Garota incendiária

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Me despedi de Shun do mesmo modo de sempre, não queria lembrar que no dia seguinte não poderia voltar para casa com ele, estaria arrumando minhas coisas para partir pela noite, e caminhei solitária.
Como sempre o caminho até a casa de Akira era vazio e cheguei rapidamente ao destino sem nada para me distrair. Bati à porta e esperei que ele abrisse. Quando ele finalmente a abriu entrei em silêncio e tirei os sapatos, coloquei a bolsa no pequeno armário após tirar meu quimono de dentro.
- Não vai dizer nada?
Eu parei no corredor e me virei para ele, encarando a máscara vermelha que eu tanto odiava.
- O que espera que eu diga?
- Máscara.
Eu sempre pedia para ele tirar aquela coisa e sempre era negada, te-lo visto sem ela me deixou ansiosa e me fazia odiar ainda mais ela.
- Se eu pedir para tirá-la, vai tirar?
Eu tenho certeza que ele sorriu, aquela breve pausa de divertimento dele.
- Talvez.
Ele estava realmente brincando comigo? Devia ser por ser a última vez, ou ele sempre fez aquilo e eu só nunca tinha percebido.
- Você pode tirar essa coisa?
Esperei ansiosa pela resposta, talvez ele a tirasse e eu pudesse novamente me deslumbrar com ele. Sacudi a cabeca afastando o pensamento, não era dele que eu gostava.
- Não.
Meus ombros se encurvaram e eu voltei a caminhar para o banheiro. Me troquei com uma velocidade impressionante considerando como era complicado vestir aquilo, amarrei o grande tecido segurando as calças largas e a blusa cruzada. Saí do banheiro e segui para a varanda, Akira adorava sentar ali e eu ainda não entendia por quê, o chão duro fazia o traseiro doer depois de poucos minutos e as costas cansavam rápido. Ao menos era melhor que como eu ficava, sentada na terra de pernas cruzadas encarando três velas.
Ele, é claro, estava sentado na varanda, mas quando cheguei ele se levantou.
- Novo movimento.
Me empolguei, ele tinha ensinado apenas dois movimentos. Eu acreditava que deviam ser bem mais fortes se eu produzisse algum fogo satisfatório, mas pouco fogo era melhor que nenhum em uma luta.
Ele foi para o meio e iniciou a lição.
Separou os pés os deixando bem distantes e abaixou um pouco. Esticou o braços esquerdo enquanto olhava para o direito, então o passou por cima da cabeça, o braço direito também se esticou ficando à frente, as duas mãos e encontraram e ele as fechou em punho, as trouxe junto de se e girou sobre os pés virando para o outro lado, então ele separou as duas mãos rapidamente como se elas se repulsassem. Uma grande lufada de vento se seguiu à frente dele.
Ele ajeitou a postura e se virou para mim.
- Faça.
Eu pisquei quatro vezes demoradamente.
- Impossível.
- Faça!
Eu o encarei. Uma ideia me ocorreu, talvez eu pudesse pechinchar com ele. Pousei as mãos na cintura.
- Quer que eu faça aquilo, só que com fogo?
Ele acenou.
- Mas não foi você quem disse que eu precisava de estimulo emotivo ou sei lá o que para fazer fogo?
Ele entendeu e soltou um suspiro.
- Duas chances.
Me empolguei, mas percebi que aquilo era realmente quase impossível.
- Cinco.
- Duas.
Insisti.
- Cinco.
- Duas.
Fiz uma careta para ele.
- É a primeira vez que eu vou fazer isso, me dê ao menos mais de duas chances!
- Três. Fim.
Bufei derrotada, sabia que ele não me daria mais do que aquelas três míseras chances.
Corri para ficar mais distante e imitei os movimentos dele, quando fui fazer o giro... caí. É claro, meu histórico de desastrosa não ousou falhar naquele instante e eu vergonhosamente fui ao chão. Me levantei e tirei a terra da bunda e das mãos muito irritada.
- Pés mais próximos. Duas.
Voltei a fazer o movimento, mas com os pés mais juntos e dessa vez consegui terminá-lo, mas o fogo não saiu.
Me endireitei, era a última chance. Mais uma vez fez o movimento com sucesso, mas o fogo não se mostrou.
- Tudo bem. Tente isso.
Ele se aproximou e me entregou três velas. Olhei para ele incrédula, ele ia me fazer voltar ao início. Irritada comigo mesma tomei as velas de suas mãos e me sentei no chão, as posicionei enfileiradas e as encarei com ódio. O fogo ascendeu como se fossem velas elétricas ligadas mentalmente. Minha raiva apenas aumentou. Agora ele se mostrava. Poder teimoso!
Encarei Akira.
- Continue.
As velas foram apagadas por um sopro sobrenatural.
Continuei fazendo aquilo pelo resto da tarde.

◇•°•◇

O céu começou a dourar e Akira finalmente disse que eu podia parar. Me levantei do chão, minhas pernas dormentes formigando, e peguei as velas. Limpei o quimono e as entreguei para Akira. Ele permaneceu à minha frente por tempo demais.
- Tente novamente.
- O que?
- Movimento.
Suspirei. Estava cansada e só porque tinha conseguido fazer aquilo com as velas não significava que iria conseguir fazer o movimento. Akira percebeu minha falta de motivação.
- Faça!
Ele soou autoritário. Me espantei com aquilo, ele sempre era calmo comigo, mas ele tinha falado com tanta força que parecia outra pessoa. Ainda assustada com aquilo me afastei e tomei a pose inicial. Ele se aproximou e ajeitou meus pés com os próprios. Depois seguiu para atrás de mim e segurou meu ombro, com a outra mão ele empurrou minha lombar para a frente corrigindo minha postura. Pegou minhas mãos e as colocou na pose inicial e as movimentou com as próprias, repetindo o movimento três vezes parando na inicial mais uma vez. Então suas mãos tocaram as laterais de meu rosto, o virando para a direita e o erguendo levemente.
Ele me soltou e voltou a ficar do outro lado, próximo à varanda.
- Faça.
Dessa vez foi mais suave, o que me acalmou um pouco depois de todo aquele contato. Respirei fundo e comecei. Minhas mãos se uniram e eu girei, invoquei meu poder e separei as mãos. Um arco de fogo se formou e avançou à minha frente brilhante, enorme e poderoso, o fogo era escuro, de uma cor que eu jamais havia visto, e avançou adiante contrastando com o laranja de fim da tarde até se dissipar completamente.
Uni meus pés novamente e me virei, finalmente olhando para Akira. Eu estava impressionada. Como ele sabia que funcionaria dessa vez?
- Não pare. - disse ele. - Faça os outros.
Obedeci. Fiz o movimento da serpente e terminei com o da flor. Quando ergui minhas mãos para o alto infinitas linhas escuras brotaram de minhas mãos, irradiavam para todos os lados. Era incrível. Era diferente de tudo o que já tinha experimentado. Quando terminei olhei para Akira com um sorriso enorme no rosto.
- Muito bem, garota incendiária.
Me aproximei dele.
- Tire logo essa coisa maldita!
Ele gargalhou e a tirou.

×××
Cap grande hein, pessoal.

Cidade de Magia - Contos de EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora