SEXTA FEIRA 13

33 4 1
                                    

Marina entrou na Rua do Cemitério acelerando o seu Chevette velho doida para chegar em casa depois de um dia terrível. Tudo dando errado para esta viúva na beira dos 40 anos de idade. Ela não acreditava nessas coisas. Superstição não tinha nada a ver com Marina. Racional, lógica, ver para crer. Esta sim era Marina.

Mas o dia já havia começado com ela acordando atrasada, não viu o despertador gritar. Dormiu mais que a cama. Chegou tarde no trabalho, levou bronca do seu patrão sempre mal-humorado. Um filho da puta do caralho. Um dia ela terminaria exterminando aquele capitalista medíocre. A propósito, o pai de Maria era cubano, e ela cresceu ouvindo sobre Revolução Cubana e ideias marxistas. Mas trabalhou desde novinha.

O dia piorou depois que perdeu uma grande oportunidade de vendas. Marina era trader em uma corretora pequena, buscando se firmar no mercado. Ela fez cagada, e o cliente acabou perdendo muito dinheiro. Cancelou o contrato e pela segunda vez ela sentou na gleba do seu patrão filho da puta capitalista. Está certo que era sexta feira 13. Mas parecia que era sexta feira 13 só para Marina, porque só ela estava se ferrando.

Finalmente acabou o expediente e ela havia marcado com umas amigas antigas de faculdade num barzinho. Mas era sexta feira 13 para Marina e ela ficou agarrada no transito. Cancelou o barzinho puta da vida, e como morava perto da praia resolveu olhar o mar para relaxar antes de chegar em casa. Mas Marina estava tendo a sexta feira 13 toda para ela e se deparou com dois carros parados no meio da rua. Confusão. Os motoristas estavam brigando. Puxaram faca, porrete. Depois um revolver. Marina se desesperou. Não queria ver aquela cena. Pegou a contramão, seu Chevette cantou pneu e passou pelos carros. Quase bateu numa moto. Passou adiante quando ouviu o estalido seco da arma. Sangue fora derramado na sexta feira 13. O que mais poderia ser pior?

Depois que seu marido faleceu (derrame enquanto dirigia uma carreta carregada de pedra pesando toneladas), Marina vendeu a casa no subúrbio e mudou-se para a beira da praia, uma parte mais nobre da capital. Mas a grana não foi o suficiente para comprar vista para o mar. Mas não importa. Era perto da praia. Mas ficava no final da rua do cemitério. Por motivos óbvios, ninguém mais se referia aquela rua como sendo a rua do cemitério. Precisaram mudar para vender os apartamentos. Agora era Alameda Beira-Mar. Mas ainda havia o cemitério, entre os prédios. Desativado. Mas ainda estava lá, agourento. Para Marina era só mais um cemitério, onde ninguém era mais enterrado. Ponto final. Havia uma lanchonete curiosamente chamada Hellmanos, mas era só coincidência. Faziam os melhores hot-dogs de todos. Marina adorava. Mas naquela sexta feira 13 Marina não estava afim de fastfoods. Só desejava chegar em casa, viva.

O Chevette saiu da rodovia, ganhou um morrinho e logo estava acelerando pela antiga e sempre escura rua do cemitério. Menos de 5km até chegar em seu apartamento. Tomar um banho. Assistir Netflix enquanto devorava seu chocolate preferido, Diamante Negro. E esquecer aquele dia maldito e azarado. Esquecer todos aqueles números e gráficos na tela do seu computador. O patrão chato em seu ouvido. Tudo. Ela também queria beber. Mas talvez estivesse tarde demais. Olhou para a lanchonete Hellmanos, que ficava de frente para o portão de ferro e degradado do cemitério desativado. Nenhuma alma viva. Um gato preto passou bem na sua frente. O pelo era tão escuro feito carvão que Marina não tinha visto o animal. Foi só quando os olhos cor de mijo do gato brilharam através do farol do Chevette que ela viu o bicho. Se assustou. Virou o volante. Escapou do poste. A roda subiu na calçada do cemitério. Trepidou e ela freou.

O coração estava na boca. Ficou uma eternidade segurando o volante com força, trincando os dentes de raiva. Respirou fundo. Virou a chave na ignição e passou a marcha. O carro voltou para pista sambando. Marina xingou antes de largar o volante (e olha que ela não é de xingar) e desceu do carro para constatar o obvio. O pneu tinha furado.

Ela podia muito bem largar a droga do carro ali mesmo. Andar uns bons 20 minutos e já estaria em seu apartamento. Mas não. Marina era mulher independente e como tal, não poderia deixar o carro na rua por preguiça de trocar um pneu furado. Ela também havia se tornado uma feminista ferrenha, nos últimos cinco anos.

Viúva, independente e empoderada.

E um pneu para trocar. Olhou para os dois lados da rua. Deserta e escura. O poste mais perto (o que ela quase bateu), tinha a lâmpada fraca e ainda piscando. Não ajudava. Desde que ela se lembrava, aquele carro, que pertencera ao seu marido quando ele era vivo, só furara o pneu uma vez na rua, a mais de dez anos atrás. Foi a única vez que seu marido trocou o pneu. Marina nunca tinha feito aquilo. Abriu o porta malas e pegou macaco, chave de roda e o sobressalente.

Mas o macaco não subia nem por reza. Marina então xingou mais uma vez e já estava quase largando tudo para trás quando um sujeito alto e forte se aproximou. A pouco não havia viva alma. Do nada este cara aparece. Primeiro ela pensou que seria assaltada. Depois que seria estuprada. Mas ela tinha uma chave de roda nas mãos.

– Relaxa, dona. Só quero ajudar.

– Não preciso de ajuda.

O sujeito olhou para o macaco e riu.

– Acho que precisa de um pouco de ajuda sim. Com o macaco pelo menos.

– Vou jogar esta bosta fora e comprar outro. Não está prestando.

O sujeito se agachou.

– Falta de óleo dona. Tem óleo de motor sobrando?

– Acho que sim. Pera...

Abriu o capô. Pegou o litro de óleo e deu para o sujeito.

– Engraçado. Você me lembra alguém.

Ele:

– Sério? Mas eu sempre estou por aqui.

– Engraçado. A primeira vez que vejo você.

– Estranho. Mas seu macaco já está bom. Só um minuto.

Levantou o carro e pegou a chave

– Onde mora, moço? – Perguntou Marina.

– Perto. Os parafusos estão muito apertados...mas acho que dá para sair.

O sujeito tirou a roda com o pneu furado depois de aplicar muita força e jeito. Mas nem soou. Estava até assobiando. Colocou o sobressalente e abaixou o macaco.

– Prontinho.

Marina abriu a carteira.

– Quanto foi?

O sujeito tinha ido embora. A princípio foi o que Marina concluiu. Mas simplesmente ele tinha desaparecido. Os pelinhos do braço dela se arrepiaram e ela sentiu náuseas.

– Quer saber...

Bateu a porta. O carro pegou. Marina acelerou. 

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora