A ÚLTIMA NOTA

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Leo Barros estava dedilhando seu violão, buscando a última nota que faltava para terminar um fraseado do refrão de sua mais nova canção quando Mirela apareceu. Ela veio por trás dele e lhe deu um abraço e toda a ideia na qual vinha trabalhando alguns minutos atrás evaporou-se. Mas Leo não a culpou por isso. Então ela deu-lhe um beijo em sua nuca, como sempre fazia e voltou para a cozinha cantarolando uma canção, provavelmente dele mesmo. Algum sucesso de Leo Barros, dos tempos em que ele era famoso. Estava terminando de fazer o café e estava muito alegre. Mirela estava sempre alegre. Com ela nunca havia tempo ruim. E continuava linda, desde a época do colegial. Foi há tanto tempo atrás. Foi o seu primeiro grande amor. Teria vários outros depois, mas Mirela era muito especial. Ele prometera amor eterno e ela acreditara. Mas quando ele ficou moço, deixou a cidadezinha pequena para ganhar o mundão pois tinha um dom gigante para a música. Leo estava destinado às multidões e ao sucesso. Ela era apenas uma garota do interior. Mas ele havia dado a ela seu coração. Foi-se embora. Mas assim como as ondas sempre voltam para a praia, Leo também retornara. Mas seu regresso não fora o que ele planejava. Será que era o destino pregando mais uma peça? Ele não sabia.

Pegou seu violão mais uma vez e inspirou. Olhou para o horizonte, para o balançar das ondas do mar, dedilhando as cordas de seu Takamine de onde parara. As notas deslizavam pelos seus dedos, como as ondas salgadas daquele mar, azul e profundo. Como era gostoso fazer música. Ele imprimia sua alma em cada Sol, Lá menor, Si e tantas notas que iam surgindo. Ele só sentia as notas passando, seus dedos navegando por elas, suave e mansamente. Havia muito que ele não compunha, mas aquela melodia vinha martelando em sua cabeça a meses, quase gritando para ele compor. Mas como sempre, ele adiava em escreve-la. Na verdade, não se achava mais bom naquilo. Ou pior, não se achava mais digno para fazer aquilo. Porém, Leo tinha o dom para música. Mas ele tinha jurado não mais tocar, ou cantar. Do mesmo modo que havia prometido não mais entregar seu coração machucado para ninguém, não é mesmo?

Leo Barros ganhara o mundo e tinha todas as mulheres aos seus pés. Ele podia escolher qualquer uma. Tinha dinheiro, fama. Tudo. Teve várias mulheres. Casou-se três vezes. Mas com a mesma velocidade com que se casava, divorciava-se também. Isso era ruim para sua imagem e para sua conta bancária. Endividou-se, caiu nas bebidas, e depois nas drogas. Surgiu como um meteoro e desapareceu dos holofotes com a mesma rapidez. Ele passou a ser conhecido mais pelos seus vexames do que exatamente pelo seu trabalho artístico. Leo passara a ser alvo de piadas. Quase sempre estava bêbado ou drogado. Mas estava lá no palco para canta e tocar. Nisso ele era bom, mas os bastidores acabaram com sua carreira gloriosa. E seu último casamento fora um desastre total. Sua última mulher, arrancou-lhe tudo o que podia e Leo de repente viu-se no fundo do poço. Desistira de tudo. De cantar e principalmente de amar. Seu coração estava negro e fechado. Então retornou para sua pequena e modesta cidade natal. Não sabia mais o que fazer da vida. Na verdade, a única coisa que fazia direito era cantar. Sem a música, Leo Barros não era ninguém.

Precisava de dinheiro para se manter. Um primo lhe arrumou um emprego numa construção civil. O serviço era pesado, mas Leo nunca fora fresco. Tinha porte físico, o que sempre chamava a atenção da mulherada em seus shows. E ele nunca correra do trabalho pesado. Mas não era tão bom naquilo quanto era cantando nos palcos. Ele sentia falta dos shows mas a música lhe trouxera tantas alegrias quanto decepções ao mesmo tempo. Talvez ele merecesse terminar daquele jeito. E todo o dia ele bebia para afogar todas as suas mazelas. Mirela trabalhava numa padaria nas proximidades da obra onde Leo estava empregado. Na verdade, ela sempre trabalhara ali, desde o colegial, ajudando seu pai. Agora ela própria gerenciava aquela padaria. Foi uma questão de tempo até se esbarrarem. Quando aconteceu, todas as boas lembranças vieram à tona e marcaram de sair juntos para tomar uma gelada. Mirela estava mais bonita que antes, e não era mais aquela garota reserva de antes. Amadurecera, casara-se e teve um filho. Mas estava solteira, pois assim como Leo, não tivera sorte no casamento. Conversavam sobre muitas coisas, principalmente da época em que eram apaixonados. Havia muitas lembranças e momentos. A cada dia desenterravam uma memória esquecida. Mesmo assim estavam resignados para amar. Não dava para se entregar tão facilmente depois de tantas desilusões amorosas, não é mesmo? Chega uma hora que o coração endurece e não dá mais espaço para os sentimentos.

No início era apenas sexo e estava muito bom para eles. Porém, um amor do passado sempre volta, mesmo quando está bem escondido dentro do coração. Então ele desabrocha lentamente e explode como uma bomba atômica e aí, minha amiga, não é possível mais controlar. Quando menos esperaram estavam apaixonados novamente. Marcaram o casório e logo estavam de anéis dourados nos dedos. Suas vidas tinham tudo para seguir em frente agora. E Leo até abandonou as bebidas. Mirela odiava suas bebedeiras, então ele teve que largar. Leo redescobriu o amor em Mirela, talvez porque nunca amara ninguém de verdade com amara aquela mulher desde o colegial. Agora estava entregue a ela. Quando suas vidas começaram a entrar no eixo, Leo voltou a cantar. No início era apenas roda de viola entre os familiares. Depois ele retomou sua antiga paixão também, que era a música. Mirela o incentivou bastante pois sempre fora fã daquele homem, mesmo quando ele estava a quilômetros de distância. Ela sempre o amara também. Agora era diferente. Era um amor mais maduro e real. E ele estava compondo uma música para ela. A letra já estava no papel. Faltava o arranjo de violão. E ele estava trabalhando nisso. Era um trabalho lento. Ele já fora mais rápido nisso, mas agora estava meio enferrujado. Mas por muitas vezes renegou a ideia, mas a melodia vinha lhe infernizando. Tinha que exprimir de dentro de si para voltar a ter paz novamente. Mas faltava uma última nota. Qual nota cairia bem naquele fraseado intricado e modal? Ele estava quase encontrando-a quando escutou o baque.

Mirela tinha caído no chão da cozinha. Leo correu até ela, deixando o mar, a melodia e o violão para trás. Tudo o que importava era Mirela. Chamou os socorristas e esperou angustiado. Quando eles chegaram, ele ficou mais aliviado. Ela ainda estava respirando mais havia perdido a consciência. Já havia alguns meses que Mirela vivia reclamando de cansaço e dores nas articulações, além de muita dor de cabeça e febre. Mas ele a levara no médico várias vezes, e diziam que ela não tinha nada grave. Porém, agora ela tinha desmaiado. No hospital ele ficou sabendo o que não gostara de saber. Mirela tinha lúpus e já estava num estágio muito avançado. Agora ela tinha poucos dias de vida. E não havia nada o que ele poderia fazer até ela suspirar sua última nota de vida.

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