Olhares inevitáveis

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Minha mente não se concentrava em nenhuma das aulas, ela vageava entre pensamentos a respeito de uma fala não dita e a noite que me aguardava. Percebi burburinhos entre os alunos sobre o festival que teria à noite. Mesmo com a mudança de salas os assuntos de cochichos eram todos os mesmos e imaginei que aquele deveria ser um dos períodos mais importantes na Cidade. Pelo que eu sabia cada cidade era independente em diversos aspectos, inclusive as festas, como a Cidade de Magia era muito diversificada, a maior em quantidade absoluta de espécies diferentes, os festivais eram mais raros para evitar conflitos raciais, ou se teria festival toda semana. O festival da lua de sangue é um muito importante para muitas espécies, desde adoração à lua ao temor. Para alguns era mal presságio, para outros trazia fartura e abundância. Ainda não tinha visto tudo sobre ela Lark se limitara a dizer aquilo durante as chances que teve durante a aula de Transfigurações, o professor anotava no quadro de giz diversos símbolos que eu desconhecia, mas quando ele falava eu via que não passava da velha química aplicada de um jeito muito estranho, como tópico estava Tapetes voadores, que li depois de muito esforço. Lark, sentado ao meu lado deve ter percebido pois depois daquele tópico ele leu tudo para mim e pela primeira vez eu anotei alguma coisa ali, meu caderno já tinha sido aberto em todas as aulas e salas e continuava em branco. Quando terminei de anotar olhei para Lark e o agradeci, mas ele não prestou muita atenção, seus olhos analisavam minha escrita com estranheza estampada no rosto elegante. Ele franziu as sombrancelhas e depois olhou para mim.
- Sua letra tremula.
Eu pisquei assustada. Era a primeira vez que alguém falava que via algo ao menos parecido com o que eu vinha lidando todos os dias, fiquei aliviada, não tinha nenhum problema de vista. Mas o pensamento de que ele poderia estar desenvolvendo o mesmo problema que eu logo me recorreu e me tensionei mais uma vez. Olhei para meu caderno e as letras permaneciam ali, firmes e estatísticas, diferentemente das letras no quadro e no caderno dele que se moviam como líquidas sendo agitadas em uma bandeija.
- As suas estão, mas as minhas não.
Ele olhou para o próprio caderno e depois para mim.
- No meu caso é o inverso.
- O que é isso?
- Isso, - erguemos nossas cabeças vendo uma nova pessoa se colocar na conversa, ninguém menos que o professor, ele nos encarava com sua minimidade e olhos escuros, ele tinha uma aparência que me levava a pensar muito em camudongos, eu não o achava um, mas realmente parecia de alguma forma - é um feitiço. Se quiser saber mais, pergunte a seu professor de história ou de encantos sobre a Unificação. Agora, deixem de conversa e prestem atenção.
Ele gritava de baixo, todos ao redor em silêncio após alguns segundos voltaram a seus burburinhos.
- Ei, não é ela que...
Eu não escutei mais nada pois Lark voltou a ditar o que o professor-camudongo anotava com o giz branco.

Quando a aula de Transfigurações terminou alonguei minhas costas de leve na cadeira e me levantei junto a Lark, percebi que ele se mantinha sempre um pouco distante, como se eu fosse dá-lo um choque caso triscasse em mim.
- Qual a sua aula agora?
- História Perdida.
Tinha até essa! Me perguntei se não havia qualquer aula de línguas ali, já que estava acostumada a ter que aprender duas línguas obrigatoriamente além da minha na escola, mas deixei o questionamento incubado em mim.
- Para mim é Anatomia animal, eu acho.
- A mesma da minha.
Me virei e vi Lan se aproximar por trás em uma velocidade nada normal, mas que para ela parecia se tratar de um simples andar.
- Soube que hoje serão os lobos. Imagino que não precise dessa aula.
Ela tentou esconder um de seus risinhos.
- Por que?
Lan me lançou um olhar cético com um brilho estranho.
- Já deve saber de tudo sobre eles...
Outro sorriso e eu entendi a que ela estava se referindo. Lhe lancei um olhar reprovador. Lark se manteve inespressivo.
- Ah! Acho que tem outra pessoa da turma nessa aula.

Não era ninguém mais, ninguém menos que uma criatura que eu não queria encarar tão cedo. Lissa.

Cidade de Magia - Contos de EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora