SONHOS PÁLIDOS

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Resende acordou com uma forte luz estampada em sua cara. Não fode, ele pensou enquanto tentava enxergar alguma coisa. Ainda era noite. Pelos seus cálculos, não havia duas horas que ele tinha caído na cama, depois de umas rodadas de cerveja no barzinho ao lado de sua quitinete. Ele estava mais cansado do que bêbado. Havia alguns meses que tinha diminuído, depois que o juiz decretou que todo o seu dinheiro e suas posses ficaria com a Clara. O golpe mais devastador foi perder a guarda compartilhada do filho.

Resende tinha se tornado homem longe do pai. Longe de todos. Seu filho, ao que parecia, teria que fazer a mesma coisa. Mas isso era diferente, de certa forma, não é mesmo?

A luz o cegava, mas curiosamente não vinha de dentro de seu quarto. Levantou-se. Pegou a pistola na gaveta de seu criado-mudo, embora soubesse que não estava carregada. Ele nunca dormia com ela carregada.

O policial olhou pela janela e não viu nenhum caminhão parado na rua, nenhum refletor. Nada. A rua estava silenciosa. Sem carros ou pessoas transitando pelas ruas. Nem os malditos cachorros latiam naquela noite. Um silencio que incomodava.

A luz vinha do alto.

Então apagou num rompante. Quando ele virou para a cama, deu de cara com cinco caranguejos enormes dentro do seu quarto. Comparar aqueles insetóides alienígenas com caranguejos foi a coisa mais logica que Resende pode fazer naquele momento. Mas aquelas criaturas estavam longe de ser caranguejos. Eram quase do tamanho de Resende e tinham cabeças humanoides e tentáculos como barba movendo-se como sensores. Seus corpos eram revestidos de uma crosta alaranjada, como a de um crustáceo e tinham três pares de pernas, finas como de uma aranha. Os membros superiores eram garras gigantes e grotescas. E tinham vários olhos vermelhos ou protuberâncias na cabeça.

– Que porra é essa! – Disse ele tentando manter as criaturas dentro da mira de sua arma. – Quem são vocês? – O que querem comigo?

Os caranguejos emitiam algum som parecido com chacoalhar de conchas no fundo do mar, mas nada compreensível. Para surpresa de Resende, os caranguejos não pareciam temer a arma de fogo em sua mão. Andavam livremente pelo seu minúsculo quarto, revirando sua cesta de roupada sujas, vasculhando o banheiro, tentando abrir a geladeira. Uma delas levantou a cama com uma de suas garras com a leveza de uma pena.

Outra, porém veio em sua direção com uma das poãs levantadas. Esta era toda rajada de preto. Laranja e preto, como uma aranha venenosa.

Resende apontou a arma no meio dos olhos da criatura.

– Não se aproxime! Vou atirar.

O caranguejo não obedeceu.

Resende apertou o gatilho, uma, duas, três vezes, mas só ouviu o estalado macio do metal mascando. Os olhos da criatura semicerrarem maliciosamente. Eram três enormes e esbugalhados olhos na frente, e dois menores nas extremidades. Pareciam injetados de sangue. Tentáculos dançavam na altura de onde deveria ser a boca da criatura, perscrutando. Ele podia ouvir o som de conchas mais de perto. Ela parecia querer se comunicar com ele. Mas aquela poã levantada...

– Fique onde está – disse Resende sem parecer firme o bastante para conter o avanço da criatura. Foi dando passos para trás e não abaixou a guarda da arma. Continuava apontando para a criatura que movia-se suavemente pelo assoalho de seu quarto. Quando a bunda de Resende tocou a parede, ele sabia que estava perto da janela. Talvez tivesse uma chance. – Mandei ficar onde está – mas a criatura estava perto demais.

Não teve outra escolha. Com o cotovelo, bateu contra o vidro da janela, mas não se partiu na primeira pancada. Ele bateu mais forte, desta vez com a mão segurando a arma. A janela se partiu, fazendo um estardalhaço. Mas antes de pular, a criatura o segurou pelo braço, fazendo uma pressão tão forte com sua garra de caranguejo, que Resende pensou que ia partir seu membro.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora