BÔNUS 2

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Estava sentada num banco do jardim, estava quieto lá e eu podia tirar minha máscara. Meu rosto já estava ferido por causa da mascara, totalmente marcado.

Júlia: Mamãe?

Eu: Oi filha – sorri de leve. Ela sentou na outra ponta do banco. O rosto dela estava tão ferido quanto o meu. Ela estava na linha de frente desde o primeiro dia. – Como está?

Júlia: Exausta. Perdi 12 pacientes hoje.

Eu: Hoje eu fiz tanta ligação para familiares que eu já perdi as contas – suspirei.

Júlia: Isso é loucura não é?

Eu: Sim. É surreal. Estou com saudade dos seus irmãos, da sua mãe, da minha mãe.

Júlia: Eu também estou morrendo de saudade de todo mundo. Saudade de te abraçar – deixou cair uma lágrima.

Eu: Eu sei meu amor eu também estou morrendo de saudade de te abraçar. – chorei.

Júlia: Foda-se – se aproximou e me abraçou.

Eu: Tudo bem filha... Tudo bem – a abracei apertado. Não podíamos fazer isso, mas a saudade era tão grande e a apreensão era ainda pior.
Júlia: A Hanna... Ela... Ela perdeu nosso bebê. – eu senti um choque no meu corpo.

Eu: Filha – a apertei mais em meus braços e a soltei em seguida – Por que não disse que estavam esperando um bebê?

Júlia: A gente ia fazer surpresa. Ela não quer esperar muito tempo não quer esperar o fim da residência então decidimos inseminar.

Eu: E quando aconteceu isso?

Júlia: Ela perdeu ontem. Está em casa. Eu não queria ter vindo hoje, mas ela disse que queria ficar sozinha e era melhor eu vir.

Eu: Oh amor... Eu sinto muito. Quanto tempo ela estava?

Júlia: 9 semanas.

Eu: Eu sinto muito filha, eu sei como é difícil perder um bebê – a abracei novamente. Ficamos ali um tempo, logo ela foi chamada.

Júlia: Eu preciso ir – secou as lágrimas.

Eu: Antes de ir embora me procura e a gente se fala ok?

Júlia: Ok. Eu te amo.

Eu: Eu também te amo muito minha filha. – fiquei sentida por ela e pela Hanna. Voltei para os atendimentos, depois que meu expediente acabou, passei pela descontaminação tomei um banho e estava no que tem sido minha casa a 20 dias. A Julia passou la também depois da descontaminação e chorou bastante. Ela estava quebrada. Fui ate o restaurante ao lado do hospital peguei meu jantar e voltei para a minha sala trancando a porta. Eu jantei e logo liguei pra Natalie. Ver o rosto dela fazia meu coração disparar.

Nat: Oi meu amor... – sorriu de leve.

Eu: Oi amor como você está?

Nat: Bem, mas estou morrendo de saudade de você, da nossa filha.

Eu: Eu sei amor... – suspirei. - Não está sendo fácil, nada fácil e a cada dia piora.

Nat: Eu tenho visto as noticias e é assustador. Seu rosto está tão ferido amor – falou triste.

Eu: Sim amor, está bem ferido mesmo, é da proteção. A Julia ainda tá pior que eu.

Nat: Falei com ela agora pouco. Ela está arrasada por causa do bebê, ela me contou tudo.

Eu: Sim, ela me contou hoje também. Fiquei surpresa e muito triste também. Elas queriam muito.

Nat: Sim. Falei com a Hanna também, ela está muito mal.

Eu: Eu vou falar com ela daqui a pouco. Eu estou com tanta saudade amor.

Nat: Eu também estou amor, as crianças não param de falar que estão com saudade.

Eu: Tem sido difícil aqui... Eu só queria dormir ao lado, abraçar meus filhos, e mesmo com tudo isso ainda estamos bem amor. Estamos vivas e saudáveis.

Nat: Sim. A saudade é grande, mas não podemos reclamar.

Eu: Não podemos mesmo. – conversei com ela por quase 2 horas. Já era tarde, as crianças já dormiam, então não falei com eles. No dia seguinte a Nat me mandou uma mensagem falando para sair na porta do hospital. Eu não estava entendendo nada. Quando cheguei na porta a Júlia veio junto.

Juh: A mamãe me mandou mensagem.

Eu: Pra mim também. – saímos e a Luíza com a Gabi estavam lá fora já. A Gabi estava com a Maria Clara por vídeo chamada, ela queria ver o que estava acontecendo. Ela não estava na linha de frente por causa dos cuidados com as grávidas então não podiam chegar perto de nós. Quando olhei para o outro lado da rua tinham inúmeros familiares de médicos com cartazes dando apoio aos médicos. Estavam cada um nos seus carros e passando devagar pela porta do hospital de mascara para se protegerem. E vi a Natalie parando. As crianças na janela do carro com cartazes.

Mamãe, Júlia, tia Luíza, tia Gabi, amamos vocês. Vocês são guerreiras. Estamos com saudades.

Te amo mamãe...

Te amo Juh...

Natalie saiu no teto solar.

Nat: EU TE AMO, ISSO TUDO VAI PASSAR LOGO E PODEREMOS FICAR JUNTOS NOVAMENTE. – fez um coração com as mãos e eu fiz também.

Eu: EU TE AMO MUITO... EU AMO TODOS VOCÊS...

Nat: TE AMO FILHA VAI FICAR TUDO BEM...

Júlia: TE AMO MAMÃE – ria e chorava.

Alice: ESTAMOS COM SAUDADES DE VOCÊS...

Matheus: SAUDADE MAMÃE, SAUDADE JUH... – O Samuel só acenou, jogou beijo e fez coração com as mãos.

Zoe: AMAMOS VOCÊS... VAI PASSAR... – eles foram embora. A gente chorou muito. Logo passou o carro com a mãe da Luíza e o Gael, e as duas choraram demais. A mãe da Gabi também passou. Era uma homenagem a todos os médicos, enfermeiros, técnicos, pessoal da limpeza e da segurança, do administrativo que não iam para casa, para protegerem suas famílias do vírus. Foi uma forma de matar dois minutinhos a saudade, mesmo que não pudéssemos nos abraçar.

Os abraços foram interrompidos, a convivência foi interrompida, mas o amor, esse jamais será desfeito. Logo voltaremos a nos abraçar... Valorize cada sorriso, cada carinho...


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FIM.

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NATIESE EM: A CULPAOnde histórias criam vida. Descubra agora