Postura da flor

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Sonhei com flores em chamas, o fogo era o que as dava vida e destruia ao mesmo tempo. Era um campo enorme e eu senti que não era a única ali, mas não via mais ninguém na imensidão. Um sentimento de culpa e fraqueza se implantou em mim, como se eu tivesse feito algo errado. Muito errado, provocado por minha fraqueza.
Quando acordei o sentimento ainda estava lá. Percebi que estava quente e eu suava como se tivesse corrido uma maratona. Joguei todos lençóis para o lado, mas o calor ainda era colossal, parecia que ainda estava no campo. Me sentei e depois levantei. Ainda estava escuro.
Alonguei meu corpo. Por que tinha acordado tão cedo? Que dia era aquele mesmo? Fiz as contas, domingo, eu acho, não sei como chamavam os dias da semana por ali. Repassei os últimos dias, tinham sido estranhos, estranhos mesmo. As pessoas das outras turmas olhavam e apontavam para mim. Eu escutava risinhos e até olhares estranhos, um dia atrás eu saí da sala e vi um grupo de rapazes, alguns ruivos e outros de cabelo prateado, reparei bem nos cabelos porque chamavam muita atenção como dar de cara com uma luz piscante gigante, um deles me olhou de cima a baixo, aquele tipo de olhar que as pessoas dão quando já escutaram alguma coisa sobre você, mas estão te vendo pela primeira vez. Eu parei por um instante, engoli em seco diante dos olhares e segui nervosamente para a seguinte aula. Aquilo foi muito abalador para mim, nunca tinha chamado muita atenção e agora muitos olhares se voltavam claramente, descaradamente para mim e eu não tinha feito nada.
Relembrei a aula de criaturas sombrias, a sra Damilor dissertou sobre as banshee, pelo que entendi nunca vou querer escutar nem ver uma. Nossa sala agora era dividida em dois lados, o azul e o amarelo, eu preferi ficar com Adam, estava feliz por não estar sozinha ali.
Lembrei das três tardes inteiras com uma tábua sobre a cabeça e escrevendo em papéis com nanquim, no dia anterior não tinha me sujado e a madeira caiu apenas uma vez, fiquei prgulhosa, mas a dor que sentia em minhas costas dizia que minha conquista teria recompensas dolorosas.
Lembrei do que teria que fazer naquele domingo, Akira me aguardaria ansiosamente para mais um dia de escrituras, ele tinha dito que deveria chegar cedo. Será que valia a qualquer hora? Dei de ombros. Faltavam apenas três dias para minha partida a Floresta sem fim. Estava curiosa para saver o que teria levado a esse nome. Lan tinha dito que iria. Será que ela cumpriria com a palavra? Tinha me descoberto apreciando a companhia dela recentemente e acredito poder dizer que estávamos bem mais próximas agora. Justamente por esse motivo esperava que ela não aparecesse na estação de trem.

◇•°•◇

Alisei o quimono e bati na porta. Não precisei esperar mais de trinta segundos e ela estava aberta. Exibi um sorriso para Akira. Ele estava completamente alinhado, mesmo sendo tão cedo. Devo admitir que tinha ido tão cedo, o sol tinha acabado de aparecer por inteiro no horizonte, com a esperança de que ele, atordoado pela embriaguez do sono, esquecesse de colocar a máscara quando abrisse a porta, mas ali estava ele como se estivesse pronto para receber o rei do mundo. Soltei meu suspiro de decepção enquanto entrava na casa. Ele fechou a porta e esperou que eu tirasse meus sapatos. Segui na frente até a sala repleta de almofadas. Olhei para a mesa sempre pronta quando eu chegava e a vi vazia. Me virei surpresa e quase colidi com ele.
- Onde... onde estão as coisas?
- Hoje, não. Fogo.
Três palavrinhas que demoraram lara ser assimiladas, mas quando o foram ergui meus braços para abraçar Akira de tão feliz que eu estava. Meus braços encontraram o ar. Ele estava a dois passos de distância. Fiz uma careta para ele e me recompus.
- Então, o que faremos hoje?
- Pose da flor e pose da serpente.
Bati palminhas, animada e segui ele para fora.

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