SOBREVIVÊNCIA BRUTAL

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O sol já havia se posto há horas, mas a cabana ainda estava banhada pela luz tremeluzente da fogueira. O fogo, que queimava com fúria no centro do pequeno acampamento improvisado, iluminava os rostos sujos e cansados dos sobreviventes, criando sombras grotescas que dançavam nas paredes de madeira desgastadas. O cheiro da fumaça se misturava ao fedor de carne podre e sangue seco. O cheiro da morte, que agora parecia ter se instalado permanentemente na vida deles.

Sarah, com seus cabelos grisalhos e o rosto marcado pelas cicatrizes do sofrimento, observava o grupo com olhos que já não tinham mais paciência para o desespero. Ela era a líder, não porque quisesse ser, mas porque não havia mais ninguém capaz de assumir esse papel. Os outros eram apenas fragmentos de uma humanidade que já tinha sido esmagada pela doença. Não falavam muito, como se o silêncio fosse a única coisa que ainda os conectava com o que restava de suas almas.

"Estamos perdendo tempo", ela disse, sua voz cortando a quietude como uma lâmina afiada. "Temos que continuar. Encontrar um lugar seguro, qualquer lugar."

Mas as palavras de Sarah caíam no ar sem um destino certo. O que restava de sua liderança estava desvanecendo, uma chama que resistia à ventania, mas com uma fragilidade visível. Eles sabiam disso, todos sabiam, mas ninguém ousava dizer.

David, o mais jovem do grupo, olhou para ela com uma mistura de respeito e medo. Tinha os olhos grandes, ainda cheios de uma ingenuidade que Sarah já havia perdido há muito tempo. Ele era um dos poucos que ainda parecia acreditar que havia algo além da luta diária, além dos infectados, das mortes, da podridão que engolira o mundo. Mas ele era jovem demais para entender que a esperança, aqui, era um luxo que poucos podiam pagar.

Sarah suspirou, cansada. Estava exausta, mas não podia se permitir parar. Não agora. Não nunca mais.

— Temos que seguir — ela disse com a voz mais baixa, mas ainda firme. — E, se Deus quiser, encontraremos algo que ainda valha a pena lutar.

Os outros se levantaram, um a um, com olhares vazios, como se o simples ato de se levantar fosse mais um peso insuportável. Cada passo que davam era um lembrete do que perderam, do que ainda estavam tentando proteger, mesmo que mal soubessem o que isso significava. Não havia mais qualquer tipo de civilização para voltar, e eles estavam todos apenas tentando evitar que a morte os alcançasse primeiro.

Mas antes que pudessem dar o primeiro passo, o som cortante da noite os congelou.

Os infectados.

O som era inconfundível. Gemidos guturais, um grito mudo e desumano que parecia surgir do próprio inferno. De repente, a escuridão ao redor deles estava viva. Vinha de todas as direções, rastejando, se arrastando, um exército de corpos disformes, não mais humanos, mas ecos de algo que havia sido humano um dia. O vírus os transformara em algo que não era mais possível de se compreender, algo que já não seguia as leis da natureza ou da moralidade.

Era tarde demais para correr. Eles sabiam disso.

O caos irrompeu como um pesadelo que se materializava diante deles. A fuga era desordenada, um frenesi de gritos e pés apressados, correndo em direções opostas, tentando escapar da inevitabilidade. O som das carnes sendo dilaceradas, das lâminas afiadas das presas e garras dos infectados, preenchia o ar, uma orquestra grotesca de morte. Os sobreviventes estavam perdendo mais do que seus corpos. Estavam perdendo a capacidade de lutar.

Quando o último grito se apagou e o silêncio que se seguiu parecia ser mais pesado que qualquer som, o que restava da pequena resistência humana eram apenas dois corpos sobreviventes. Sarah e David. Ambos ensopados em suor frio e sangue, com os olhos arregalados de terror e exaustão, mas vivos. E, de alguma forma, isso era tudo o que importava.

Eles se encararam, olhos vazios, sem palavras. A carnificina que haviam testemunhado parecia agora um filme que continuava a se projetar em suas mentes. Mas, como se o destino os tivesse amaldiçoado, eles sabiam que não podiam parar. Não podiam chorar. Não podiam lamentar. O mundo deles havia se transformado em uma terra de mortos-vivos, e aqueles que ainda respiravam estavam fadados a ser caçadores ou caça.

Sarah deu um passo para a frente, sem olhar para trás, sem mais esperança, mas com a compreensão de que precisava continuar, que precisavam continuar, mesmo que tudo ao redor fosse um abismo sem fim.

David seguiu-a, hesitante, mas com a coragem de quem já não tinha nada a perder. Eles desapareceram na escuridão da noite, pequenos pontos na imensidão de um mundo devastado, enquanto os infectados uivavam ao fundo, como se o próprio planeta estivesse morrendo com eles.

E a pandemia, com sua fome insaciável, continuava, implacável, avançando sobre tudo o que restava.

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