Capítulo VIII

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        Notei a música alta, uma espécie de flamenco, mas não exatamente. Havia uma enorme fogueira, mas só quando chegamos mais perto e vi as roupas das mulheres é que entendi. Estávamos num acampamento cigano.

      Ele sorriu ao ver a minha expressão de surpresa. Pegou a minha mão e me guiou no meio da multidão.

       Era o momento em que uma grande fogueira no centro estava sendo acesa. As pessoas pareciam emocionadas a nossa volta. Assim que a fogueira pegou fogo as pessoas começaram a comemorar e a dançar.

     Ele me levou para uma tenda, um pouco afastada da fogueira, onde haviam várias pessoas falando diversos idiomas, muito rápido e eu não entendia nem que línguas estavam sendo faladas. Parece que ele me apresentou aquelas pessoas porque ouvi meu nome sendo dito e as pessoas começaram a vir me cumprimentar. Pessoas que eu nunca vi vieram me abraçar e me beijar. Uma moça, bem jovem, talvez uns dezesseis anos, me cumprimentou, parece que o nome dela era Leila, ou algo assim.

      Ela fez um carinho na minha barriga, e Manolo disse todo orgulhoso

      - Três.

       Foi uma comemoração só, todos vibraram com a notícia, como se eu fosse da família deles. Leila tirou um arranjo de rosas vermelhas que estava no cabelo dela e colocou no meu cabelo. Uma outra moça amarrou um cinto de moedas no meu quadril. Alguém colocou várias pulseiras de moedas nas minhas mãos, outro alguém me puxou para mais perto da fogueira.

      Achei aquilo tudo engraçado, e não me importei. Olhei para Manolo e ele sorria divertido.

     Elas, Leila e outras duas moças que eu não sei o nome, me puxaram para perto da fogueira e começaram a dançar. Eu entendi que elas queriam que eu dançasse com elas.

     Leila e suas amigas estavam lindas, com saias muito rodadas, lenços de moedas, muito enfeitadas e maquiadas, com tiaras, rosas, maquiadas de forma característica. Era um clima envolvente de alegria, todos com roupas coloridas e felizes, sem medo de fazer papel de ridículo ou de qualquer julgamento.

      Quando percebi estava dançando. Dançando e muito feliz. Me deixei envolver pela música, pela dança, as minhas novas amigas dançavam e alguns homens dançavam com elas. Havia uma banda com alguns violões, violinos, pandeiros, e Leila parecia uma estrela dançando, sorrindo. Quando olho Manolo está ao meu lado e estamos dançando. Ele eu sei que estava dançando, eu apenas me mexia no balanço da música e fazia meu cinto de moedas balançar e fazer barulho. E ria. Gargalhava, como a muito, muito tempo eu não fazia.

     Eu não sentia medo, ou vergonha. Não tinha medo de fazer algo errado e ser repreendida. Não estava preocupada com o futuro.

     Quando a música parou, ele me deu um copo com uma bebida para beber. Eu praticamente não tinha comido nada e estava exausta em dançar apenas uma música.

      Várias mulheres aparecem perto da fogueira, andando em fila. Todas vestidas de branco com lenços dourados de moedas, detalhes dourados nas roupas e rosas brancas nos cabelos.

      Aquilo me assustou um pouco. Será que é alguma espécie de culto? Manolo parecia entender minhas dúvidas mas não dizia nada. Nesse momento ele estava abraçado a minha cintura mas eu não tinha nem percebido. Ele era mais alto do que eu, e eu recostei a cabeça no ombro dele.

       - está enferma?

       - no, solo cansada

       - nos vamos en breve.

         E esse era praticamente todo o meu vocabulário em espanhol.

        As mulheres de branco que entraram em fila, agora fizeram um círculo, eu estava logo atrás delas. O que me fez pensar que ele sabia como era os ritos da festa, pois estávamos num lugar estratégico.

       Elas deram a mão, pareciam rezar e então um homem mais velho, no centro do círculo colocou fogo no chão. Aquilo despertou a minha curiosidade. Então, quando o fogo se alastrou e formou um desenho no chão. Eu demorei a entender. Era um olho de hórus!

       A multidão bateu palma e eu também. O homem que colocou fogo, usava uma calça preta, uma camisa verde, colete e um chapéu, e parecia mesmo com um cigano. Ele falava no microfone agora, e parecia que ele estava abençoando as pessoas, porque a multidão agora tinha as mãos juntas como em oração, enquanto alguns tinham as mãos erguidas para o céu.

        Ele se aproximou de mim, pegou a minha mão e colocou nossas mãos sobre a minha barriga.

        - La Santa Sara Kali bendice o nacimiento!

        - Gracias!

       Quando ele encostou em mim, senti um calor sobre o meu corpo, mas não era um calor desconfortável ou sufocante, era um calor de aconchego, calor de abraço.

        Então, nós fomos embora e eu me sentia bem melhor. Não só fisicamente, mas emocionalmente. Antes de chegarmos em casa, passamos num restaurante e Manolo parou o carro na frente e imediatamente um rapaz veio e trouxe para ele uma sacola com um cheiro delicioso. Pela caixa, deduzi que fosse uma pizza.

      Fomos para casa. Eu estava muito feliz e radiante. Nós ficamos o trajeto todo de mãos dadas. Eu não me importei. Na verdade eu nem percebi. Era tão natural que nem notei quando ele pegou na minha mão, ou se fui eu quem peguei a mão dele. Só percebi na balsa, quando ele soltou a minha mão, desceu do carro e deu a volta, abrir a porta do carro para mim, para que eu descesse. Nós ainda estávamos na balsa.

       Ele me pegou pela mão novamente e nós fomos até a beirada da balsa, deixando o carro estacionado no local devido.

       Quase não tinha iluminação elétrica então era possível ver muito mais estrelas no céu, além de uma lua cheia maravilhosa que estava refletida na água

        - Noche linda! Me encantó lo passeio - e ri, porque eu não sabia como era passeio em espanhol

        - La gira! - ele completa rindo.

        - Obrigada

        - Como está se sentindo?

        - Bem, muito bem. - foi como tirar o peso do mundo do meu peito e eu pudesse respirar, mas isso eu não disse - ai!

        - O que foi? - ele já amparou me segurando as minhas costas, imaginando que eu pudesse desmaiar

         - Ai!

          - O que foi Sofia? Onde dói?

         - Minha barriga!

        - Dói?

         - Eu... ah não... olha - peguei a mão dele e coloquei sobre a minha barriga onde estava doendo - acho que estão se mexendo!! Está sentindo?

         Manolo ficou muito emocionado em senti-los mexer.

         - onde exatamente nós fomos?

          - Ora, você não sabe?

         - Um acampamento cigano? - ele riu

         - Mas eu achei que aqui fosse um país muçalmano.

         - e é!

          - mas não é proibido?

         - Sim, é, mas não nas ilhas particulares. Lá se pode fazer o que quiser.

         - De onde você é, exatamente, já sei que você não é daqui.

        - Eu sou espanhol. Mas estou aqui há muitos anos.

         - E a família de Rodrigo, quer dizer... o que eles fazem...

         Mas ele não me respondeu. Eu também não insisti na pergunta.

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