Às sete

2.5K 357 8
                                    

A lua já aparecia clara no céu e nada de narural havia naquilo. A lua daquele lugar já não era normal, com aquele brilho exagerado e que mais a fazia parecer um globo de luz, o brilho vermelho a deixou ainda mais distante da verdadeira, um vermelho sobrenatural.
Aquilo fez uma imagem surgir em minha mente, uma memória rebuscada dos confins de meu cérebro. Uma imagem, não, uma pintura de uma lua vermelha como aquela sobre uma floresta que brilhava em escarlete. Uma garotinha, com uma pequena mão apontando para algo no meio das árvores, um brilho violeta e prateado escondido, mas que com olhos atentos eram claros e mais brilhantes. Uma mãe sorrindo dizendo que era alguém especial.
A lembrança não era clara. Talvez fosse mais algo que eu tivesse imaginado, ou de alguma das histórias estranhas que minha mãe contava sobre suas pinturas. Não tive contos de fadas antes de dormir, mas sempre que apontava para uma pintura dela ela me contava historias fascinantes que poderiam ser contos de fadas, se falasse sobre príncipes e princesas, mas as histórias dela eram mais assustadoras e reais.
Abri a porta de casa e Claren olhou para mim desesperada.
- O que foi?
- A que horas é essa festa?
- Adam disse que viria às sete.
Ela suspirou, mas logo se desesperou novamente.
- Temos meia hora para lhe ajeitar.
- Calma! Não deve dar tanto trabalho vestir uma roupa descente.
Ela me encarou incrédula enquanto eu terminava de entrar.
- Você tem que tomar um banho descente, isso sim. Já viu como está suja?
Olhei para o quimono azul, ele tinha as bordas barrentas, como se eu tivesse passado por lama.
- Ande! Suba e banhe logo!

◇•°•◇

Não me demorei no banho. Assim que voltei ao corredor Britta estava terminando de subir as escadas, ela vestia algo estranho, um vestido longo que lembrava um roupão, era escuro e tinha um brilho roxo, os cabelos dela estavam iguais aos de Claren e eu apenas a reconheci depois de alguns instantes. Ela não falou comigo, apenas foi para seu quarto fechando a porta com força. Claren abriu a porta de meu quarto assim que Britta fechou a dela, colocou a cabeça para fora e olhou para mim.
- O que está fazendo parada aí? Ande logo!
Andei rápido até o quarto. Claren fechou a porta logo que entrei e apontou para uma cadeira que ela tinha colocado à frente do espelho. Me sentei e ela começou a pentear meus cabelos.
- Não vou poder fazer nada muito armado porque temos pouco tempo.
Eu sorri.
- Não precisava fazer nada. Eu iria apenas pentear.
- Ah! Mas não pode fazer isso! Para os licantropos as festas da lua são muito importantes, seria desrespeitoso.
- Você não poderia...
- Usar magia?
Eu ri imaginando Claren como uma espécie de fada madrinha.
- Sim.
A observei pelo espelho.
- Eu prefiro não depender de meu poder. Quando era pequena e sua mãe ficou em nossa casa eu a admirava por conseguir resolver tudo sem usar o inscius. Ela era capaz de qualquer coisa e quando descobriu que tinha um poder ela não sabia como usá-lo, assim como você, e ela não precisava mesmo dele, porque ela já era poderosa.
Eu sorri. O olhar de Claren brilhava ao falar de minha mãe e enquanto ela falava dela eu me senti feliz e orgulhosa. Meus olhos arderam. Fiz uma careta de raiva. Eu tinha virado uma chorona, justo eu que dizia que os que choram fácil eram bobos. Funguei e engoli o choro.
Claren cantalorou enquanto arrumava meu cabelo o prendendo no alto. Quando ela terminou o coque veio para minha frente e arrumou minha franja que já estava um pouco grande. Quando terminou me olhei no espelho e vi seu trabalho simples, mas que tinha me deixado vaidosa, o coque era inteiramente normal, mas as mãos habilidosas de Claren o haviam deixado perfeito, na frente minha franja um pouco para o lado e algumas mechas de cabelo solto moldavam meu rosto. Eu virava a cabeça de um lado para o outro me sentindo mais bonita que nunca. Vestir roupas arrumadas nunca foi meu forte, eu sempre preferia o conforto e evitar chamar atenção, isso eu tinha herdado de Dara, ela adorava vestir roupas velhas e manchadas de tinta.
-

Agora, o vestido!
- Vestido...
Gemi. Eu provavelmente ia odiar aquela parte.
Claren se aproximou com a roupa estendida à sua frente. Um vestido vermelho sangue, liso de alcinhas e rodado. Era lindo.
- Vista. Quero ver o resultado. Ah! E ali estão as sandálias.
Fiquei apavorada, ela mostrou um canto do quarto e meu alívio foi gigantesco, não era um maldito salto, mas um par de sapatilhas vermelhas. Onde ela tinha conseguido aquelas roupas, eu não sabia. Aquele devia ser seu toque de fada madrinha. Agradecida, exibi um sorriso para ela e peguei a roupa.
- Quando terminar me chame que eu fecho.
Acenei e ela saiu do quarto. Coloquei a roupa e já calcei as sapatilhas, a chamei e ela fechou o zíper da roupa. O vestido se encaixou perfeitamente. Admirei meu reflexo no espelho e vi uma garota realmente bonita. Suspirei.
Como será que Shun reagiria ao me ver daquele jeito?
- Vamos! Já são quase sete horas.
Claren desceu as escadas, segui atrás dela. Quando ela chegou ao térreo uma batida ecoou pela casa. Ele tinha chegado. Claren seguiu direto para a porta e a abriu.
- Boa noite, senhorita Nithal.
- Boa noite, senhor Furler.
- Espero não ter me adiantado demais.
- Não. Você chegou bem na hora. Espero que a traga de volta no horário também.
- Qual o meu limite?
Ela sorriu.
- Quero ela aqui antes do trem chegar.
Ele também sorriu. Eu cheguei à porta e ele olhou para mim. Acho que fiz questão de me exibir, já que estava me achando um máximo mesmo, mas assim que ele me olhou o constrangimento superou minha vaidade e eu fiquei desconcertada com a falta de palavras dele.
- Olá, Adam!
Ele estava em um terno cinza bem arrumado, a camisa de dentro era vermelha, o que fazia o terno parecer, levemente, branco, devia ser proposital, alguma rebeldia sua, ou uma brincadeira. Ele demorou muito para responder.
- Oi...
Limpei minha garganta e Claren sorriu.
- Vão, crianças e se divirtam!
Adam, já não mais abalado pela minha mudança vestiária, me estendeu uma mão.
- Podemos ir, senhorita?
Coloquei minha mão sobre a dele.
- Claro, senhor.
Ele olhou para Claren.
- Tenha uma boa noite, senhorita Nithal.
Ela sorriu para ele.
- Cuide me minha garota, senhor Adam Furler.
- Com toda a certeza.

Cidade de Magia - Contos de EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora