Compreensão

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O suor escorria por minha testa, estava quente demais. Eu senti minhas mãos pegajosas, sangue, era sangue, o sangue do unicórnio. Eu ainda podia ver ele, os olhos vermelhos expressando uma tristeza quase humana, o sentimento de ter feito algo errado inundado dentro de mim, tudo que eu comseguia ver era os olhos vermelhos dele.
- Maika?
Olhei para o lado. Lan estava acordada, olhando para mim com preocupação. Ela tinha estado com aquela expressão desde que me viu, quando Ryan e eu voltamos para o acampamento. Ela tinha segurado meus ombros e olhado em meus olhos. Disse que o único alívio dela era saber que eu ainda estava viva. É claro, ela sentia tudo, minhas dores e talvez os sentimentos. Eu não tinha sentido nada vindo dela nos dias em que estive fora, mas suspeitei que ela tivesse sido bombardeada com desespero, confusão, dor e medo.
- Eu estou bem.
Não estava e ela sabia, mas ficou calada, apenas me olhando. Me sentei no saco e observei minhas mãos, limpas, elas estavam secas e limpas, mas ainda brancas demais, antes de me levantar.
- Onde vai?
Sabia que ela estava preocupada, podia sentir, mas não a queria por perto, não quando eu me sentia uma assassina, de novo. Mesmo com a garota morta bem ao lado o unicórnio ainda não parecia mal, ele não fez nada quando eu me aproximei com a espada apontada para o coração, não fez nada enquanto eu o matava. Por que Ryan tinha me dito para fazer aquilo?
- Vou tomar um pouco de ar.
- Tome cuidado.
Segurei a gola do uniforme novo que tinham me dado, não tinha mais nenhuma roupa, e saí da tenda para mulheres. A neve deixava tudo branco demais, e as árvores, mesmo secas e sem folhas, cobriam o céu, apenas um pequeno círculo visível de um céu artificial. Não estava frio, mas eu me encolhia no uniforme, queria me sentir normal. Andei pelas fogueiras e deixei que meus pés tomassem um caminho aleatório.
- Maika?
Me virei para Kane. Ele se aproximou com um sorriso.
- Acordada a essa hora depois de passar mais de três dias com o Ryan? Ele anda te causando pesadelos?
- Não.
Minha resposta foi sem emoção e Kane tentou agir normalmente. Até ele, que me conheceu por apenas um dia, sabia que eu não estava como antes. Ainda me lembrava do olhar de estranheza de muitos ao me ver voltar com Ryan ferido e eu com uma aparência nova.
- A noite será longa, tem tempo para dormir e não teremos muito o que fazer por aqui mesmo. Pode relaxar.
Acenti e ele voltou a andar. Vi que seu caminho era o mesmo que eu tinha feito para chegar onde estava. Voltei a andar e observar as sombras. Vi que a maior tenda tinha luz acesa. Than trabalhava em algo até aquela hora. Vi que mais ao longe, quase dentro da floresta uma outra tenda tinha a luz acesa. Caminhei até lá por não ter um destino certo. Quando estava distante três árvores vi Fray sair de lá. Ela me viu e sorriu.
- Ele está acordado. Já cuidei do veneno. - ela fez sinal de ok com a mão - Novo em folha e todinho seu.
Não me incomodei em responder ela enquanto ela saia. Ainda me perguntava o que tinha ido fazer ali. Ryan tinha se tornado uma presença mais reconfortante que Lan, ela parecia um pouco distante. Durante toda a tarde nem ela e seus comentários animados me fizeram me abrir. E ela tinha um sentimento novo dentro de si. Eu sentia isso. Queria poder conversar com ela. Com alguém. Mas...
- Não vai entrar?
A voz dele soou suave. Ergui o tecido e o vi se levantar do saco de dormir. Minhas faixas improvisadas foram substituídas por tecidos apropriados e blusa estava jogada ao lado dele no chão. As calças ensanguentadas tinham sido trocadas pelas limpas marrons do uniforme que também era novo. Ele me encarou sentado com os braços apoiados nos joelhos.
- Não consegue dormir? Anda pensando em mim? Preocupada? Não precisa. - ele sorriu de lado com charme - Mesmo expulso ainda sou um deus.
E piscou um olho para mim. Estava de volta. A personalidade egocêntrica e convencida. Ao menos isso. Eu encarava as ataduras em seu abdômen.
- Não vai entrar, Tirya?
Dei um passo para dentro e soltei o tecido. Eu sabia que estava frio, mesmo não sentindo e lá estava ele sem camisa logo depois de ser tratado.
- Não vai se vestir?
- E privar você da visão?
Revirei os olhos e ele sorriu. Bateu a mão no chão ao seu lado, um convite.
- Também senti sua falta. O que fez durante a tarde? Posso ver que tomou um banho. Sua aparência está melhor, apesar dessa expressão fria de rainha do gelo.
Me sentei no chão.
- Está totalmente curado?
Ele colocou o braço em volta de meu pescoço e me puxou para perto.
- Estou. Isso aqui - ele bateu na barriga enfaixada. - é só para fazer um pouco de pressão. Depois de um dia não vou mais precisar. Então... o que Than disse sobre nossa aventura?
- Ele disse que preferia falar com nós dois.
- Ótimo. Suponho que ele tenha percebido sua falta de emoção. Ele te deu um tempo.
Eu permaneci calada, tentando afastar a sensação pegajosa nas mãos. As apertei em punho.
- Obrigado.
O encarei. Pela primeira vez desde que enfiei Tyrfing no coração do unicórnio eu vi seus olhos, um azul sereno e brilhante, era como se as estrelas tivessem se juntado para dar luz eterna ao olhar dele.
- Obrigado por cuidar de mim lá e por voltar para lutar.
Acenei. Ele estava vivo. Eu tinha me disposto a matar a bruxa para salvar ele. O unicórnio também era cruel. Lembre da garota! Eu repetia para mim mesma. Apertei minhas unhas contra a palma da mão com força. Fingir... eu só precisava repetir aquilo para mim mesma até que acreditasse naquilo, até que se tornasse a verdade. Uma mão envolveu a minha. Voltei a olhar para Ryan e lhe ofereci um sorriso.
- Obrigada.
Ele fechou os olhos e apertou meus ombros. Ele entendia. Ele sabia como eu estava confusa e rachada por dentro.

×××
Oi oi oi!
Esse tmbm foi grande. Vou agilizar essa semana e provavelmente o segundo volume termina nessa mesma semana! Uhuhhhh
E o terceiro vai vir aos poucos. Disponibilizarei o prefácio junto com o final desde volume, como fiz antes.
Aí vem emoção! !!!!!!!
Hehehehehe
- antes da batalha é preciso descansar -

Cidade de Magia - Contos de EspinhosOnde histórias criam vida. Descubra agora