Capítulo 2

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Só sentia meu coração bater muito forte, e ficar difícil de respirar. Não me lembro por quanto tempo fiquei assim. Quando dei por mim, estava numa sala com uma médica me examinando.

Eu: Eu preciso ver meu filho – tentei levantar.

XXX: Precisa esperar um pouco, a senhora desmaiou.

Eu: Eu estou bem. Eu quero ver meu filho. Isso não pode ser verdade, isso não é verdade... – levantei rapidamente e sai pelo hospital sem saber exatamente pra onde ir.

Rod: Priscilla... Espera... Priscilla... – me segurou e eu olhei nos olhos dele.

Eu: Meu filhinho Rodrigo... Meu filhinho não – me entreguei ao choro e desespero. Ele me abraçou forte e chorou comigo.

Rod: Ele tá na UTI, para vocês se despedirem dele. Ele tem órgãos viáveis para doação caso queiram doar, por isso foi colocado na UTI. Vamos, eu te levo até lá ... – ele me abraçou de lado e fomos até a UTI. No caminho até lá eu me lembrei de que de manhã foi eu que o acordei, fiz a mamadeira dele, dei banho e o coloquei na cadeirinha no carro da Natalie quando iam sair para a casa da avó dela. Ele me abraçou muito forte e disse "eu te amo mamãe". Aquilo doía como o inferno. Quando cheguei na UTI, Natalie estava em cima dele chorando desesperada.

Nat: Me perdoa filho, me perdoa meu amor, a mamãe não queria que isso acontecesse. – chorava em desespero.

Eu: Amorzinho a mamãe te ama muito filho, muito... Mais do que pode imaginar. – o beijei, fiz carinho. Ficamos ali por mais de uma hora chorando dizendo que o amava. E depois de um longo período em silêncio eu resolvi quebra-lo me lembrando da doação de órgãos – Ele tem órgãos viáveis para doar. O que acha? – ela pensou alguns segundos.

Nat: Vamos doar... Vamos doar tudo... Os órgãos dele podem salvar várias crianças. – fazia carinho nele. Nossa família já tinha sido avisada, o médico trouxe os documentos para assinarmos. Os órgãos dele salvaria outras 6 crianças e a retirada aconteceria naquela noite. Não saímos do hospital em momento algum. Fomos até a porta do bloco cirúrgico, e no caminho até lá, como era habitual do hospital quando um paciente em morte cerebral fosse doador de órgãos, duas filas nos corredores eram formadas e as pessoas aplaudiam, podiam dizer boas palavras, agradecer, dizer palavras de fé. As filas eram formadas por médicos, enfermeiros, auxiliares de limpezas, pacientes, familiares de pacientes e familiares dos doadores. Eu estive naquela fila inúmeras vezes vendo famílias se despedindo dos seus entes, já estive ali aplaudindo inúmeras vezes, já estive empurrando a maca para fazer a cirurgia de retirada dos órgãos também e agora eu estava ali para despedir do meu filho de dois anos e a dor era insuportável. Nos despedimos dele mais uma vez e o levaram. Pouco depois da meia noite, todo o processo de retirada dos órgãos já tinha acontecido e o corpo foi entregue a funerária. Fomos para casa, as meninas ainda estavam na grandma. Entramos no chuveiro juntas, tomamos banho em silêncio e fomos até o quarto dele. O cheirinho dele ainda estava ali, os brinquedos espalhados, a caminha bagunçada. Separamos uma roupinha, o Rodrigo ia buscar para entregar na funerária. Logo ele chegou pegou a roupa e foi embora.

Eu: Vamos deitar um pouco amor. Precisamos descansar... – saímos do quarto e nos deitamos. Eu a abracei e choramos até pegar no sono. Acordei antes dela, era 6 da manhã. O corpo seria liberado as 9 da manhã e o enterro já estava marcado para as 16 horas. Olhei meu celular e tinha mensagem da minha cunhada dizendo que já estavam no Rio, minha mãe viria bem cedo. Tomei banho tomei só um café preto e a Natalie desceu já de banho tomado. – Eu fiz café.

Nat: Eu não quero nada... Vamos?

Eu: Toma pelo menos um café preto Natalie – dei a xícara pra ela. Ela tomou e logo saímos. Chegamos no velório e nossa família inteira já estava lá esperando. Dei a mão pra ela e entramos, o choro foi inevitável. Meia hora depois o carro da funerária chegou com nosso filho. Eu achava que não sentiria dor maior, mas ver meu filho num caixão me arrasou ainda mais. O dia passou lento, não saiamos do lado dele. Natalie também não saia de perto, não falava nada, não comia, o máximo que ela bebia era água ou café, mas não saia de perto, não tirava a mão dele. Todas as pessoas que passavam por ali nos dando os pêsames, ela provavelmente não ouvia nada que diziam, e pra mim, pareciam tudo em câmera lenta e as vezes borrões sem sentido e palavras desconexas. O padre chegou para a missa e após a missa foi o sepultamento. A Natalie desmaiou, ela não tinha mais forças, ninguém mais tinha... Eu não a socorri, só vi o momento em que ela se soltou do meu braço e foi caindo e a mãe dela a segurou. Eu não podia fazer nada, eu não conseguia me mexer, eu não tinha condições. Naquele momento, eu não podia ser médica, eu era mãe, eu estava com dor, eu não tinha forças. O irmão dela a pegou no colo e saiu com ela do cemitério junto com os pais dela. Não sai dali até que a grande pedra de mármore fosse colocada junto com a placa escrito Pedro Smith Pugliese. Soube na porta do cemitério que a Natalie tinha sido levada ao pronto socorro, certamente estava desidratada. Fui pra casa com minha mãe, meu irmão com a esposa, minha avó e meus tios. Minha mãe fez uma sopa pra mim, eu tomei banho, comi, tomei um remédio pra dormir. Só perguntei se tinham notícias da Natalie, eu não tinha mais forças pra nada aquele dia. Eu precisava descansar, nem vi a Natalie chegando. Acordei de manhã com ela dormindo em cima de mim. A ajeitei na cama fiz minha higiene e desci.

Mãe: Oi filha... Descansou?

Eu: Eu apaguei...

Mãe: Senta pra comer...

Eu: Cadê todo mundo?

Mãe: Seus tios e sua avó foram pra Niterói depois que você dormiu, seu irmão foi agora pouco com a Luiza. A Natalie tá dormindo?

Eu: Tá... – tomei café com ela. – Preciso buscar as meninas. – suspirei.

Mãe: Débora e Leandro estão cuidando delas filha. Você e a Natalie precisam descansar, elas estão bem com os avós com os tios. Descansem pelo menos mais um dia.

Eu: Elas já sabem?

Mãe: Sim. A Alisson contou a elas junto com a Débora. A Alice não entendeu direito, ainda é um pouco abstrato pra ela, é muito pequena e a Julia entendeu, chorou bastante. Elas estão tristes, mas estão bem cuidadas. O Leandro tirou a cadeirinha do Pedro do carro deixou escondido em algum canto, pra não devolver o carro pra Natalie com as coisinhas dele.

Eu: Meu filho mãe – solucei e ela me abraçou. – Como vai ser agora sem ele?

Mãe: Eu sei que dói minha filha eu sei...Só o tempo vai amenizar o que tá sentindo agora. Sei que é pedir muito, mas precisa ser forte, pelas meninas.

Eu: Porque deixaram aquele maldito portão aberto mãe? O que foi feito desse homem que atropelou meu filho na calçada? Eu não consigo entender tudo isso. – falei com revolta.

Mãe: Ele prestou depoimento e está na delegacia, ele estava com sinais de embriaguez. E quanto a saída dele, a polícia está vendo nas câmeras dos vizinhos o que aconteceu, se pegou alguma imagem. Está tudo sendo visto com muita perícia e cuidado, para entendermos o que passou o que aconteceu ali. – a semana se passou lenta. A Natalie fazia a mamadeira dele toda manhã até o leite em pó acabar e ela se dar conta que ele não voltaria. Ela não demostrava afeto a nenhuma das meninas nem mesmo a mim. Ela não estava ali. Ela acordava de madrugada gritando, chorando até que resolvi marcar um psiquiatra pra ela. Logo ela deu o depoimento dela mais tranquila do que houve naquele dia. O cara estava solto era réu primário, seria julgado, mas responderia em liberdade. Eu achei aquilo um absurdo e o doutor Palhares, meu advogado estava fazendo o impossível para que ele pagasse pelo que fez. Miguel Henrique Vasconcelos, 29 anos. Nunca vou esquecer esse nome e nem a cara dele. A família e o advogado dele tentavam apelar de todas as formas e conseguíamos derrubar todas as apelações deles até que foi definido, ele iria a júri popular. 

NATIESE EM: A CULPAOnde histórias criam vida. Descubra agora