SOCORRISTA

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Nilton entrou no banheiro do terminal rodoviário com uma sensação de urgência crescente. Sua barriga estava em um revestrés danado, um tumulto de cólicas e gases que o fazia se contorcer, mas ele sabia que precisava manter a calma. Ele sempre mantinha a calma. Afinal, era isso que sua profissão exigia dele — frieza, precisão, controle.

O banheiro não estava sujo, mas tinha aquele cheiro característico de um local muito frequentado. O azulejo branco e desgastado, as lâmpadas fracas que tremeluziam, o eco abafado de passos e conversas do lado de fora. Nilton olhou para os mictórios: três. E apenas três baias. Uma delas estava ocupada. "Porra, logo a do meio", pensou, já irritado com a sorte. A do meio era a mais incômoda. Quem é que usava a do meio, afinal?

Ele escolheu a baia da esquerda, que ficava de costas para a parede. Abaixou as calças e fez o que tinha que fazer, sem perder tempo, mas não sem aquela necessidade imensa de proteger sua pele do frio da louça da privada. Pegou o rolo de papel higiênico e, com precisão, isolou a cerâmica gelada, criando uma barreira entre seu corpo e o objeto. Como era meticuloso, Nilton. Não gostava de surpresas. Não com a sua profissão.

Sentou. A barriga, ainda pesada e tumultuada, não facilitava as coisas. Ele olhou para o relógio. 19:29. O ponteiro do minuto caminhava lentamente, como se zombasse dele. Tic, tac, tic, tac...

A pressa não era sua. O ônibus poderia esperar. Ele não estava com pressa. Mas, em algum lugar lá em casa, sua esposa esperava por ele. Claro. Ele sabia disso. Mas, naqueles dias, o casamento estava mais distante, mais gelado. Ela era uma mulher fechada, fria. E ele... bem, ele tinha encontrado consolo em outro lugar. Com ela. Com a amante. A baiana. Mas, porra, na verdade, nem com baiana ele dava certo. Ela era boa, mas não era o que ele precisava. E ele se perguntava se realmente alguma mulher seria. Talvez fosse isso. Talvez ele fosse apenas... incompleto.

A voz do outro lado da baia quebrou o silêncio.

– Que horas são, colega?

Nilton franziu a testa. A voz era velha. Velha e arrastada, cheia de resquícios de cansaço.

– 19:29, senhor – respondeu, um pouco contragosto. Não gostava de falar com estranhos em um banheiro público. E, acima de tudo, ele estava cagando. 19:30 agora, para ser mais exato.

– Puta que pariu. Vou perder meu ônibus.

– Relaxa, senhor. Só pegar o próximo.

O velho riu fracamente, mas o som foi carregado de preocupação.

– Sim, mas minha esposa está me esperando.

Minha também, Nilton pensou, sentindo um gosto amargo na boca.

– E eu nunca me atraso. – O velho falou, quase como se estivesse justificando algo.

– Sei como é. – Nilton murmurou, sentindo-se distanciado, como se aquelas palavras não fossem dele.

O silêncio caiu de novo. E o relógio continuou sua marcha sem misericórdia, cada tic tac mais irritante, mais ameaçador. A barriga de Nilton ainda estava lá, se revirando, insistindo. Por que estava demorando tanto? Por que aquele peso?

Ele fechou os olhos por um segundo, sentindo o calor do suor começando a escorrer. Não era só o calor da merda que estava vindo. Era algo mais. Algo dentro dele. O velho do outro lado parecia ter desaparecido em suas próprias preocupações. Mas Nilton não conseguiu se livrar da sensação de que algo estava errado.

E foi então que ele ouviu de novo, a voz, mas desta vez ela soava diferente. Mais fraca. Arrastada.

– Amigo. Ainda está aí?

– Sim, porra. O que é?

O silêncio voltou, mas dessa vez era denso, sufocante. Algo no ar estava diferente.

– Amigo... – A voz do outro lado parecia cansada, lenta, como se estivesse se arrastando. – Desculpa amigo. Mas estou passando mal. Acho que vou morrer. Minhas vistas estão escurecendo. Por favor, me ajuda.

Nilton sentiu um calafrio. Ele apertou as pernas. Como assim, morrer? O que estava acontecendo? Ele olhou em volta, sentiu o suor na testa, mas não parou de fazer o que estava fazendo.

– Porra! Eu tô cagando! Como vou te ajudar assim?

A barriga ainda pesava, mas a sensação de urgência havia mudado. O velho estava com dificuldade para falar agora, e Nilton podia ouvir o cansaço em cada palavra.

– Colega...vista escurecendo...

A voz estava tão fraca, tão indefesa. Nilton sentiu o suor escorrendo por seu pescoço. Ele queria levantar. Precisava levantar. Mas estava preso àquela cadeira fria. E a dor na barriga não dava trégua. Ele hesitou por um momento, mas foi isso o que ele sempre fazia, não era? Hesitar, adiar. Ele sempre adiava tudo.

Ainda assim, pegou o celular com mãos trêmulas e conseguiu chamar o SAMU, mas não sabia se conseguiriam chegar a tempo. O velho estava morrendo ali, do outro lado da parede, e Nilton não podia fazer nada.

Ele ouviu um baque surdo, como se algo tivesse caído, ou alguém tivesse batido a cabeça na parede da baia. Nilton estremeceu.

O SAMU chegou rápido, como sempre. A sirene cortou a noite, mas já era tarde demais.

O homem estava morto.

Nilton não sabia o que fazer. Não sabia se deveria sair. Se deveria ir embora. Então, ele se levantou com dificuldade, a barriga ainda cheia de pesos e gases, e caminhou até o corpo. A maca estava sendo empurrada pelos paramédicos, mas Nilton sabia o que ia ver.

O rosto pálido e moribundo. Os olhos opacos, como se o homem já estivesse em outro lugar. Ele olhou mais de perto, e algo congelou dentro dele.

O homem era seu pai.

E Nilton... Nilton era socorrista.

Ele queria gritar, mas não podia. A casa. O casamento. Sua amante. Ele sentiu tudo se desintegrando, tudo desmoronando em um pesadelo sem fim. E ali, naquele banheiro de terminal rodoviário, Nilton percebeu que nada, absolutamente nada, poderia escapar do tempo. Nem mesmo a vida.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora