COBRADOR

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Nunca gostei de pedir nada a ninguém. Muito menos dinheiro. Mas quando você tem três crianças pequenas para criar sozinha, nome sujo no Serasa, e, devendo até os cabelos da perereca, é necessárias medidas drásticas. O pai das minhas crianças desapareceu no mundo, não deixando um centavo sequer. Meus parentes me julgam e acham que o que estou passando é castigo divino por ter me envolvido com gente que não presta. Eles que se danem, não sabem de nada. Deus não castiga quem é pobre. Não sou beata, mas tenho Fé.

Só que eu estava comendo o pão que o diabo amaçou. Apesar disso, eu nunca desanimava. Eu queria uma vida digna para meus filhos. Então não tinha outra solução a não ser arregaçar as mangas e ir à luta. Sou honesta, guerreira, mulher de verdade. Mas o trabalho como doméstica rendia bem menos que eu esperava e não dava para pagar o cartão de crédito, muito menos as compras do supermercado.

O Ministro da Economia fica falando no Jornal Nacional que tudo isso é culpa da inflação. Mas eu tenho outra opinião sobre isso tudo. Ricos ficando cada vez mais ricos, e o resto você já sabe, não é?

Em fim. Estava com a corda no pescoço. Fiquei sabendo de um sujeito que emprestava dinheiro, sem consultar crédito. Um Agiota. Todos o conheciam como "Cobrador". Ele tinha escritório e tudo o mais. Ele disse:

– Precisa de quanto, princesa?

Princesa o caralho, pensei, mas não podia ficar de frescuras diante do Cobrador. Fingi gostar do elogio. Ele era um alemão com olhos azuis fulminantes.

– 5 mil.

– Muito bem.

Ele puxou uma gaveta e de lá tirou um bolo de notas de 50. Contou na minha frente. Depois me obrigou a contar também.

– Não precisa, moço – eu disse. – Confio.

Ele deu de ombros e levantou–se. Foi até uma bancada de lousa e serviu–se de um copo de uísque. Ofereceu–me. Mas rejeitei. Não bebo. Cobrador bebeu o liquido vermelho de uma só vez e nem fez careta. Começou a me explicar, num tom dominador as regras daquele negócio.

– Sabe que eu só empresto dinheiro para mulheres, né?

– Sei sim.

– Isso tem um motivo.

Eu já sabia disso e principalmente do que acontecia com as inadimplentes. Era inacreditável. Falou das altas taxas que eu teria que pagar e do que me aconteceria se eu não conseguisse pagar. Achei absurdo algumas coisas, mas acabei concordando pois precisava muito daquele dinheiro. E eu jamais deixaria de pagá-lo.

Quitei minhas dividas e me livrei do julgo pesado dos juros bancários. Limpei meu nome e agora precisava pagar o Cobrador. No dia combinado ele bateu em minha porta para me cobrar. Acontece que eu havia me esquecido e tinha comprado um celular novo para minha filha mais velha. Não tinha o dinheiro na hora.

– Semana que vem sem falta – falei.

Cobrador não hesitou. Sacou uma pistola e apontou na minha cara.

– Sabe muito bem que não é assim que funciona.

– Mas isso não é justo.

– A vida não é justa, princesa. Dívida é dívida.

Eu já estava tremendo. Pelo menos minhas filhas não estavam em casa para ver aquela cena.

– Você só pode estar brincando.

– Não estou. – Ele apertou o cano da arma na minha testa. – Ou vem comigo ou suas filhas vão ficar sem sua mãe a partir de hoje.

Não tinha escolha. Pelo menos ele me deixou fazer uma ligação. Liguei para uma colega e pedi para cuidar das minhas filhas por uma semana. Passei uma semana na casa do Cobrador. Em cárcere privado. Eu fazia todas as suas vontades, como uma escrava. Ele me humilhava, me xingava, e ainda por cima me fodia todos os dias. Infelizmente eu não podia fazer nada. Eram os termos. Depois de uma semana naquele inferno, eu fui libertada.

Alguns dias depois, outra colega veio até mim desesperada.

– Amiga me ajuda.

– O que foi?

– Estou devendo até as calcinhas.

Eu suspirei.

– Sabe de alguém que pode me ajudar?

– Sei sim – disse mal contendo uma gargalhada nervosa.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora