Capítulo 110

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A Natalie logo chegou.

Nat: Oi... – me deu um selinho.

Eu: Oi...

Nat: Como foi sua tarde com a Zozo?

Eu: Ta dormindo tem umas 2 horas e meia. Ela caiu do braço do sofá de boca no chão cortou, mas já levei no doutor Fábio ela levou um pontinho e está tudo bem.

Nat: O que? Como Priscilla? – me olhou assustada.

Eu: Eu estava no computador e ela no sofá, eu não sei o que ela fez eu só escutei o barulho e o choro e a peguei no chão com a boca sangrando. Foi só um pontinho, ela ficou boazinha lá, não chorou e está super bem. Almoçou e dormiu.

Nat: Por que não me ligou? Eu teria vindo pra casa.

Eu: Eu sou mãe dela também. Eu perdi um bebê, não ia matar nossa filha também – falei entrando no quarto.

Nat: Eu não quis dizer isso Priscilla.

Eu: Fala baixo senão vai acordá-la. – foi a conta de falar e ela acordou chorando.

Nat: Oi filha a mamãe chegou – subiu na cama. Eu sai do quarto e desci para o meu escritório. Enchi um copo de uísque e quando fui leva-lo na boca me lembrei que eu ainda estava grávida. Deixei o copo ali e sai. Fui me sentar no jardim. Aquela semana se passou lenta para mim. O dia que voltei a trabalhar, a Maria Clara me examinou e estava tudo bem comigo e os bebês, mas ainda ficaria longe das cirurgias por uma semana ainda. Cuidei da burocracia, fiz alguns atendimentos. Não tocava no assunto dos bebês de maneira nenhuma e nem do que aconteceu. Depois de alguns dias a Maria Clara bateu na minha sala.

Maria Clara: Posso?
Eu: Oi, pode
– entrou, fechou a porta e sentou. – O que houve?

Maria Clara: Temos 1 hora.

Eu: Pra quê? – não tinha entendido.

Maria Clara: Terapia.

Eu: Já acabamos com as terapias a uns 5 meses né – ri.

Maria Clara: Mas você não fala do aborto Priscilla, precisamos conversar.

Eu: Não... Não precisamos. Você já me examinou esses dias, eu estou bem, as crianças estão bem, não precisamos conversar. E eu não quero falar sobre isso.

Maria Clara: Priscilla, você precisa falar sobre isso. Você foi agressiva a semana toda, fria e você não é assim quando não está nervosa. Se você não verbalizar o que está sentindo, você vai explodir em cima de que não merece Priscilla, você sabe disso – eu respirei fundo e soltei o ar, eu sabia que ela não desistiria.

Eu: Culpa... Eu me sinto culpada por tudo isso ter acontecido.

Maria Clara: E porque tem esse sentimento? É racional?

Eu: Por que eu os rejeitei quando descobri que seriam três – a voz embargou – E agora um já foi e pode acontecer com os outros também, porque eu não os mereço tê-los. Eu não mereço ser mãe deles. Como o meu bebê se sentiu quando eu disse que não podia ter três bebês ao mesmo tempo? A sensação que eu tenho é que eu o mandei embora de dentro de mim, que eu o rejeitei e ele foi embora. – solucei.

Maria Clara: Priscilla, a probalilidade de um aborto espontâneo no primeiro trimestre de uma gestação múltipla por inseminação artificial, são muito maiores que uma gestação tradicional múltipla. Você tem 35 anos, e a filha que você gerou, hoje tem 15 anos. Então isso tudo contribui para ser ainda mais arriscado que o aborto espontâneo aconteça. Seus bebês não se sentiram rejeitados. Você não os rejeitou, você estava assustada e muito assustada, é natural. Tem pessoas que se assustam em ter um, imagina três de uma só vez?! O bebê tinha má formação, não foi detectado em ultrassonografia, porque ainda é muito cedo para isso, mas era uma má formação cardíaca. Se ele não falecesse agora, seria daqui alguns meses o que teria sido muito pior e grave para os outros dois bebês e até mesmo para você, ou ele poderia morrer no parto, ou passar meses sofrendo até morrer, ou precisar de um transplante e você sabe o quão raro é conseguir um coração para um bebê recém nascido. Você não o rejeitou, isso não foi culpa sua.

Eu: Eu não consigo olhar pra Natalie sem sentir essa culpa absurda e pensar que a qualquer momento ela vai me jogar isso na cara. Que a culpa foi minha.

Maria Clara: Não. Ela não vai fazer isso com você jamais. Ela estava ciente que isso poderia acontecer e ela quer ajudar você a passar por isso. É difícil, é doloroso Priscilla. Você é mãe dessas crianças, você já era mãe daquele bebê. A dor é a mesma de perder um filho com quem já conviveu. Mãe é mãe. A Natalie não te culpa de nada, ela está preocupada com você, com seu silêncio com a sua aspereza. Não fica com esse sentimento, porque ela não culpa você, ela está preocupada. Um aborto é muito difícil Priscilla, e ainda mais quando ainda se está grávida. O medo e a insegurança parecem aumentar 50 vezes mais. Sei que está com medo que está insegura, e que falar sobre isso dói, mas você não está sozinha nessa, e você não precisa ser uma rocha. Está tudo bem não ficar bem o tempo todo, você está frágil ainda. Sinta sua fragilidade, sinta o carinho da sua família. – conversamos longamente. Foi bom ela ter insistido, eu precisava verbalizar isso. Logo bateram na porta de novo.

Eu: Entra...

Luíza: Com licença dinda, pode ficar comigo um pouquinho enquanto minha mãe faz uma consulta rapidinho? – entrou com o Gael. Meu Deus ele estava cada dia mais lindo.

Eu: Oi príncipe da dinda – o peguei – Ai que cheiroso. – o beijei e ele riu.

Luíza: Só vou fazer uma consulta rapidinho. Eu o trouxe na pediatra então dei folga pra Poliana hoje e eu estou de folga também.

Eu: Pode ir. – o Gael era meu afilhado e ele era a criança mais encantadora do mundo. Super tranquilo, bonzinho, não dava trabalho nenhum. Fiquei com ele meia hora, logo a Luíza o pegou e foram embora. Fui embora era quase 21 horas. Cheguei exausta em casa. As meninas estavam cada uma e seus quartos, a Natalie estava provavelmente amamentando a Zoe. Eu tomei um bom banho coloquei um pijama e desci. Esquentei um pedaço da parmegiana que a Nat fez para o jantar e o arroz também. Sentei para comer e logo ela veio.

Nat: Oi amor – segurou meu rosto e me deu um beijo.

Eu: Oi amor, como foi seu dia?

Nat: Cansativo. Se eu ganhasse 1 real cada vez que eu gritasse a Zoe, eu não ia precisar trabalhar nunca mais – rimos.

Eu: Imaginei. Ela acordou super cedo e super elétrica.

Nat: Nossa, hoje ela subiu em tudo. A peguei em cima da mesa da cozinha. Ela entrou tão quietinha que nem a Inácia escutou. Coitada, levou um susto quando eu gritei.

Eu: Imagino – falei do meu dia com ela lavei meu prato subi escovei os dentes e me deitei. – Estou exausta.

Nat: Quer uma massagem nos pés?

Eu: Por favor, necessito e olha que hoje eu só fiquei no escritório e atendi poucas pessoas. – ela fazia massagem nos meus pés.

Nat: E como está se sentindo? – eu sabia do que ela estava falando.

Eu: Bem. Conversei hoje com a Maria Clara numa terapia obrigatória que ela me fez fazer – rimos – Mas foi bom.

Nat: Está se sentindo culpada não está?

Eu: É... Estou – contei a ela o que eu disse a Maria Clara.

Nat: Amor nada disso é culpa sua e você não decretou uma ordem de despejo pra ninguém. Sabíamos que isso poderia acontecer.

Eu: Eu sei, mas é difícil pensar assim.

Nat: Te entendo. Mas você tem a mim, tem as meninas para se apoiar, não precisa sentir nada disso sozinha.

Eu: É difícil pra mim. Não é por mal, eu só tento não sentir tudo isso, porque é horroroso o sentimento – a voz embargou.

Nat: Eu sei que é. Mas eu sou sua mãe, sou mãe desses bebês também. Sei que não é fácil, mas vai dar tudo certo, e não está sozinha nisso – me beijou calmamente. Ficamos trocando carinho, conversando, desabafei muito com ela. 

NATIESE EM: A CULPAOnde histórias criam vida. Descubra agora