DESPEDIDA

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O telefone tocou e Marlene Alves deixou de prestar atenção na planilha de preços e tarifas na tela do seu computador para olhar o número exposto na tela que só podia ser do seu sobrinho.

Ela atendeu.

– Alô, Luan?

A resposta do outro lado veio acompanhada de rajadas de vento, como se Luan, de alguma forma não estivesse em casa. E isso de alguma forma não parecia bom para Marlene.

– Sim, tia...

Ela esperou, mas ele não disse mais nada. Então Marlene perguntou:

– Luan, onde você está e porque este barulho de vento? Resolveu ir à praia?

Ela tentou parecer descontraída, sua voz soando através de uma risadinha, como ela sempre gostava de fazer.

– Não, tia. A senhora sabe que não gosto de praia.

Isso era verdade. Luan era o único mineiro que não gostava de praia na opinião dela. Claro que isso não fazia sentido. Do mesmo modo como nem todo baiano gostava de farinha, não significava que mineiros fossem obrigados a gostar de praia, mas no caso de Luan, ele odiava o mar. Mas resolvera, por vontade própria, passar suas férias escolares na casa de Marlene, no litoral capixaba.

– Então você está aonde? – Disse ela, desta vez sua voz soando um pouco aguda e alta. Marlene levantou a cabeça e notou que alguns de seus colegas de trabalho estavam prestando atenção nela, inclusive Marcos. – Quero dizer, não está em casa?

Marlene desgrudou o celular do ouvido e quando a tela reacendeu, mostrava 9:17 AM em letras pequeninas no canto superior. Porque ele está me ligando a uma hora dessas, pensou ela. Ele sempre me liga as 11:30 AM em ponto para que eu possa dar instruções sobre como esquentar seu almoço.

Luan tinha 16 anos e estava no segundo ano do ensino médio. Não dava muito trabalho, mesmo quando ficava sozinho em casa, enquanto Marlene passava o dia todo fora trabalhando. Ela deixava o almoço do sobrinho pronto à noite e ele só precisava esquentar o prato no micro–ondas. Mas ele devia ligar sempre para ela lhe passar todas as instruções, caso fosse necessária.

Marlene era a tia que ele mais gostava e havia insistido para passar estas férias com ela. Marcia, achou boa ideia, porque Luan andava muito sozinho, grudado demais no celular e com o fone no ouvido. Passar um tempo com a tia e numa cidade diferente poderia ser bom para ele. Poderia até arrumar uma namoradinha. Já estava ficando na hora, todos brincavam.

Não veio resposta. Apenas o chiado gelado do vento.

Marcos ainda estava olhando para Marlene, agora um pouco irritado por ela está falando ao telefone dentro do escritório. Marlene estava com um dedo suprimindo sua têmpora e resistiu a ideia de revirar os olhos para seu Gerente Administrativo. Então, levantou–se comportadamente. Ajeitou a saia e deixou a sala de escritório com seu salto quebrando o silencio artificial que havia se instaurado no recinto, através do piso de linóleo. Dirigiu–se para o toalhete e quando olhou seu belo rosto no espelho, notou que havia uma lágrima brotando no canto do olho esquerdo. Ela franziu o cenho e as sobrancelhas finas que lhe conferiam um ar decidido, arquearam. Então pegou um lenço de papel e enxugou cuidadosamente a lágrima sem borrar a maquiagem.

Nada de resposta ainda. Apenas o chiado de vento e no fundo ela pensou ter escutado carros passando.

– Luan?

– Estou aqui tia. – Disse ele.

Marlene parou de se encarar no espelho e sem que se desse por conta, começou a andar de um lado para o outro dentro do toalhete apertado.

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