Eusébio não conseguia dormir. Virava-se de um lado para o outro, sentindo os músculos retesados e o corpo torturado pelas calçadas frias e duras. O rosto, marcado por rugas e suor, era um reflexo do tormento que ele vivia. Já não era mais um homem. Não, ele era algo... outra coisa. Alguma coisa que não se reconhecia mais nem no espelho nem no olhar das pessoas que um dia o chamaram de "pai", "marido", "homem de família". Ele olhou para a vidraça quebrada ao seu lado, e a imagem refletida dele parecia distorcida — não era mais ele, não completamente. Seu corpo, tão magro e sujo, parecia se retorcer a cada respiração, como se algo dentro dele estivesse pronto para romper a pele. Ele tinha uma casa, uma família, sim... mas isso não importava mais. Não havia espaço para lembranças no coração do velho Eusébio.
A lua cheia estava lá no alto, alta e arrogante, iluminando tudo com um brilho sujo. Ele odiava a lua, com toda a sua malícia. A lua cheia sabia o que ele se tornara, e ele a temia mais do que tudo. Sabia que a cada mês ela o chamava, fazia seu sangue ferver, seus ossos doerem e a fera dentro dele despertar.
Eusébio tentou se acalmar. Ele estava cansado de lutar. Já não importava mais controlar o que fosse. Não havia mais motivo. Se o que ele era agora era uma maldição, então ele simplesmente se renderia a ela. Com um suspiro, ele fechou os olhos, tentando ignorar as dores que se arrastavam pelo corpo. Mas então... os passos.
Cinco adolescentes. Eles apareciam como sombras na esquina, rindo e conversando alto. Eusébio sentiu o cheiro da maconha ainda antes de ouvir as risadas. Eles estavam ali, provavelmente saindo de algum barulho de rock, todos com cabelos desgrenhados, piercings, tatuagens e um desprezo imenso por tudo que não fosse igual a eles. Eusébio sentiu um repulso imediato. Ele não queria, mas sabia que eles o viam como algo a ser destruído. Um fardo nas calçadas da cidade deles.
Um dos garotos se aproximou, o cheiro de álcool no ar, e disse com um sorriso de escárnio:
— Vamos quebrar esse mendigo — ele passou o baseado para os amigos. A voz tinha uma nota de violência que logo se transformaria em algo pior.
— Mas ele não fez nada com a gente — retrucou outro, visivelmente relutante, mas o grupo o ignorou.
— Que se foda! A presença desse filho da puta nas calçadas da minha cidade é uma ofensa. Tem de morrer!
Os outros riram. Alguns brandiram correntes e canivetes. E Eusébio, ali no meio da sujeira, sentiu um nó no estômago. Não queria mais brigar. Não queria mais nada. Apenas queria se afogar na escuridão do sono, longe de tudo. Mas os garotos não iam deixar isso acontecer.
— Morra, filho da puta!
O primeiro chute veio em cheio. Eusébio nem se mexeu. O golpe, que teria derrubado um homem qualquer, parecia não fazer efeito nele. Com um movimento rápido e violento, ele empurrou o primeiro adolescente. O garoto voou pelo ar, acertando um carro com um estrondo. Desmaiado.
Eusébio sentiu o gosto amargo da violência crescer em sua garganta. Não queria lutar. Não queria matar. Mas o que ele era agora? Ele não podia mais controlar isso. Não podia mais controlar a besta dentro de si.
A transformação foi rápida. Ele sentiu o sangue borbulhando nas veias, os ossos estalando e se esticando, a pele se rasgando para dar passagem à fera. Seus dentes cresceram, suas garras se alongaram, e seus olhos... seus olhos brilharam de um vermelho feroz.
Os outros garotos olharam, assustados. Mas ao invés de fugir, se aproximaram com os olhos cegos pela raiva e o álcool. Eusébio soltou um grito gutural, um uivo primal que fez o ar vibrar. Eles pararam, congelados, sem saber o que fazer. Mas Eusébio sabia. Ele já sabia.
Ele se lançou sobre o garoto com o soco inglês. O rapaz tentou se defender, mas não havia nada que pudesse fazer. Eusébio agarrou sua garganta com as garras e, com um movimento quase indiferente, partiu o pescoço do jovem. O som do osso quebrando foi acompanhado pelos gritos desesperados do garoto, que agonizou por alguns segundos antes de se tornar um corpo sem vida. Eusébio não parou. Ele se abaixou, saboreando o sangue que jorrava, deixando que a força da besta tomasse conta de cada fibra de seu ser. Ele era aquilo agora. Ele não podia mais fugir.
Quando o sangue acabou, ele se afastou do corpo, sentindo o calor do prazer e a culpa misturados em sua alma. Ele se virou para os outros, que já haviam fugido, deixando a cena de horror para trás. Eusébio não foi atrás deles. Não precisava. Ele já tinha feito o que precisava fazer.
Com a força de uma fera, ele correu para o mato, para as sombras, onde pudesse se esconder de si mesmo. Onde ninguém o veria. Onde ele pudesse, talvez, descansar, longe de sua própria condenação.
Na manhã seguinte, Eusébio acordou nas areias da praia, o sol batendo em seu rosto, quente e implacável. Suas roupas estavam rasgadas, os pés descalços e ensanguentados. Ele olhou para as mãos. As unhas ainda estavam tingidas de vermelho. O sangue ainda estava nele, como uma marca irreparável.
Ele sentiu a dor profunda no coração. O que restava de Eusébio? O homem que um dia fora? Não, ele não estava mais ali. Ele havia morrido naquela noite, com os gritos do jovem em seus ouvidos. E, no lugar dele, havia apenas uma fera com o sangue nas mãos, e uma lua cheia que continuava a brilhar no céu, como uma testemunha silenciosa de sua maldição.
E Eusébio chorou.
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SOMBRAS DA NOITE
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