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Um coração solidário.

Encaro Gilbert que está sentado ao meu lado com os dedos parcialmente cruzados como se estivesse torcendo para não tomar nenhuma advertência. De fato, eu estava com os dedos cruzados mentalmente desejando que aquilo não passasse de uma conversa, como Marilla se sentiria ao saber que eu definitivamente estava no lugar onde ela se escondia para cabular aula junto com um Blythe, coincidentemente?

— Acho que vocês dois devem explicação — disse o diretor com o olhar furioso e nem um pouco compreensivo.

Semicerro os olhos para Prissy, ingênua. Pensei que fosse mais inteligente, será que não imagina que eu posso simplesmente dizer a ele que não teria coragem de entrar na aula do Sr. Philips principalmente porque ele estava aos amassos com uma das alunas?

— Não existe uma explicação para isso — respondo de imediato — se o senhor soubesse o que ocasionou a nossa ida até aquele local, ficaria perplexo.

Prissy entende minha indireta, e imediatamente sua expressão passa a ser de desespero.

— O fato é que... — assim que Gilbert abre a boca falar eu o interrompo.

— Eu recebi uma carta essa manhã de meu suposto avô — minto, pois nem havia aberto a carta — e o senhor sabe que passei minha vida perambulando de uma casa a outra até ser adotada definitivamente, e agora diretor Bell, estou completamente amargurada pois não sei se devo acreditar que esse pedaço de papel — tiro a carta da bolsa e mostro para ele — é verdadeiramente de algum avô perdido. Sinto que tudo está desmoronando ao meu redor, e pensar que eu posso pertencer a alguém, tanto quanto a Marilla e ao Matthew tem me tirado o sono e as forças. Gilbert só me levou para um lugar de calmaria quando soube disso, eu estava devastada — começo a chorar — e Prissy simplesmente achou por bem revelar o local pois... — ela começa a ficar sem cor — estava tentando se vingar por sua amiga depois que Gilbert terminou com ela, por ela ter feito eu dar um salto no ar no ensaio de líderes de torcida e praticamente quebrar o meu tornozelo.

Ele arregala os olhos, como se não tivesse prestado atenção em uma palavra sequer do que saiu de minha boca, a não ser o final.

— Eu estava tão enlouquecida com o fato dessa carta — aponto novamente para o papel agora fungando para conter o choro — que não podia assistir uma aula entediante do Sr. Philips, acabaria ainda mais comigo, e eu não seria capaz de interrompe-lo com as minhas lágrimas, ele ficaria arrasado. E apesar de eu não... Querer participar da aula dele, eu queria continuar no colégio para as próximas aulas, mas seria impossível cabular uma aula no corredor ou no pátio, eu precisava de privacidade e o Gilbert como um bom amigo, não fez nada além de me ajudar a sair das profundezas amargas do meu desespero sem fim.

— Anne, sinto muito por todos esses acontecimentos em sua vida — o homem de meia idade e cabelos grisalhos se senta em sua cadeira a minha frente — espero que você consiga superar todas essas... Situações.

— Está sendo muito difícil — torno a chorar — Sr. Bell, sei que você é formado em psicologia, se importaria em me ouvir? Por favor, eu estou desesperada. — dou um toquinho na perna de Gilbert — Blythe, Prissy, vocês podem nos deixar a sós por favor? Esse assunto é terminantemente particular e sei que o diretor Bell tem algo a me dizer para que eu fique menos perturbada.

— É claro — Gilbert se levanta — Sr. Bell, posso me retirar?

— É claro meu filho, deve — ele os encara — acompanhe o Blythe, Prissy Andrews.

O rosto da loira volta ao tom natural, disparo em um sussurro a frase "de nada". E ela sai com a maior cara lavada do mundo.

— Diga-me Anne, o que a aflige...

— Nem sei por onde começar Sr. Bell...

. . .

Assim que saio da diretoria com o nariz escorrendo e os olhos inchados, vejo Diana, Cole e Gilbert com passos apressados vindo até mim.

— Formada nas artes do drama — Cole diz.

— Meu Deus ele realmente é um ótimo psicólogo, acho que eu estava precisando mesmo de uma conversa franca com alguém. Eu contei quase toda minha vida a ele, e todo meu desespero em alguém descobrir que eu sou...

Gilbert me encara com um olhar de expectativa.

— Uma garota muito esforçada para conseguir ser melhor do que as outras.

— Você literalmente contou tudo? Tipo tudo?

Movimento a cabeça em um sim.

— Ele disse que tenho uma mente fascinante e que tudo que contei a ele está guardado em sigilo absoluto. Sugeri que ele fizesse mais consultas com os alunos. Eu pensei que eu estava o enrolando para nos poupar de um castigo mas acabei me confessando como se ele fosse um padre.

— Gilbert contou o que aconteceu — diz Cole — que a Prissy dedurou vocês na biblioteca, loira oxigenada e sem caráter ainda.

— Está tudo bem, consegui contornar a situação apesar de estar arrasada por ter que admitir que minha vida está uma imensa bagunça.

— Anne Shirley? — sinto um toque em meu ombro e viro-me — podemos conversar, só por alguns minutos?

O pessoal sai e me deixa a sós com ela.

— Sinto muito que eu tenha feito aquilo, agi por impulso sem pensar, em minha mente você contaria a ele o que estava acontecendo então assim que vocês dois saíram da sala do professor Philips, eu os segui, e não pensei que fosse ser tudo diferente.

— Eu não ousaria contar aquilo para ninguém Prissy, sua vida só diz respeito a você — seguro em sua mão — apesar de você quase arruinar com minha vida, uma advertência seria muito mal vista em meu histórico.

— Eu sinto muito.

— Eu acredito. Mas conte-me, o Sr. Philips não está a obrigando a nada, não é? Você realmente sabe o que está fazendo Prissy?

— Eu o amo com todo meu coração. — ela admite — ele não é velho, tem vinte e cinco anos e pouco tempo lecionando, não quero acabar com a carreira dele, vou fazer dezoito logo, e pretendo contar aos meus pais. Mas por favor, não conte a ninguém.

— Eu juro que não irei contar.

— Obrigada, e me desculpe de coração. Não imaginei que você fosse uma pessoa tão boa.

— Você não sabe quem são as pessoas Prissy, até se dar o direito de conhecê-las. Vou adorar manter esse segredo entre nós, e garanto que o carregarei para o túmulo.

— Mas Gilbert...

— Darei um jeito, acredite.

CRUSH - SHIRBERTOnde histórias criam vida. Descubra agora