Era segunda de manhã, e Heitor Alvarenga ainda estava sonolento. Colocara o café fumegante sobre sua mesa e esperou o computador fazer o logoff. Heitor odiava segundas–feiras. Não detestava de todo o seu trabalho, mas queria mesmo que fosse sexta–feira para sair da delegacia com os colegas e tomar aquela breja bem gelada. A tela ainda estava azul quando trouxeram a garota.
Ela chegou malvestida, mais suja que uma porca. Seus cabelos escuros estavam desgrenhados e parecia que havia semanas ou meses que não os lavava. Ela estava imunda e cheirava muito mal. Mas havia naquela adolescente algo perturbador. O olhar sombrio da garota o incomodou. Principalmente porque ela parecia não olhar para lugar nenhum, como uma lunática e por vezes demorava para responder suas perguntas inquisitivas.
– Estão todos mortos – era o que ela ficava dizendo o tempo todo.
Heitor precisou de um tempo para se organizar. Aquele seria o primeiro caso do dia. O primeiro da semana. E ele estava com a cabeça ainda em casa. Demorava para sintonizar–se ao trabalho. Depois que o computador estava pronto e tudo o mais. Sorveu seu café pelando de quente e tentou confortar a patricinha de olhos arregalados a sua frente. Parecia que a garota tinha tido uma noite ruim. O nome da cocotinha era Ellen e era filha de uns grãns finos. Mas estava tão apavorada e suja que mais parecia uma mendiga.
Heitor estava neste trabalho a mais de duas décadas. Ser delegado de polícia de uma cidadezinha qualquer do interior não era bem o que ele tinha planejado. Ele tinha sido um grande jogador juvenil, mas um problema no joelho o afastou dos gramados e do seu sonho de jogar no Flamengo. Então se viu obrigado a estudar. Terminou os estudos e prestou concursos para vários órgãos. Passou para Polícia Militar. Com muito empenho, ganhou notoriedade. Agora era o chefe da polícia. Ele se orgulhava bastante do cargo. E ele já tinha visto muita coisa. Mas não estava preparado para o que Ellen tinha a lhe dizer.
– Estão mortos senhor. Todos eles – ela ficava dizendo.
– Quem os matou?
Quando Heitor fazia esta pergunta ela caia em prantos como se uma lembrança dolorosa voltasse sempre à tona.
– Foram elas, senhor. Aquelas criaturas horrendas e cabeludas com vários olhos e várias patas – ela disse.
Puta que pariu, pensava Heitor. Vou ter que lidar com uma patricinha louca já pela manhã.
– Está me dizendo que aranhas mataram seus colegas?
– Aquilo não eram aranhas, não senhor. Não mesmo.
– Então o que eram?
Ela estava fitando nada quando indagou:
– Quer mesmo saber?
Heitor estava com os dedos ao teclado pronto para começar seu primeiro boletim da semana. Estava começando a ficar irritado com aquela cocota.
– Estou aqui para isso minha jovem.
– Havíamos subido a Serra do Caramba ontem pela manhã, praticamente ignorando todos os avisos que dizem para não subi–lo sem um guia.
– O que? – O delegado começou a digitar e depois parou. – Vocês subiram mesmo aquela maldita serra?
A garota começara a soluçar. Heitor terminou o café e acendeu o cigarro. Depois pediu a seu assistente trazer duas xicaras de café. Para ele e para a garota. O café fez bem para ela, mas ainda estava meio vidrada.
– Sabíamos das dificuldades, mas Nando, meu namorado sempre fora um aventureiro e ele queria muito fazer aquilo. Erámos quatro ao todo. O outro casal, Julia e Thiago estavam com a gente. A ideia era subir aquele monte inexpugnável e depois acampar e sei lá, fumar uns baseados e talvez, fazer uma orgia?

VOCÊ ESTÁ LENDO
SOMBRAS DA NOITE
HororEste livro de contos curtos de terror apresenta uma coleção de histórias arrepiantes e sobrenaturais. Em um dos contos, um menino descobre segredos obscuros sobre sua família ao se aventurar pelo porão proibido da casa de sua avó, onde encontra uma...