Afonso Ferreira voltou para a casa com a cabeça doendo.
Desceu do ônibus lotado, e olha que nem era horário de pico, e atravessou a avenida com o dedo indicador apertando a têmpora direita, mas a dor parecia consumir toda a sua cabeça. Mas ele parecia já estar acostumado. Passou por um bar lotado, o paredão ligado ressoava desde os seus ossos até a alma. Aquela pontada na cabeça. Ele amaldiçoou todos os piseros do mundo enquanto abria o portão do prédio. Ele só queria subir para seu andar e não ser mais incomodado quando a dona Ozilia abriu a porta do número 05 com uma vassoura na mão e já falando:
- Ora, ora se não é o Afonso, tudo bem meu filho. Estava a muito querendo te ver...mas que cara é essa?
Afonso parou e tentou um sorriso.
- Está tudo bem.
- Mesmo? - indagou ela não exatamente preocupado com ele, os bobs no cabelo parecendo a Dona Florinda, mas a cara era da bruxa do 71 para Afonso.
- Sim dona.
- Mas está tão cedo - ela forçou as vistas olhando no relógio - são ainda...
- Então, preciso ir.
- Ok. Mas não esquece de me devolver o aspirador de pó...já faz algumas semanas que eu te emprestei, e...
Afonso não tinha que aguentar isso de novo.
- Eu já devolvi.
- Mesmo?
- Semana passada.
Ela abriu um sorriso ao se fazer de lembrada que deu medo.
- Ah, é mesmo, como eu podia me esquecer.
Mas antes dela emendar mais outro papo desinteressante, Afonso subiu para seu andar, a cabeça latejando.
Sua quitinete estava do jeitinho que ele deixou - uma zona. Mas para Afonso estava tudo normal. Ele se achava no meio de todo aquele caos. O aspirador da dona Ozilia tinha feito um bom trabalho, mas pensando bem, Afonso achava que deveria pega-lo emprestado mais uma vez. Ou talvez não. Nem sempre foi assim. Afonso era uma pessoa metódica e sistemática, mas depois daquela maldita pescaria. E agora com mais de cinquenta anos nas costas, tornou-se uma pessoa muito relaxada.
Apertou o dedo na tempora mais uma vez enquanto jogava a trouxa de roupa suja no sofá e caminhava para a geladeira coçando o traseiro. Pegou uma aspirina e colocou debaixo da língua. Pensou melhor e colocou mais duas. Enfim em casa. Quando pegou o jarro de água e bebeu a pontada veio forte na cabeça. Mas logo as aspirinas fariam efeito. Como das outras vezes. Uma vodca seria melhor, pensava ele. Mas estava sem dinheiro para isso. A cabeça latejava.
- Só uma dorzinha de nada.
Ele deveria ter se encaminhado para a emergência, pegar um atestado e tudo estaria certo. Mas não. Achava que logo passaria como das outras vezes, mas a verdade é que a dor ficava pior a cada dia que passava e ele não queria saber mais de médico depois que lhe disseram que poderia estar com algum tipo de tumor no cérebro. Afonso sabia que não. Era outra coisa que a medicina não podia explicar, mas seus sonhos sim. Ele sabia que depois de uma soneca tudo estaria certo.
Aquilo estava crescendo, Afonso sabia.
Foi a cerca de doze anos atrás e ele se lembrava de quase todos os detalhes. Ele se juntou a um grupo de amigos que saíram do Espirito Santo, num Fiat, com destino ao Mato Grosso. Uma longa viagem por sinal. Afonso gostava de pescar, mas um dia havia decidido que pegaria um jacaré. Tiraria a pele do bicho e venderia para alguma indústria de couro. Mas ficaria com a cabeça para exibir na parede de sua casa como naqueles filmes de Hollywood.

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SOMBRAS DA NOITE
HorrorEste livro de contos curtos de terror apresenta uma coleção de histórias arrepiantes e sobrenaturais. Em um dos contos, um menino descobre segredos obscuros sobre sua família ao se aventurar pelo porão proibido da casa de sua avó, onde encontra uma...