As pessoas sempre perguntam por que corro tanto. Todo santo dia. Até debaixo de chuva. "Luiz, você vai acabar se matando assim", dizem. Mas a verdade é que eu corro para não morrer. Correr me mantém vivo.
Quer saber o segredo? Estou fugindo dos meus fantasmas.
Não são fantasmas figurativos, entende? São reais. Você pode não acreditar, mas eu sei o que ouço. Vozes sussurrando bem no meu ouvido enquanto corro. "Lerdo, Luiz." "Devagar, Luiz." "Nunca vai escapar, Luiz." Então eu corro. Corro porque é necessário. Porque sei que quando vierem me buscar, precisarão correr muito mais rápido do que eu.
Mas nem sempre foi assim. Eu não nasci rápido. Na verdade, eu era devagar como uma lesma. Não só para correr, mas para entender as coisas.
Minha esposa, Marta, dizia isso o tempo todo.
— Luiz, você é tão lerdo que dói. Acho que vou precisar escrever uma lista para cada respiração que você dá.
Ela dizia isso com aquele tom entre brincadeira e veneno que só as mulheres sabem usar. Mas era verdade. Marta estava sempre quilômetros à minha frente em tudo.
Nos negócios, na vida, até mesmo na idade. Ela tinha 38 anos, eu 32. Parecia uma diferença pequena no começo, mas só crescia. Marta era o motor da nossa vida. Trabalhava como gerente de uma pequena mercearia que tínhamos. A "Mercearia Dois Irmãos", embora só tivéssemos nós dois. Eu ajudava no que podia, mas meu trabalho principal era como trocador de ônibus. Não muito glamouroso, eu sei, mas sempre paguei as contas.
Marta? Ela era como uma locomotiva. Resolvia tudo. Era esperta, rápida, uma força da natureza. Mas tem uma coisa sobre locomotivas: se vão rápido demais, um dia descarrilam. E quando Marta descarrilou, eu finalmente consegui alcançá-la.
Foi num domingo. Nunca abria a mercearia aos domingos, então estranhei quando percebi que havia deixado meu cartão de ponto lá no sábado à noite. Era o único dia em que eu precisava trabalhar na empresa de ônibus. Aquela semana estava movimentada, e eu não podia me dar ao luxo de faltar. Voltei correndo para casa, pensando no cartão. Desci para a mercearia, revirei o balcão e finalmente o encontrei, caído no chão embaixo da gaveta de troco. E foi aí que ouvi.
Gemidos. Vindos de cima.
Meu coração disparou. Pensei que Marta estava em perigo, talvez algum ladrão. Subi as escadas de dois em dois degraus, me equilibrando mal. Abri a porta do quarto... e parei no meio do caminho.
Não era um ladrão. Eram dois. Dois homens nus. Em cima da minha cama. Com a minha mulher.
Eles pararam o que estavam fazendo para olhar para mim, como se eu fosse a aberração ali. E Marta? Ela apenas riu.
— Meu Deus, Luiz. Como você é lerdo. Onze anos, e você só descobriu agora?
Ela não parava. Dizia que eu era inútil, um lixo, um homem de meia-vida. Fiquei tão furioso que não vi mais nada. Pulei em cima dos caras. E eu os quebrei. Isso mesmo. Quebrei os dois na pancada. Não me pergunte como. Não sei explicar. Talvez seja o bônus da raiva de corno.
Quando terminei, eles estavam estendidos no chão. Mortos. Marta? Ela só riu mais alto.
— Não acredito que você matou esses dois idiotas. E não me encostou um dedo? Porque você é lerdo, né, Luiz? Sempre foi. E sempre será.
— Cala a boca! — Eu disse, ou gritei. Mas ela continuou.
Os dois homens mortos no chão me encaravam com os olhos abertos, vidrados, mas ela não parava. Quando não aguentei mais, fiz o que tinha que fazer. Ela continuou rindo até o momento em que a empurrei pela janela.
Eu esperava que fosse o fim. Mas Marta era mais forte do que eu imaginava. Quando desci ao quintal para ver o que tinha sobrado dela, lá estava ela. Torcida como um galho seco, mas viva. E ainda me chamando de lerdo.
— Até para matar você é devagar, Luiz.
Eu ri. Ri de verdade. Não porque fosse engraçado, mas porque era insuportável. Peguei a cordinha do meu cartão de ponto e terminei o serviço. Ela lutou, claro, mas não era mais rápida do que eu. Não naquele momento.
Depois disso, veio a parte prática. Não sou bom com ferramentas, mas sei cavar. Passei o dia inteiro no quintal, suando até os ossos. Enterrei os dois homens primeiro, depois Marta. Fui meticuloso. Não sobraria nada.
E então? Então voltei para a minha vida. Liguei para o trabalho na segunda-feira, dizendo que estava doente. Peguei um atestado. Fiz questão de continuar com as aparências. Porque a vida é assim. Uma corrida. E eu aprendi: nunca pare de correr.
Hoje corro todos os dias. Comecei devagar, mas agora sou rápido. Calço meus tênis, coloco um calção e corro. Pelas ruas, pelos parques, até pelo cemitério. Sempre ouço as vozes. Elas nunca param.
Mas elas não me alcançam.
Ainda não.

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SOMBRAS DA NOITE
HororEste livro de contos curtos de terror apresenta uma coleção de histórias arrepiantes e sobrenaturais. Em um dos contos, um menino descobre segredos obscuros sobre sua família ao se aventurar pelo porão proibido da casa de sua avó, onde encontra uma...