LUA-DUPLA - PARTE 1 - 03

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Igualmente contrariado, o Visconde de Burton entrou numa carruagem na saída do palácio para o bairro sul, a área nobre da cidade

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Igualmente contrariado, o Visconde de Burton entrou numa carruagem na saída do palácio para o bairro sul, a área nobre da cidade. Ele morava numa bela casa próximo às margens do Rio Leme, um rio enorme do qual não se conseguia ver o outro lado. O Visconde pensava sobre política e as decisões dos deuses. Achava errado o Panteão dos Deuses se envolver daquela maneira, isolando a corte do assunto. Também achava errado o Rei João acatar tal decisão sem esforço, com medo de possíveis retaliações divinas. Acabou filosofando sobre como as coisas eram e como elas deveriam ser, e se imaginava na posição de comando pensando que tomaria decisões melhores.

Foi quando percebeu sua pequenez. Ele viu que mudar o sistema de dentro do sistema era difícil, e concluiu, com tristeza, que suas preocupações não renderiam frutos. Lutar sozinho contra todo o sistema era como nadar contra a correnteza de uma catarata.

Contudo, todos aqueles sentimentos melancólicos mudaram quando ele chegou em casa, vendo seus criados amarrando balões e fitas coloridas. Ele reparou numa mesa sendo organizada e nas iguarias trazidas pelos vizinhos. Quase havia esquecido: sua filha Ana estava para voltar do treinamento como sacerdotisa de Naipi. Fazia quatro anos que não a via, meses desde que recebeu a última carta, devido ao confinamento do treinamento. E o retorno dela estava previsto para aquele dia.

Essa lembrança encheu seu coração de felicidade. Os afazeres da corte haviam lhe roubado a atenção. Burton desceu da carruagem e perguntou a Dona Sônia, sua governanta:

– Sônia! Ainda não está pronto? O que falta?

– Acalme-se, Lorde Burton. A carta dizia que Ana chegaria à noite. Temos muito tempo ainda. Acho melhor o senhor se preocupar com uns convidados que chegaram aí. Estão lá no escritório do senhor... e estão com fome.

O Visconde não esperava convidados. Quem seriam? Por que ela os deixou entrar? Eles poderiam ser ladrões ou assassinos. Ele entrou correndo na casa e abriu a porta do escritório, testemunhando uma cena inusitada.

Sujos, fedorentos e com lama nos corpos, um garoto e uma mulher de uma asa só estavam brigando por uma coxa de galinha, sobre uma mesa cheia de pratos vazios, que ele imaginou estarem cheios de gêneros de sua despensa antes de chegar.

– Me dá essa coxa, Leonel!

– Não como bem assim desde que saí da casa dos meus pais! Graças a você, Dalila, estamos há dias naquele pântano sujo. Ninguém tasca!

– Você já comeu a última!

– Eu peguei primeiro!

– Mas eu sou adulta e preciso de mais comida!

– Você é gorda e precisa emagrecer!

A briga de Dalila e Leonel se tornou uma bola de poeira, lama e penas que circulou no meio do escritório, feito um pequeno tufão. Vendo aquela cena ridícula, o Visconde de Burton decidiu interromper.

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