DEMÔNIOS DE DAIANA

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Eu me lembro de estar sendo perseguido por cinco demônios e minhas esperanças desapareciam a cada passo que eu dava debaixo de uma chuva torrencial. Era noite e tudo o que eu podia ver eram vultos negros com asas sobrevoando os prédios, seus olhos vermelhos cintilavam como chamas diabólicas.

Eu queria ter esquecido o dia em que resolvi morar junto de Daiana, uma garota muito mais nova do que eu e totalmente doida. Estranhamente esse tipo de mulher me persegue. Daiana era muito louca e seu corpo era todo coberto por tatuagens, cada uma com um sentido mais oculto que o outro. Lembro dela com o cigarro entre os dedos e um copo de pinga balançando na outra mão tentando me explicar os significados de cada tatuagem. Daiana xingava muito, principalmente quando estava muito bêbada. E começava a falar em línguas estranhas. Depois dizia que tinha vendido a alma para o diabo. Eu nunca acreditei nisso, mas havia horas que ei ficava mesmo pensando. Então ela ria da minha cara. Me jogava na cama e trepava como se estivesse possuída. Por isso que eu amava. Quando eu pensava em sair de sua vida, ela vinha e me dava uma surra de cama. Daiana era mestra nisso. Ela era muito magra e cheia de piercings e brincos e gostava de injetar drogas na veia. Eu nunca liguei para essas coisas porque eu a amava. Ela não trabalhava, passava o dia todo se drogando e bebendo pinga. Eu é que trabalhava para pagar o aluguel e pagar as contas que nunca paravam de chegar.

Então, um dia, começamos a brigar por causa das roupas curtas dela. Não era a primeira vez que eu tinha um ataque de ciúmes. Daiana estava muito dopada nesse dia, usando jeans com menos de um palmo, com a bunda de fora e meias ¾ enfiadas num par de botas pretas. Nesse dia ela tinha tingido o cabelo de vermelho e parecia uma puta de beira de esquina, bem baratinha.

– Que porra é essa Daiana? Enquanto eu me mato de trabalhar você fica rodando bolsinha agora? Não quero ver você mais usando este tipo de roupa. Pra mim já chega.

Ela estava sentada no beiral da janela, olhando o movimento noturno nas ruas movimentadas logo abaixo. Tragou pela última vez seu cigarro e jogou a ponta pela janela.

– Tô cagando para suas baboseiras.

Aquilo foi a gota d'agua.

– Vou fazer você engolir essas suas palavras sujas, sua putinha de merda.

– A eh?

Empurrei a vadia de cima da janela. Caiu de cabeça na calçada onde as pessoas passavam, explodindo como um tomate. Morreu. Não fui em seu velório. Mas todas as noites eu achava que estava sendo espionado. Nos meus sonhos Daiana aparecia para me atormentar. Comecei a usar remédios para dormir, mas que me deixavam muito grogue. Mas era a única forma de descansar. Para não ser preso, mudei de endereço, mas não fui muito longe. Aluguei uma casa antiga e não saia de lá. Eu estava recebendo o seguro desemprego e não sabia o que faria logo após. Pensei que meus temores haviam desaparecido. Ledo engano. Em pouco tempo os vultos surgiam pela casa. E de noite eu via seus olhos vermelhos grudados nas janelas me espionando. Não sabia o que eram, então procurei a Igreja local e um padre me indicou um exorcista para investigar.

O nome dele era Angellus, um experiente exorcista que passou dias em minha casa investigando o caso. O sujeito era muito estranho. Usava um chapéu de cangaceiro e um sobretudo preto bastante surrado. Na sua cintura pendia um mosquete de madeira com gravuras e escritas intricada e entalhadas em prata. Nas suas costas havia uma espada longa, mas de cabo fino. Sim, amigos. Uma espada. Ele pouco falava e tinha um sorriso desagradável nos lábios. Nunca parava de fumar seu cachimbo. A fumaça que exalava era amarga e estranha. Nunca senti um fumo tão forte como aquele. Depois de concluir a investigação, Angellus soltou um sorriso desagradável e disse:

– Nada aqui.

– Como não? Eu mesmo vi os monstros.

Ele virou-se, jogando o sobretudo de forma cafona e espalhafatosa e se dirigiu para sua moto velha, mas grande. Nunca vi motocicleta de aparência mais medonha.

– Coisa da sua imaginação – disse ele.

Fiquei sozinho. Quando o ronco do motor dele desapareceu, a chuva começou a cair. Choveu bastante e sem parar. Depois de várias quedas de energia eu já temia pelo pior. Tentei dormir, mas a lembrança de Daiana vinha em minha mente. Acordei e fui mijar. Já estava bem tarde e eu voltava meio grogue pela sala quando tudo aconteceu.

Escutei os vidros das janelas se espatifarem com grande estrondo e vultos e olhos vermelhos vindo em minha direção. Um deles tentou agarrar meu braço, mas eu acertei ele com a televisão. Seu toque ardia como ácido. Corri para fora gritando por socorro, mas ninguém me ouvia. Minha voz soava abafada e longe. Chovia demais.

Corri pelas ruas encharcadas, passando por carros estacionados. Tive a ideia de tentar roubar um, mas era tarde. As criaturas estavam em meu encalço. Via vultos e olhos vermelhos que brilhavam malignamente por cima de prédios. Dava pra ver que algumas das criaturas possuíam asas que facilitavam sua locomoção. Logo eu estaria ferrado nas garras deles.

Escutei um tiro ensurdecedor como uma bala de canhão. Depois o ronco monstruoso de uma moto. Depois a silhueta num sobretudo. Era Angellus com certeza. As criaturas avançaram nele como predadores sedentos pela presa. Ângelus matou duas criaturas com seu mosquete, cada tiro mais ensurdecedor que o outro. Depois, quando as criaturas estava já em cima dele, sacou a espada, a lâmina fina, mas longa. As criaturas recuaram alguns passos, mas Angellus caiu sobre elas como um anjo vingador, sem dar chances para que pudessem voar. Seus corpos e carcaças se desintegraram como folhas podres quando tocaram o solo molhado.

Ângelus guardou a espada nas costas e se dirigiu para moto ajeitando o chapéu de cangaceiro. Corri na direção dele para agradecer enquanto ele acendia o cachimbo. Mas ele acelerou a moto, derrapando e jogando agua em cima de mim.

– Filho da puta. Eu só queria agradecer.

Ele desapareceu naquele dia e nunca mais o vi. Pelo menos os demônios da minha ex-companheira desapareceram. Agora eu tinha que lidar com a polícia.

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