Capítulo 100

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MARIA CLARA NARRANDO...

Transtorno de estresse pós traumático, era disso que a Priscilla estava tratando comigo. Eu morava nos EUA e quando comecei a estudar medicina o meu primeiro curso foi psicologia. A faculdade nos EUA é totalmente diferente do Brasil. E enquanto eu estudava ginecologia e obstetrícia, o atendimento psicológico que pagavam as contas e eu trabalhava no hospital do exercito americano com ex combatentes e familiares. Eu era jovem e ainda sou, mas era muito dedicada e gostavam do meu trabalho. Ela não queria que mais ninguém no hospital soubesse do que ela estava passando. As únicas pessoas que sabiam disso eram eu, o doutor Hernandez que em caso de um surto ele assumiria o controle de tudo e ele foi extremamente compreensivo com ela e até chorou, porque ele sabia que ela era muito nova, a chefia pra ela era novidade também e ela fez o impossível ali com a maior bravura possível e a outra pessoa que sabia de tudo era a Gabriela, porque ela prescreveu a medicação para ela e precisávamos de uma testemunha de tudo que ela estava sentindo e tudo que ela passou. A Natalie vinha desconfiando dela e sabíamos disso e ela se recusava a contar o que estava acontecendo por mais que eu falasse pra ela que era o melhor a se fazer. No chá de bebê acabou acontecendo tudo que eu previa. A Natalie veria e entenderia mais errado ainda e pra piorar tudo a Priscilla pegou o carro e saiu.

Eu: Feliz? – olhei pra Natalie. Não dava mais pra manter aquela situação.

Nat: Como você tem a audácia de falar assim e dentro da minha casa? – me encarou.

Eu: O que você pensa que viu? – cruzei os braços.

Juh: Mama, o que a mamãe tem? Por que ela saiu daqui correndo daquele jeito de carro? O que está acontecendo aqui?

Nat: Sai daqui Júlia, depois a gente conversa.

Juh: Não, eu quero saber o que está acontecendo. – ela fuzilou a garota.

Nat: NÃO... SAI DAQUI E DEPOIS A GENTE CONVERSA – gritou a assustando e ela saiu. Enquanto ela dava o show dela com a menina eu mandei uma mensagem pra Gabriela que estava no jardim.

Vem para o escritório da Priscilla, rápido.

Eu: A Gabriela está vindo pra cá. Quero que ela esteja presente nessa conversa que é mais que necessária a muito tempo. – suspirei e me sentei.

Nat: Ah, todo mundo sabia menos eu?

Eu: Diante das suas conclusões erradas, a Gabriela e o doutor Hernandez são os únicos que sabem. – ela levou a mão na barriga.

Nat: Eu não estou acreditando nisso. – se sentou na cadeira da Priscilla. A Gabi veio e fechou a porta.

Gabi: O que houve?

Eu: A Natalie tirando conclusões erradas como sempre. A Priscilla saiu daqui chorando e passou da hora da Natalie saber o que está acontecendo e acabar com essa palhaçada, porque sinceramente, eu nunca perco a paciência, mas agora eu cheguei no limite.

Gabi: Calma Maria Clara.

Nat: Espera... O que está acontecendo?

Eu: TEPT. É isso que está acontecendo. Transtorno de estresse pós traumático. É um distúrbio caracterizado pela dificuldade em se recuperar depois de vivenciar ou testemunhar um acontecimento assustador. A primeira crise que a Priscilla teve, foi no enterro do Rodrigo, mas ela encarrou como uma crise de ansiedade, porque de fato se assemelha muito com uma crise de ansiedade. Depois disso, ela teve crises de choros, e vinha tendo flashs do que houve por todo o hospital seguido de tonturas e tremores.

Gabi: E tudo ficou mais sério um dia antes do bebê da Luíza e do Rodrigo nascer. Um residente bateu numa bandeja de instrumentos na sala de cirurgia e fez um barulho muito alto e ela gritou. A principio achávamos que fosse só um susto, mas ela paralisou com a mão dentro da barriga de um paciente. Eu assumi a cirurgia e ela foi tirada da sala. – era informação demais, eu estava muito assustada.

Eu: Eu estava assistindo a cirurgia da galeria, não estava fazendo nada e resolvi assistir então eu vi tudo e desci pra falar com ela. As mãos dela travaram Natalie, ela não conseguia mexer os dedos. Aos poucos ela foi saindo daquele estado de choque e o choro tomou conta. Ela estava com as pupilas dilatadas, os olhos vidrados, como se ela estivesse sob efeito de alguma droga, mas ela estava em total estado de choque.

Gabi: A Priscilla foi muito forte o tempo todo em que fomos reféns. Nós vimos uma enfermeira levar um tiro na cabeça na nossa frente. Nós vimos o Rodrigo levar um tiro no peito na nossa frente. Ela levou uma coronhada no rosto, e ela tentou salvar o hospital inteiro. Ela foi mais forte do que qualquer pessoa seria ali dentro. Eu só não tive mais medo, porque ela me passou segurança, porque eu tenho certeza que eu teria surtado se estivesse sozinha e aquele bandido teria me matado como fez com a enfermeira. Eu faço terapia duas vezes na semana ainda, eu tomo remédios e a Priscilla toma também. Eu prescrevi a ela, com orientação de um psiquiatra.

Nat: E onde você entra nisso Maria Clara? As conversas com você, as ligações, os horários marcados, o papo de traição na sala dela quando o Gael nasceu que eu ouvi vocês conversando e ela chorando. – eu ri de nervoso.

Eu: Ah entendi... Então era isso... Os horários marcados, eram comigo sim, eu sou psicóloga também, eu era psicóloga de ex combatentes e familiares nos Estados Unidos quando eu me especializada em ginecologia e obstetrícia. Era isso que pagava boa parte das minhas contas. Eu tenho um conhecimento impar em TEPT, por ter trabalhando com fuzileiros após confrontos em guerras. A Priscilla não é uma médica qualquer como eu, ou a Gabriela ou a Luíza naquele hospital. Ela é a chefe de cirurgia, ela manda naquela merda toda Natalie, já pensou se o hospital inteiro descobre que a chefe deles está com problemas psicológicos o inferno que aquilo viraria? E o choro no escritório dela que você ouviu sobre traição, foi uma terapia de confronto que fizemos. Quando confrontamos com aquilo que nos machuca pela primeira vez, é assustador demais e o nosso corpo reage de formas inimagináveis. Sabe como o corpo dela reagiu? Vomitando. Ela vomitou, ela chorou. Ela confrontou o sentimento dela, ela se sentiu fraca, sentiu que traiu a si mesma por se permitir sentir dor por tudo que aconteceu. Era disso que estávamos falando. Ela recusou muito a terapia inicialmente. Por isso eu insistia muito porque ela sempre dava uma desculpa. Ela está arredia, ela está mais distante e mais agressiva, é por causa disso tudo. Ela tem flashs diários do que houve aquele dia. Nós não temos um caso Natalie. A Priscilla e eu nos envolvemos sim a 5 anos atrás e foi incrível o que tivemos e hoje eu a respeito muito. Eu falo besteiras pra ela como eu falo com todo mundo, eu brinco com ela, mas eu nunca te desrespeitei, eu nunca me meti no seu casamento. Quando eu disse que eu não oferecia risco ao seu casamento eu falei a verdade. Eu posso não ser uma pessoa de se apaixonar e me apegar a relacionamentos, mas eu não sou destruidora de lares. Eu tenho um respeito muito grande pela Priscilla como pessoa, como amiga, como minha chefe e como colega de trabalho e agora como paciente. Ela confiou a mim, tudo isso e eu estou quebrando um sigilo pra te fazer enxergar sua esposa com outros olhos. Ela saiu aqui de carro no meio de uma crise e ela pode ter enfiado esse carro num poste nesse momento. A verdade é bem essa.

Nat: Por que ela nunca me disse nada? Eu não entendo. Inúmeras vezes eu dormi no quarto de hospedes e ela sequer se importou com isso.

Eu: Por que você está grávida, por que você não quis ouvir, você não deu tempo pra ela e nem espaço suficientes pra que ela se sentisse segura em te contar. E as vezes que você dormiu no quarto de hospedes e ela não se importou, é porque ela não confiou nela mesma desde a madrugada que ela sonhou com o que aconteceu no hospital e nisso viu o Alexandre, o homem que causou tudo aquilo deitado ali no seu lugar na cama e ela pegou no pescoço dele. Quando ela saiu do transe dela, ela estava apertando o seu travesseiro obsessivamente. Ela deu graças a Deus que não foi o seu pescoço, porque ela estava fora de si. E você não conseguiria acordá-la daquilo a tempo de se salvar. – ela estava muito assustada.

NATIESE EM: A CULPAOnde histórias criam vida. Descubra agora