Nós rodamos sem destino por um tempo, sem dizer nada. Ele me entregou uma garrafa de água e eu tomei tudo de uma vez, acho que estava desidratada de tanto chorar. Alisei minha barriga discretamente. Pensei nos meus pais e tomei uma decisão.
- Você pode me ajudar a fugir?
- fugir?
- sim, fugir de Alexandre, para onde ele nunca possa me encontrar.
Rodrigo não disse uma palavra. Deu seta no carro e rodou por quase uma hora. Eu não fazia ideia de para onde ele estava indo, nem consegui decorar o caminho, tamanha foram as voltas que ele deu. Até que entramos em uma garagem subterrânea de um prédio residencial antigo. Cheguei a pensar que talvez ele desse voltas de propósito para que eu não soubesse o caminho, ou até mesmo para despistar quem estivesse nos seguindo.
Ele estacionou o carro e desceu, eu desci também. Eu comecei a tremer de novo e por isso fechei o zíper da blusa. Ele pegou na minha mão e caminhamos até o elevador.
Subimos até o 11º andar. Era um elevador antigo e amarelado pelo tempo, com cheiro de cigarro e oleosidade. Quando parou nós descemos e andamos alguns passos para um apartamento no final do corredor.
Quando entramos vi que era um apartamento bem pequeno, minúsculo se comparado com o apartamento que Alexandre me deu aqui mesmo em São Paulo. Rodrigo pegou uma barra quadrada preta, parecida com um detector de metais, que ele passou em volta do meu corpo. Instintivamente, eu abri os braços.
- Eu não estou armada.
- Sei disso querida, queria saber se você tinha algum rastreador em você, mas pelo visto não tem. Seu celular?
- Não trouxe.
- Alexandre está com a guarda baixa.
Ouvir ele dizer o nome do meu marido, foi como um soco no estômago e me deixou nauseada. Eu senti o gosto amargo subir pela minha garganta e coloquei a mão na boca. Com um passo Rodrigo abriu uma porta no corredor e me indicou o banheiro.
Eu vomitei e fiquei um tempo ali, ajoelhada no chão ao lado do vaso.
Olhei em volta e observei o banheiro. Era bem grande, considerando o tamanho do apartamento. Havia o vaso sanitário, onde eu me encontrava abraçada, um bidê, o que demonstrava que era um apartamento antigo, como se não fosse óbvio pela aparência de todo o resto. Havia um aquecedor a gás e um box fechado por uma cortina.
Não sei quanto tempo fiquei ali, em transe, até que ouvi as batidas de Rodrigo na porta.
- Está tudo bem?
- Sim! já estou saindo.
Eu abri a porta do banheiro e sai. Mais um passo, sai do corredor que funcionava como sala de jantar para uma pessoa e fui para a sala. Era ampla, sem janelas, com um sofá marrom de três lugares e um sofá igual, mas de dois lugares. Havia alguns quadros de lutadores chineses nas paredes e um vaso de planta artificial no canto. Nos fundos da sala, havia uma grossa cortina verde e pelo que vi pela fresta, o quarto, que era dividido da sala pela cortina verde.
O que chamava a atenção era a quantidade de armas e acessórios espalhados pela mesa de centro. Havia também um mapa e muita munição. Rodrigo me indicou o sofá e eu me sentei. Ele recolheu tudo rapidamente, colocou numa bolsa de lona no chão. Foi até a geladeira e pegou uma garrafa de cerveja importada, sentou se no outro sofá de frente para mim.
- Nâo vai me oferecer?
- Estou vendo pelo seu jeito que você já cheia de calmantes. Não faz bem misturar. - dei um meio sorriso.
- Sempre perceptivo.
- Conheço meu eleitorado, pequena. Está certa que é isso mesmo que você quer?
- Sim!
- Ele nunca vai te perdoar.
- Eu não me importo. Eu também não sei se vou poder perdoá-lo.
- Vai me contar o que houve?
Eu ainda tremia, mas me sentia melhor e mais calma. Achei que conseguiria. Mas eu mal falei três frases quando desabei a chorar e não conseguia mais parar. Chorava, soluçava, sentia ânsias de vômito, dores no peito, falta de ar e achei que iria morrer.
- Ele me estuprou... drogou... fingiu graviez... e... não... posso... mais....e...
- Como assim? Estuprou? Me conte essa história direito! - eu continuo em silêncio, de cabeça baixa, envergonhada demais para contar.
- Pequena, me conte! Ou você prefere que eu saiba por outros modos?
- Ninguém sabe...
- Alguém sempre sabe! Vamos Sofia! Me fale!
- Naquela noite em que nos conhecemos... - tomei água entre os soluços tentando me acalmar - ele estava nervoso, não sei com o que. - Eu fui para o quarto primeiro. Eu estava tomando banho, ele... ele... me pegou a força, me machucou... ele estava tão drogado que ele não se lembrava de nada!
Rodrigo tentou me acalmar, me dar um copo de água, água com açúcar e eu continuei ali, encolhida no sofá, tremendo.
Ele andava de um lado para outro bufando, como se pensasse no próximo passo.
- Eu vou matá-lo Sofia! Que se foda! Eu vou matá-lo.
- Espere...
- Você não pode me dizer tudo isso e não esperar que eu faça algo... Algo que eu sei fazer muito bem.
- Foi você quem perguntou! Eu nem queria te contar! Não quero que você o mate, não por minha causa! Não quero o sangue de mais ninguém nas minhas mãos!
Rodrigo sabia do que eu estava falando e como foi difícil para mim lidar com isso, quando aconteceu. Eu fiquei em estado de choque. Nem Alexandre sabia sobre isso.
Ele se levantou e disse:
- Vou buscar ajuda, eu já volto.
Não fazia mais que dois minutos que ele tinha saído, eu continuei chorando encolhida no canto da sala e abraçando meus joelhos. Quando olhei para a bolsa de lona, no canto da sala, ali ao meu lado, quando a ideia me veio. Eu podia ver o metal reluzente. Eu já tinha visto ele com aquilo antes.
Era uma faca, não do tipo de cozinha, mas do tipo que se usa nos filmes para matar pessoas. Peguei ela na mão e senti ela queimar em mim. Ela era pesada.
"Como aquele maldito cartão de memória também era. O peso das verdades que eu não queria ver".
Peguei a faca e decidi passar nos pulsos. Seria uma forma de finalmente me livrar de Alexandre e da dor que ele me trouxe.
Então não me lembro de mais nada.
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Eu te faço livre
RomanceContinuação do livro "Me faça sua, me faça livre!". Aqui continuamos a história improvável de Alexandre e Sofia. Nesse momento Sofia sabe o preço que pagou para ter seus filhos e o quanto custou viver um amor de sonhos. Agora ela precisa lutar para...