Pela vigésima vez eu estreitei meus olhos enquanto encarava o que estava escrito ali. As letras continuavam dançando por alguns segundos até que tomavam uma forma definitiva e eu as entendia. Li tudo e depois mais uma vez observei os demais alunos. Por que eles não anotavam nada? Alguns bocejavam, outros tentavam fingir que não estavam quase dormindo quando não o já estavam. Olhei para a professora. Tudo o que ela dizia ali era sem sentido. Como assim jardim das Hespérides? E o que o Monte Atlas tinha haver com elas?
Olhei para o caderno limpo sobre minha mesa e encarei a lousa mais uma vez e esperei que as letras se aquietassem. O que eu estava fazendo ali?
Quando voltei a frequentar as aulas após o confronto com os succubus Tarsa me entregou uma folha com uma grade de horários. Eram as aulas que eu frequentaria. Pelo que eu havia entendido ele tinha preparado uma grade com as matérias mais triviais o possível e ele disse que apenas nas aulas de combate a turma seria reunida, ou seja, eu estava ali perdida em meio a estranhos.
- Você está bem?
A garota ao meu lado perguntou. Olhei para ela e acenei. Ela era a única que anotava tudo. Gostaria de fazer o mesmo, mas as letras inquietas não deixavam e quando eu pensava que tinha lido o que estava escrito na lousa e pegava a caneta a professora apagava tudo e escrevia novamente. Desisti na terceira tentativa. Faziam três dias que eu estava frequentando as aulas e não entendia absolutamente nada. Peguei a grade e olhei, as letras se aquietaram e eu vi que a próxima aula era História Vazia. Que infernos era aquilo? Que tipo de matéria era aquela? O professor iria passar a aula encarando a nós? Iria ensinar algum tipo de teoria ou conspiração? Talvez um período perdido ou um grande nada, como o título sugeria. Puxei da bolsa o livro. Era fino e de capa simples, as folhas estavam gastas e quando o abri parecia escrito à mão. O título era O vazio dos vazios. Ótimo, o conteúdo deveria ser algo como O vazio no vazio vazio não passa de um vazio vazio que é na verdade vazio. Um desperdício de moedas de Claren. Olhei o título do primeiro capítulo: Roma: o período dos sábios, deuses e seus filhos.
Interessante. Decidi ler.
Roma ( 27 a.C. a 380 d.C. )
O império romano, caracterizado por seu poder e pela religião foi um dos impérios que promoveu simultaneamente prosperidade e caos. Sendo um império que diversas vezes fora governado por imperadores opressores...Escutei um baque e olhei para cima assustada. Não tinha sido a única a me assustar, todos que dormiam ergueram suas cabeças surpresos e ainda sonolentos, os que brincavam com alguma coisa sobre a mesa derrubaram tudo, alguns que bocejavam morderam a língua e tentavam conter seus esbravejos, os que cantarolavam gritaram baixinho e os que prestavam mesmo atenção na aula se chocaram com as costas da cadeira e acabaram colidindo com a mesa de trás criando ainda mais estardalhaço. Olhei para a professora, ela tinha curtos cabelos laranja, olhos castanhos cortantes e afiados, ela os passou por todo o perímetro da sala e parou sem olhar para ninguém em específico.
- Na próxima aula quero um resumo de tudo o que foi dado hoje. Quem não o fizer ou o fizer de forma insatisfatória será penalizado com aulas extras com nosso mais querido professor, o senhor Talivaras, e será expulso de minha aula, sem exceções.
Ela exibiu um sorriso e levantou a régua de metal qie tinha batido na mesa para chamar a atenção de todos ao mesmo tempo em que o som de um sino distante soou. Todos se levantaram, mas eu continuei parada. O que faria? Não tinha copiado nada e só tinha pego coisas como o Monte Atlas. Eu estava perdida.
- Olha, - ergui meu rosto lara a garota à minha frente, era a mesma que sentava ao meu lado. - se quiser posso te ajudar. Percebi que estava tendo dificuldade para entender.
Sacudi minha cabeça negando, mas pensei melhor e acenei. Ela sorriu e estendeu a mão.
- Meu nome é Pewan.
Apertei a mão dela.
- Eu sou...
- Maika.
Ela me interrompeu.
- Como...?
Ela olhou para cima dando um sorriso sem jeito.
- Seu nome e rosto saiu em alguns jornais, junto com o dos outros.
Eu ri.
- Por que decorou justo o meu nome?
Ela sorriu sem jeito.
- Porque eu também sou mestiça.
Eu tentei pensar em uma resposta, mas ela não veio. Pewan continuou falando.
- Sou meio leanhaum e meio humana.
- Meio alf.
Ela sorriu.
- Sinto que vamos nos dar bem.
Eu sorri para ela também.◇•°•◇
Segui sozinha para a próxima aula, demorei bastante para achar a sala, mas graças ao mapa que Tarsa havia me dado não demorou tanto quanto iria normalmente. Entrei na sala enquanto o professor batia impaciente na lousa de forma frenética.
- Vamos, vamos pessoal! O mundo dos vazios tem muita história a contar.
Os rostos agora estavam animados, me apressei.
- Oh! Você!
Me virei para ver quem ele chamava, ele apontou para o alto, a última fileira, Shun!
- Não gostei da sua falta de empolgação. Sente aqui!
Ele apontou para a primeira fileira. Shun se levantou. Fiquei imediatamente feliz por assistir a uma mesma aula que Shun. Procurei lugares perto de onde o professor tinha apontado. Mas estavam todas ocupadas. A mais próxima ficava a diagonal acima. Fiquei triste por não poder ficar mais perto dele.
- Ande, ande!
Percebi que o professor falava comigo então iniciei uma caminhada apressada e desajeitada até o lugar. Me sentei e logo depois Shun também. O professor não esperou muito mais.
- Ok. Pessoal. Sei que a maioria de vocês deve ter ido a loucura quando souberam que essa aula foi adiantada para o ano de vocês. Sei também que devem ter lutado para conseguir a vaga. Posso ver pela lotação da sala e da fila de espera gigante que já tenho em minha mesa.
As pessoas estavam empolgadas com historia vazia? Ele continuou enquanto caminhava de um lado para outro à frente da lousa verde.
- Mas não pensem que só porque é a história dos vazios que será fácil ou desinteressante.
Olhei ao redor, talvez tivesse mais alguém conhecido ali se a aula era tão popular. Um cabelo roxo e um prateado se destacaram. Sorri comigo mesma, ali eu não estava sozinha.
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Cidade de Magia - Contos de Espinhos
FantasíaTirya está a caminho da Cidade dos Contos, onde nem todo conto tem um final feliz. Além de ter que suportar um superior de uma personalidade complicada e mais uma vez ficar sozinha ela vai ter que enfrentar os perigos e criaturas da Floresta sem f...