele estava frio, mas seu sono era tranquilo. Me perguntei se o frio tinha algum efeito sobre um deus. Me sentei com cuidado e analisei minhas mãos, estavam sem cor, mesmo no escuro era perceptível, toquei meu rosto e o senti quente, mas estaria mesmo quente? Quando estamos frios e nos tocamos nos sentimos quentes. Puxei minhas pernas para perto e esperei que ele acordasse. O que tinha acontecido naquela árvore? Um sonho? Eu não tinha sonhos e foi muito real. Quem era aquela mulher. Meu inscius de verdade? Então qual seria ele? Gelo? Parecia o mais lógico se era oposto a fogo. E o fogo? Se não era meu inscius então o que era e por que eu o tinha?
Sempre mais perguntas. Me concentrei e tentei entrar no mundo cinzento.
- O que está fazendo?
Abri meus olhos. Não tinha sido Ryan quem havia falado. Bem à minha frente estava uma pessoa que eu nuca tinha visto antes, mas sua voz me era familiar.
- Quem é você?
Ele era moreno e muito alto, ele se vestia como um índio expondo os braços musculosos com desenhos vermelhos quase da cor de sua pele, os cabelos pretos eram grandes e lisos, seu rosto era bem reto e os olhos estreitos. Ele tinha selvageria no rosto.
- Você está me afastando, depois de tudo o que fiz por você. E ainda me chama nesse estado! Como acha que eu me sinto? Não sou seu brinquedo.
- E-eu não estou entendendo.
Ele deu dois passos em minha direção e se agaxou, o olhar era ameaçador.
- Enquanto estiver usando esse poder idiota eu não vou servi-la. Sou superior a essa mulher, sou mais forte. Devo ser o principal. Tem ideia do meu tamanho? Eu não tenho final. Me escolha.
- Com quem está falando?
Ele sumiu. Evaporou diante dos meus olhos. Se tornou um nada. Olhei assustada para Ryan. Eu diria a ele? Deveria? Não.
- Ninguém.
- Você mente como uma criança. Me diga a verdade.
- Não posso.
Ele se sentou, me encarando profundamente, enxergando cantos de minha alma que até eu desconhecia.
- Por que?
- Eu vou causar problemas.
Ele soltou um suspiro.
- Se não acha que já estou cheio de problemas, está errada. Um a mais não fará diferença. Além de que meus problemas já são maiores que gigantes, se o seu for tão grande assim, não me importo. É mais fácil resolver problemas alheios.
Eu permaneci calada e ele me encarando. Eu já tinha falado para pessoas demais. Adam sabia, Shun descobriu, Britta e Claren sempre souberam e Lan foi jogada no meio sem saber de nada.
- Se não me contar tenho métodos para descobrir.
Engoli em seco. O senhor das trevas estava ali. Meia verdade devia bastar.
- Eu vi um homem. Ele parecia um índio. Ele falou comigo. Disse que eu devia escolher ele, que era melhor que a mulher. Ele sumiu bem na minha frente. Não sei o que aconteceu.
- E eu não entendi o que disse. Um homem apareceu. Quem?
- Não sei.
- Pareceu familiar?
- A voz.
- Ele disse que devia escolher ele. Que era melhor.
- E maior que a mulher. Que ele não tinha fim. Queria ser o principal.
- A que mulher ele se referia?
- Não sei.
Nesse instante pensei na mulher toda branca.
- Você pensou em algo. O que?
- Não deve ser nada. Eu... ontem tive um sonho, uma mulher muito branca, até os cabelos, ela parecia ser de neve. Ela disse que era meu verdadeiro poder. - eu inspirei ligando os pontos - Os dois disseram sobre opostos. Como se um bloqueasse o outro.
- Você viu seu inscius.
- O que isso quer dizer?
Ele apontou para o coração.
- Todos temos os inscius. Nossos poderes nascem conosco e vivem conosco, eles são nós e vice versa. Mas eles têm mente própria, personalidade. Temos que controlá-los ou eles nos controlarão. Eles têm vida, mas só têm imagem própria em nossa mente. Cada um tem um único inscius e lida com ele por toda a vida. São, geralmente, o primeiro amigo que temos. Mas... - ele deu uma pausa, como se pensasse e escolhesse as palavras que diria, tendo cuidado, como se não quisesse dizê-las - Os mestiços têm dois. Sempre dois. Que entram em conflito e no geral um devora o outro, restando só um e o mestiço fica com o poder predominante. Você é mestiça, o natural seria ter dois. Mas, se são opostos é algo complicado. Quais as suas duas espécies?
E agora? Humanos não têm inscius, então não podia dizer que era meio humana. E Ryan sabia quando eu mentia. Inspirei e expirei. Olhei em seus olhos e finalmente disse.
- Eu não sei.
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Cidade de Magia - Contos de Espinhos
FantasyTirya está a caminho da Cidade dos Contos, onde nem todo conto tem um final feliz. Além de ter que suportar um superior de uma personalidade complicada e mais uma vez ficar sozinha ela vai ter que enfrentar os perigos e criaturas da Floresta sem f...