O CALMANTE

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Dizem que sou louca. Louca. Acho engraçado como as pessoas gostam de usar essa palavra quando não têm coragem de olhar mais de perto. Não é loucura quando um médico diz que o remédio vai ajudar e, na verdade, faz você sentir como se suas tripas estivessem queimando. Não é loucura quando políticos roubam tudo o que você tem e ainda sorriem na TV. Mas eu? Ah, eu sou louca.

Talvez seja mesmo.

Minha mãe era louca também, e antes dela, minha avó. Isso corre na família como uma veia de sangue negro. Mas não importa. Sei cuidar de mim mesma e, mais importante, sei cuidar de Albertina. O problema é que o mundo está cheio de idiotas que acham que sabem mais do que eu. Médicos, assistentes sociais, psicólogos. Todos uns filhos da puta com diplomas na parede e olhos vazios.

Minha casa é minha fortaleza. Uma velha chácara que pertenceu à minha mãe e à mãe dela antes disso. Aqui cultivo ervas. Plantas que curam, plantas que matam, plantas que fazem a mente dançar no limiar entre o sonho e o pesadelo. As pessoas vêm de longe para me procurar. Não sou curandeira, pelo amor de Deus. Isso é para charlatães com cristais e penduricalhos. Eu sou prática. Racional. A natureza nos dá tudo o que precisamos, desde que saibamos onde procurar.

Foi aqui que recebi o telefonema de Ulisses.

— Albertina está morrendo, Beth. — A voz dele estava trêmula, o que me deu um prazer amargo. Ele nunca havia soado tão desesperado em nossos treze anos de casamento.

— O que ela tem?

— Está tossindo muito. — Ele gaguejou, como um menino pego em flagrante. — Ela saiu para brincar na chuva e no dia seguinte começou a tossir sem parar. Até sangue, Beth. Ela tá tossindo sangue.

Meu coração apertou. Albertina. Minha Albertina.

— Levou ela ao médico?

— Claro que levei. Mas sabe como é hospital público. Receitaram uns xaropes e mandaram a gente pra casa. Só que não está funcionando. Ela tá piorando.

Eu ri. Não deveria ter rido, mas ri.

— Você deixa uma criança brincar na chuva e eu sou a louca? — disse, mas a culpa na voz dele já era punição suficiente.

— Só vem, Beth. Por favor.

Desliguei o telefone e fui. Peguei a velha Belina, a lata-velha que minha mãe chamava de "o único homem confiável da sua vida", e dirigi como se o diabo estivesse na minha cola. Quando cheguei, Albertina estava deitada no sofá, pequena demais sob o cobertor.

Fiz uma infusão de alcaçuz. Era simples, eficaz, o tipo de coisa que minha mãe me ensinara. Dei para ela em goles pequenos, e esperei.

No começo, ela tossia tanto que achei que fosse morrer ali mesmo, nas minhas mãos. Mas depois de algumas doses, começou a melhorar. A cor voltou ao seu rosto, e ela conseguiu dizer "mamãe" com a voz fraca. Meu coração quase explodiu.

Mas ela precisava de mais. Precisava vir comigo para a chácara, onde eu poderia cuidar dela longe dos olhos julgadores de Ulisses e do mundo.

Ulisses chegou no fim da tarde. Ele estava um caco, parecia mais velho do que eu me lembrava.

— E aí? Como ela tá?

— Melhorando. Mas precisa de mais tempo.

Ele respirou fundo, os ombros afundando.

— Eu... Eu nem sei como agradecer, Beth. — Ele hesitou, então deu um passo para mais perto. — Você é uma pessoa boa, sabia?

Ele levantou a mão, devagar, e tocou meu cabelo.

Eu congelei.

O toque era leve, quase carinhoso. Mas na minha mente, era como se uma serpente tivesse deslizado por meu couro cabeludo. O que ele achava que estava fazendo? Treze anos de inferno e agora queria o quê? Reconciliação? Redenção?

— Faz um chá pra mim? — ele pediu, e eu sorri. Um sorriso largo, quase sincero.

— Claro.

O chá ficou pronto em dez minutos. Era uma infusão simples, como a de Albertina, mas com um toque especial. Ulisses nunca prestara atenção no que eu fazia, nunca quis aprender sobre as ervas ou os perigos que elas carregavam.

Ele bebeu rápido, como se estivesse faminto.

— É bom — disse ele, colocando a xícara na mesa.

E então começou a suar.

— Tá... tá muito quente aqui, não tá?

Eu assisti enquanto ele tentava se levantar, mas suas pernas cederam. Ele caiu de joelhos, segurando o peito.

— Beth... O que...

— Você é hipertenso, Ulisses. Eu te avisei sobre o estresse.

Ele olhou para mim, os olhos arregalados, o rosto ficando roxo.

— O que... você fez?

— Dei o que você pediu. Um chá.

Ele morreu ali, no chão da sala, com os olhos ainda fixos em mim.

Coloquei Albertina no carro e dirigi de volta para a chácara. Ela dormia no banco de trás, respirando fundo e tranquila. Quando chegamos, a lua já estava alta no céu, iluminando as árvores como fantasmas.

Ela precisava de mim.

E agora, finalmente, eu poderia ser a mãe que sempre soube que era destinada a ser.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora