LOGO ALI

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Eu sempre fui do tipo que prefere a estrada vazia à companhia de outros motoristas. Meus dias são longos, sempre passando o tempo dirigindo pela estrada solitária que me leva de volta para casa. A cidade onde trabalho fica a uma boa distância de onde moro, e não há nada mais cansativo do que o som monótono do motor a diesel, os faróis da estrada se esticando em linha reta até o horizonte, que parece nunca chegar.

Era uma noite especialmente fria e silenciosa quando, numa curva acentuada, vi algo que fez meu estômago gelar, algo que parecia deslocado na vastidão da noite. Uma figura solitária na beira da estrada. Uma garota. Eu podia vê-la ao longe, os cabelos loiros brilhando sob o reflexo das minhas luzes. Ela estava parada, com um sorriso suave nos lábios, um sorriso que parecia chamar. O tipo de sorriso que você não consegue ignorar.

Não pensei duas vezes. Eu estava exausto, mas, de alguma forma, algo me empurrava para ela. O cansaço, a solidão das horas à noite, aquela aura de desamparo que às vezes toma conta de nós nas rodovias desertas. Eu parei o carro, a porta se abriu, e ela entrou com a leveza de quem já sabia o que queria.

Ela não parecia ter medo de mim. Na verdade, parecia não ter medo de nada. Aquele olhar sereno e aquele sorriso... Ah, o sorriso. Um sorriso quase angelical, como se o mundo inteiro fosse um lugar onde tudo podia ser dado, até mesmo o impossível.

– Me dá uma carona? – perguntou ela com uma voz doce, quase sussurrante.

Eu concordei sem hesitar, ainda sentindo o peso de um longo dia no corpo. Quando me dei conta, ela já estava no banco do passageiro, olhando pela janela enquanto o carro deslizava pela estrada escura. Eu estava tão cansado que quase não me importei com as perguntas óbvias.

– Onde você mora? – perguntei, tentando encontrar alguma familiaridade na conversa, um jeito de quebrar o silêncio.

Ela me olhou com um sorriso tranquilo e respondeu:

– Logo ali, moço.

Eu apenas acenei com a cabeça e segui, sem pensar muito. Mas quando passei pela estrada que ela indicou, algo me fez olhar para ela novamente, como se sentisse que algo estava... errado. Ela tinha os olhos fixos em mim, aqueles olhos grandes e profundos, que brilhavam na escuridão.

A cada quilômetro, ela repetia a mesma frase.

– Logo ali, moço.

O "logo ali" parecia um truque de ilusionista, um número que nunca acabava, que nunca se concretizava. Eu dirigia e pensava que logo chegaríamos, que poderia finalmente descansar e deixar aquela conversa para trás. Mas a estrada parecia interminável.

De repente, a paisagem mudou. Um frio indescritível tomou conta do carro. O som dos pneus na asfalto se misturava com um silêncio quase absoluto. Era como se eu estivesse entrando em um lugar onde o tempo não passava mais. Eu olhei para ela, tentando ver alguma expressão, mas ela estava imóvel, seus olhos ainda fixos em mim, um sorriso congelado nos lábios.

E então... algo aconteceu. Eu não sei bem o que foi, talvez um erro de cálculo, um distúrbio momentâneo na minha mente exausta, mas de repente percebi que a estrada me levara até a entrada de um cemitério. O lugar estava coberto por uma neblina espessa, uma escuridão densa que parecia engolir tudo à sua volta. Eu parei o carro bruscamente, e, sem saber muito bem o que fazer, engatei a ré. Algo me dizia que devia voltar, mas antes que eu pudesse sair dali, ela disse, com uma voz que agora parecia mais dura, mais insistentemente possuída:

– Por que está voltando?

Aquelas palavras atravessaram meu cérebro como uma lâmina afiada. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas sentia que não estava mais no controle da situação.

– Acho que errei a entrada – disse, minha voz trêmula.

Ela me olhou, seus olhos agora com algo mais. Algo... profundo, obscuro. Ela inclinou a cabeça, como se me julgasse, como se eu fosse uma peça em um jogo que ela já sabia como terminar.

– Mas eu moro logo ali, moço – ela respondeu novamente, com uma calma perturbadora.

A luz dos faróis iluminava seu rosto e, por um momento, eu senti que algo havia mudado nela. O sorriso, antes angelical, havia se distorcido. Seus dentes estavam mais visíveis agora, mais... afiados. Mas eu estava tão cansado, tão distante de qualquer lógica, que continuei a olhar para ela, tentando compreender o que estava acontecendo.

Foi quando ela tocou minha coxa.

A mão dela, fria como a morte, deslizou para dentro do meu jeans, uma carícia lenta, como se estivesse me testando. Mas eu estava tão atordoado, tão completamente perdido em minha fadiga, que nem percebi a mudança no ar. O silêncio que tomava conta do carro parecia denso, como se tudo ao redor estivesse congelado, aguardando algo. Ela virou a cabeça, e foi então que eu vi.

O sorriso não era mais aquele sorriso inocente. Não era mais um sorriso humano. O rosto da garota se transformou diante dos meus olhos. Sua pele se esticou, os olhos se tornaram fendas negras, e seus dentes pareciam agora uma fileira de ossos quebrados, as gengivas corroídas por algo muito mais antigo do que eu podia compreender.

Ela abriu a boca. O som que saiu de sua garganta não foi mais uma voz doce, mas algo gutural, um murmúrio de desespero e raiva misturados.

– O que foi, moço? – ela disse, sua voz se tornando estridente, com um tom de escárnio. – Você não me acha linda?

Antes que eu pudesse reagir, ela se inclinou para frente, e eu vi o que estava atrás dela. O cemitério. E ele não estava vazio. Não mais.

O vazio da noite se preencheu com risos ecoando de algum lugar distante. A luz dos faróis piscou, os pneus rangendo na terra fria, e eu soube, de repente, que havia feito um erro irreparável.

O "logo ali" nunca seria o fim.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora