O 13º ANDAR

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Carla acordou com a sensação de que estava sendo observada. Não era incomum. Desde que se mudara para o apartamento 283, a paranoia era sua companheira constante. O espaço era pequeno, com paredes finas e mofadas, mas o aluguel era tão barato que ela ignorara o desconforto inicial. Agora, começava a se arrepender.

Era uma manhã que deveria ser importante. A entrevista para aquele emprego era sua última chance de evitar o desastre financeiro que ameaçava engoli-la. O relógio na parede piscava 6h30. Já estava atrasada, e cada minuto perdido fazia com que seu coração disparasse ainda mais. Ela jogou um gole de café morno na boca, pegou sua bolsa e foi direto para a bancada onde sempre deixava a chave do carro.

A chave não estava lá.

— Droga — resmungou, começando a vasculhar freneticamente o apartamento.

O lugar, apesar de pequeno, parecia engoli-la em sua desordem. Ela procurou na mesa de centro, entre as almofadas do sofá, até mesmo na pia da cozinha. Nada.

— Droga, onde está a maldita chave? Vou me atrasar, merda, vou me atrasar!

Ela quase chutou a pilha de roupas no canto, mas parou quando algo chamou sua atenção. A sala estava silenciosa, mas havia uma vibração no ar. Um som, talvez? Não, era mais como um... murmúrio. Carla balançou a cabeça, tentando afastar o medo. "É só a tensão. Não vou surtar agora."

Mas não era só tensão. Não era só paranoia.

Ela se lembrou da conversa com Ivan, o zelador. Ele parecia desconfortável no dia em que ela assinou o contrato.

— Tem certeza de que quer o 283? — perguntou ele, a voz rouca, os olhos inquietos.

— Claro. É barato e perfeito pra mim.

Ivan hesitou antes de continuar: — Olha... as pessoas que moram lá... bom, elas não ficam por muito tempo.

Carla riu na época, pensando que ele se referia a vizinhos barulhentos ou talvez a algum problema de manutenção. Mas Ivan não estava falando disso. Ele finalmente confessou: todos que haviam morado ali terminaram suas vidas de forma trágica.

— Suicídios — ele murmurou, olhando para o chão. — Talvez o lugar esteja amaldiçoado.

Na época, ela riu da história, mas agora, enquanto revirava o apartamento, tentando encontrar a chave, as palavras de Ivan voltaram para assombrá-la.

— Seja lá quem esteja brincando comigo, eu não tenho medo — disse em voz alta, a bravata carregada de uma coragem forçada.

Ela riu, tentando se convencer de que tudo não passava de um lapso, uma manhã confusa. Mas a risada morreu na garganta quando o apartamento ficou repentinamente frio, como se todas as janelas estivessem abertas em uma noite de inverno. Seus dedos começaram a formigar, e a sensação de ser observada cresceu até se tornar insuportável.

Então, ouviu.

— Deveria — disse uma voz distante, abafada, como se viesse de muito longe. — Este apartamento é meu. E você não deveria estar nele.

Carla girou em todas as direções, tentando encontrar a fonte da voz. — Quem é você? Mostre-se! — gritou, mas sua voz soou fraca, quase infantil.

De repente, sentiu uma pressão no pescoço. Duas mãos, frias e descarnadas, agarraram-na com uma força descomunal. Carla olhou para baixo e viu os dedos daquilo que a segurava. Eram magros, esqueléticos, cobertos de pele cinzenta e rasgada. Quando levantou o olhar, desejou nunca ter visto.

A criatura diante dela era um cadáver ambulante. A pele estava ausente em vários pontos, revelando músculos apodrecidos e ossos amarelados. Os olhos eram cavernas negras, sem brilho, mas mesmo assim transbordavam ódio.

— Quem é você? — Carla conseguiu engasgar, enquanto lutava para respirar.

O ser inclinou a cabeça, os dentes expostos em algo que só poderia ser descrito como um sorriso horrível. — Seu pior pesadelo.

Num ato de desespero, Carla usou toda a força que ainda tinha e conseguiu se libertar. O ser vacilou por um instante, como se não esperasse resistência. Ela não pensou duas vezes. Correu para a porta. Para sua surpresa, estava aberta.

Carla saiu em disparada, os pulmões ardendo. Ela desceu o corredor, a visão turva de medo e adrenalina. O elevador parecia longe demais, então ela correu para a escada. Cada degrau era um desafio, mas ela não parou. Não olhou para trás.

Finalmente, chegou à porta de emergência que levava para o térreo. Só mais um passo e estaria salva.

Foi quando o chão pareceu desaparecer.

Ela mal teve tempo de entender o que estava acontecendo. Sentiu o vento em seu rosto, o som crescente do ar que assobiava ao seu redor. Tentou gritar, mas a voz não veio. Tudo o que ela podia fazer era olhar para cima, para o prédio que ficava cada vez mais distante, e para o rosto sem carne que a observava da janela do apartamento 283.

Carla nunca chegou à entrevista. Nunca conseguiu sair do prédio. Quando seu corpo atingiu o concreto do estacionamento, a única coisa que restou foi um sussurro no vento, um eco da última palavra da criatura:

— Meu.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora