Cidade de Magia - Contos de Espinhos

Errantes

Meus pulmões ardiam e minha garganta estava seca, meu rosto pegajoso e eu sentia gosto de folha na boca depois de várias vezes folhas gigantes surgirem do nada a minha frente enquanto corria. Quatro voltas e eu já sentia como se estivesse pagando por meus pecados. Nem meus tênis protegiam meus pés de várias topadas, meus dedos dos pés eram uma tortura constante. Meus braços e pernas estavam a salvo graças ao uniforme de tecido grosso, mas o resto... Teve um instante em que meu cabelo ficou preso em algum galho de tão enlinhado que tinha ficado, só percebi quando o puxão me levou para trás, minha cabeça doeu mais que uma topada de dedo midinho e eu quase caí, o que não se concluiu graças o meu cabelo preso, o que significa que por breves segundos fiquei suspensa pelos fios. Nessa hora entendi os cabelos curtos de todas as mulheres ali. Eu não queria cortar o meu. Desfiz o rabo de cavalo e desembaraçei uma parte. Meus dedos sujos deixaram os fios loiros manchados. Fiz um coque alto. Aproveitei cada instante para respirar. Um trote lento soou ao se aproximar.
- Não era para parar.
Ryan ainda trotava sem sair do lugar. Ele passou os olhos pelas redondezas depois voltou para mim.
- Eu quase caí.
Ele diminuiu o ritmo até parar por completo e se aproximou, ele prendeu um riso.
- Não acredito que ficou desse jeito por uma mera corrida.
Emburrei minha cara e cruzei os braços, ele tinha gostado de fazer graça de mim.
- É complicado correr em uma floresta cheia de....
- Árvores? Esperava o que? Uma pista de corrida?
- Não, mas pelo menos... que não fosse tão densa.
- Certo... Queria que a floresta sem fim fosse como uma floresta de eucaliptos ou de sequóias. Bem, ela também é. Mas acontece que durante esse mês estávamos aqui, o próximo ponto provavelmente será na floresta de inverno, parece que outro reino congelou.
- Congelou?
Ele enfim expressou algo, confusão.
- Não disseram para ninguém lá fora? Os contos estão congelando e morrendo. A vida tem sido roubada deles. Isso já tem um ano ou mais. - ele passou a mão pelos cabelos - Aquele Conselho maldito não contaria para ninguém. Eles acham que o problema é todo nosso. Por isso temos poucos recrutas.
- Isso tem haver com... o grande número de baixas?
Ele me encarou como se aquilo fosse senso comum.
- É claro que sim, os guardas morrem e congelam nos reinos, por isso andamos pelas florestas, além disso nos últimos tempos temos muitos errantes.
Lembrei da cena presenciada por Lan, Kane e eu.
- Os gigantes?
- Não só eles. Errantes são qualquer criatura das sombras que escapa do céu ou da Floresta Negra.
- Mas... essa floresta fica perto?
- Essa floresta fica dentro da Floresta Sem Fim.
Eu senti preocupação se mesclar a áurea sombria dele. Se alguém como ele, que parecia tão forte, estava preocupado, então como seria com os demais?
- Venha, vamos falar com o capitão. Ele ainda deve estar aí.
Ryan seguiu em uma direção que eu jamais imaginaria ser a do acampamento e eu o segui.