NO FINAL

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Júlio estava cansado de procurar. Perdendo as expectativas quando avistou outro armazém. Seu corpo estava exaurido, maltratado, e seu oxigênio estava acabando. Olhou no visor e havia apenas 10 minutos de autonomia. Ele sabia que não era o suficiente, mas talvez pudesse encontrar alguns insumos lá dentro. E comida principalmente. A quantos dias não comia direito? Havia se tornado uma caveira ambulante, depois que sua mãe desaparecera. Não só ele, mas todos que ele conhecia. Sobreviventes em um mundo sem vida.

Ele conhecia aquele armazém. Quantas vezes não tinha vindo a este lugar junto de sua mãe "coletar" alimentos. Ele conhecia o caminho até ali. Sua mãe lhe ensinara. Era a melhor coletora. A mata havia tomado grande parte dos prédios e ruas, mas ela nunca errava o caminho. Ele aprendera com a melhor. O mar havia recuado e agora era um vasto oceano negro e morto. Um dia ela saiu sozinha para coletar e nunca mais voltou. Ficou somente a saudade. Era melhor sentir saudade do que esperança naquele mundo vazio e morto. Tudo o que lhe restou tinha sido sua irmãzinha que ele havia deixado no abrigo junto de outros poucos sobreviventes, em sua maioria, tão novos quanto ele. Ninguém tinha mais de 14 anos. Na verdade, ninguém sobrevivia mais do que 25 ou 30 anos.

Antes de entrar no armazém, Júlio olhou para o Cristo Redentor, e chorou. Antes da queda, aquele monumento havia sido uma das sete maravilhas do mundo. Não era mais. No alto do corcovado agora havia um obelisco cinza e agourante...

Onde estava Deus? Por que ele havia permitido que aquilo acontece? Muitas perguntas, nenhuma resposta. Apenas a realidade sombria. Júlio nem era nascido. Foi sua mãe quem lhe contou, mas a queda acontecera muito tempo atrás antes dela nem mesmo sonhar em ter nascido também. Todos conheciam. Foi passado de geração para geração. Quantas? Ninguém sabe. O registro do passar dos anos não fazia mais importância. Mas todos os sobreviventes sabiam bem a história.

A queda aconteceu na América do Norte, afundando Nova York, mas seu pulso eletromagnético devastou o restante do planeta. Um verdadeiro Amagedom. Os mares cobriram os continentes, o dia virou noite, o inferno invadiu o mundo. O caos se instaurou. Um desastre que nem mesmo a NASA fora capaz de antecipar. A inteligência do homem falhara. E a humanidade sucumbira. Agora poucos restaram. Selecionados. Estes "remanescentes" viram o raiar de um novo dia, anos mais tarde.

Mas o pior ainda estava por vir. Ninguém sabe explicar, mas depois da queda, uma nuvem toxica surgiu para nunca mais desaparecer. Ela formava uma espécie de nevoeiro mortal que dizimou 95% daqueles que por um acaso, haviam sobrevivido ao impacto, a queda do asteroide. Ela havia se tornado o maior inimigo da humanidade, pois nunca desaparecera. Ela dizimou toda a vida da terra e ainda continuava a dizimar. Por isso Júlio não podia tirar a máscara de gás. Diziam que ela não matava imediatamente. Primeiro vinham as alucinações, o desespero, a loucura e só depois vinha a morte. Júlio não podia vacilar.

Foi rápido. Vasculhou o armazém. As prateleiras derrubadas, praticamente vazias. Pegou o necessário. Júlio pegava os itens e chorava, pois, estava acabando. Logo aquele armazém estaria totalmente exaurido. Assim como os inúmeros outros. Agora restavam poucos, escondido entre escombros, matas e lagos. Não podia levar mais do que podia carregar, já que não tinha meios de transportes disponíveis. Então encheu a mochila de produtos enlatados com data de validade a muito vencidas. Achou alguns produtos de higiene, mas não achou nem mascaras e nem tubos de oxigênio. Não iria conseguir.

Quando terminou e já saia pela rua carregando uma mochila mais pesada do que ele realmente poderia carregar avistou ela. Estava sentada num banco de pedra do outro lado da rua. Estava de costas para ele, olhando para um parquinho destruído. Mas ele sabia que era ela. Por causa do cabelo cobreado, a jaqueta jeans surrada.

Sua mãe.

Largou tudo e correu para os braços dela. Mas sua mãe desapareceu em meio a nevoa e Júlio se viu sozinho. A saudade era melhor do que a esperança. Tirou a máscara e se agarrou a lembrança de sua mãe. Se agarrou a saudade. Ela surgiu mais uma vez em sua frente. Sentada no banco de pedra. Estava olhando para o parquinho. Crianças brincavam, corriam pela areia, pés descalços, subiam e desciam por escorregadores e se balançavam em cadeirinhas de balanço. Sua mãe estava rindo. Como era linda. Júlio também sorriu.

Então seu pulmãosugou a última molécula de oxigênio, mas não houve dor, nem esperança ousaudade. No final lhe restou apenas o vazio.

SOMBRAS DA NOITEOnde histórias criam vida. Descubra agora