Capítulo 70

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PRISCILLA NARRANDO...

Quando cheguei em do trabalho a Natalie me contou da pequena briga que tinha virado rotina em casa entre as meninas e já tinha entendido como essas brigas estavam rolando. O natal logo chegou, a casa estava toda enfeitada, minha mãe, minha avó, meu irmão com a minha cunhada e meus sobrinhos já tinham chegado. Os pais da Natalie logo chegariam, eles estavam hospedados na casa que ainda era dela. Minha mãe estava assando pernil, pães de queijo, minha avó fazendo arroz, saladas, salpicão, minha cunhada ajudando. Os pais da Natalie estavam assando um peru na casa dela, a tia dela tender a avó cuidando das sobremesas. A Helena mãe da Hanna passou mais cedo e deixou algumas bebidas, e duas sobremesas também. Nossa mesa era imensa e tinha comida demais. A casa estava cheia, alegre e eu estava tão feliz que eu tinha medo daquilo acabar ou ser só um sonho. Logo todos haviam chegado, pouco antes da meia noite fizemos uma oração, todos se emocionaram e quando a Alice pediu pra fazer uma oração também foi comoção total...

Alice: Eu posso orar também?

Nat: Claro filha...

Alice: Eu quero agradecer a Deus, pela vida de cada um aqui, e os que não puderam estar aqui também. Quero agradecer a Deus pela minha vida e a vida da minha avó Patrícia, e dizer o quanto sou grata por estarmos aqui hoje depois de tudo que a gente passou a alguns meses. O tempo que eu passei naquele hospital eu vi pessoas indo para casa, pessoas chegando, pessoas melhorando, pessoas piorando e pessoas partindo. Vi famílias se despedindo, vi o olhar dos médicos e enfermeiros de tristeza e dor por não conseguir mais fazer nada por alguém. Vi minha mãe correr de um lado para o outro para salvar pessoas mesmo exausta e ali me fazendo companhia. Vi o altruísmo dela, e a força e respeito a profissão dela de salvar a vida de uma pessoa que quase matou a mim e a minha avó enquanto nós duas estávamos numa cirurgia. Eu aprendi a dar valor nas pequenas coisas, e eu achava que já dava valor nas pequenas, mas não... Então obrigada Senhor, por me dar a vida, e me dar a chance de continuar a viver, obrigada pela vida de cada pessoa aqui hoje, e cada pessoa que está num leito lutando para viver que elas possam receber Seu sopro de vida de alento e obrigada pela vida de cada profissional, desde o porteiro até o médico que estão nos hospitais cuidando das pessoas nesse momento... Amém...

Todos: Amém...

Pri: Que Deus nos dê muita saúde e nos permita viver mais e mais momentos como esse, e que sejamos gratos todos os dias por tudo que temos, e até mesmo pelas nossas dificuldades, por que são nossas dificuldades que nos fazem melhores, que nos edificam que nos dão forças todos os dias... Amém.

Todos: Amém... – deu meia noite nos abraçamos e fomos comer. Depois fizemos um amigo oculto que foi extremamente divertido, porque eu tirei a Natalie a Natalie me tirou, a Alice tirou a Júlia e a Júlia tirou a Alice, a Hanna tirou a irmã dela e a irmã dela tirou ela, meu irmão e minha cunhada foi a mesma coisa. Fomos dormir era bem tarde, eu estava exausta, e a Natalie já estava dormindo. Acordei era umas oito e pouco com a Natalie me chamando para abrir presentes com as meninas. Tomamos café da manhã todos juntos e fomos trocar presentes. Passamos um natal incrível o melhor dos últimos anos. No réveillon eu tive que trabalhar já que eu dei prioridade ao natal, então eu trabalhei. Quando deu meia noite eu estava no bloco cirúrgico.

Eu: Pessoal... Faltam 5...4...3...2...1 Feliz ano novo...

Todos: Feliz ano novo chefe...

Eu: Feliz ano novo pessoal que Deus abençoe a vida de cada um de vocês, que seja um ano muito próspero e de muita saúde para todos... – 3 horas depois acabei a cirurgia. Era um transplante de coração, eu estava ali a 8 horas. Meu celular tocou quando o peguei, era a Natalie eu resolvi não atender. Ela podia esperar mais alguns minutos, e a família da minha pequena paciente estava esperando a 8 horas. Ana Laura tinha 5 anos e era um doce de criança e esperava por um coração a 2 anos e naquela noite ela conseguiu um. A criança que doou, teve morte cerebral num hospital público, bala perdida na favela, era um menino da idade da Ana Laura e a família quis doar os órgãos prontamente. Aquilo mexeu tanto comigo. Infelizmente uma família chorava por uma barbárie de alguém que nem sabiam quem, e outras 5 famílias celebravam o renascimento de seus filhos. Os pais da Ana Laura, Gilberto e Leonor, duas pessoas sensacionais que nunca esmoreceram diante das dificuldades. Os dois estavam ali sozinhos a família viajou, levou a outra filha com eles, e como a Ana não podia ir, eles ficaram. Ela já estava no hospital a 4 meses. Subi na minha sala bem rápido peguei uma garrafa de champanhe que estava gelando peguei as taças e fui falar com eles numa sala de espera reservada. Cheguei com as mãos para trás e tentando não esboçar nenhuma emoção. Eles levantaram imediatamente.

Leonor: E ai?
Gilberto: Deu certo?
– eu esperei alguns segundos sorri de leve e mostrei as taças e a garrafa de champanhe...

Eu: Temos um belo transplante e um réveillon para comemorar – os dois me abraçaram.

Leonor: Obrigada... Muito obrigada...

Gilberto: Deus te abençoe doutora Pugliese.

Eu: Amém... Abre pra mim Gilberto enquanto eu explico.

Gilberto: Com prazer.

Eu: O transplante foi um sucesso, ela não descompensou nenhuma vez o que é super normal acontecer num transplante, ela está ótima, está na UTI vai ficar em coma induzido por 48 horas. Ela está excelente. – ele abriu – Feliz ano novo e feliz vida nova.

Gilberto: Feliz vida nova...

Leonor: Feliz vida nova – brindamos. Expliquei muitas coisas pra eles inclusive que nesses dois dias eles não poderiam ficar na UTI com ela, então era para aproveitarem para descansar. Eu os deixei vê-la uns minutinhos, darem um beijinho nela e foram embora. Eu subi pra minha sala e liguei pra Natalie.

Nat: Oi amor feliz ano novo...

Eu: Feliz ano novo amor... Estava no meio de um transplante quando deu meia noite. Uma criança de 5 anos.

Nat: Que presente os pais receberam né? - falou triste.

Eu:Sim. Infelizmente outra criança perdeu a vida, bala perdida. – contei a ela. Falei com as minhas filhas commeus sogros e cunhados. Eu não bebi mais, só beberiquei o champanhe do brindeafinal eu estava de plantão até o meio dia do dia 1. Eu olhei os dados domenino, procurei saber onde seria o velório aquilo mexeu muito comigo. De manhãeu pedi para enviarem uma coroa de flores com os dizeres "Descanse em Deus – Doutora Priscilla Pugliese, Hospital Barra Dor".Quando sai do plantão resolvi ir até lá. Era bem longe, eu estava cansada, maseu precisava dar um abraço naquela mãe. 

NATIESE EM: A CULPAOnde histórias criam vida. Descubra agora