Tantos dias conversando, os papos aqueciam, mas eram respeitáveis e agradáveis, de uma certa maneira ele me sequestrou a atenção e me vi mergulhada na necessidade de trocar com ele. Porque era bom. Em meio a pandemia que parecia não acabar, eu presa por tantos motivos, meus pais doentes e eu com a responsabilidade de protegê-los, me via cada vez mais sozinha. As pessoas não queriam ouvir a voz da ciência que gritava aos quatro ventos a necessidade do isolamento, a marca do mês de abril de dois mil e vinte e um foi de quatrocentos mil mortos, e eu? Querendo distância dos humanos sem empatia.
Mas ele era diferente, e no aplicativo tínhamos uma distância de cem quilômetros. O que me desanimou um pouco, fico buscando sempre uma forma de auto sabotagem, uma mulher quando encontra a paz de alma, não busca amor, só sexo mesmo.
E os papos começaram a criar formas, e quando não aconteciam faziam falta.
Até que resolvemos nos encontrarmos, e onde seria o encontro, se bares e restaurantes, não eram frequentados por mim naqueles últimos dias? Ele me mandou a foto da casa dele. Uma casa no alto de uma montanha, localizado no município de Mendes. Pensei, será lá.
E passamos a semana conversando e fazendo planos para aquele fim de semana. Fui ao supermercado, comprei vinhos, capelete, ervilha, tudo para aquecer, já que a lareira me esperava.
Era chegada a hora do Organizador de eventos, enxadrista, campeão brasileiro de xadrez e árbitro internacional, encontrar a mulher das letras, a colunista de teatro, a lógica ia ao encontro da emoção. Isso foi o que nos impulsionou, as diferenças.
O aplicativo te oferece várias pessoas, e todos parecem querer mostrar o que não são. Isso cansa com o tempo.
Ele parecia acolher transparência, a verdadeira identidade, principalmente as ideológicas.
Até que ele chegou em uma kombi, toda decorada, a sensação é que eu estava indo para woodstook. Supertramp tocava quando entrei na kombi, lá estavam pintados na lataria do carro flores e símbolos do movimento. Na estrada, as pessoas buzinavam e mandavam tchauzinhos, riam e tiravam fotos. Morri de vergonha!
Segundo ele a Kombi resgata ideias que fizeram a diferença e até hoje o faz, através dos bons sentimentos.
Falando em símbolos, o paz e amor tem uma história linda. O bonito começou a mês explicar, mas óbvio que fui a procura.
Esse símbolo foi criando em 1958, pelo designer britânico Gerald Holtom (1914-1985). Basicamente, ele criou esse símbolo para a "Campanha do Desarmamento" (Campaign for Nuclear Disarmament – CND).
Esse sinal foi criado para servir como protesto contra a construção de armas nucleares na Inglaterra. Já que eles estavam diante um momento de pós-Segunda Guerra Mundial, em que os países estavam planejando dar início a uma corrida armamentista. Mas o símbolo pareceu criar vida própria.
Podemos citar o manifesto do movimento de contracultura que ocorreu nos Estados Unidos, no ano de 1960. Após isso, podemos dizer que esse símbolo passou a ser sinônimo e símbolo dos direitos civis. Além de representar a luta contra a opressão e a tirania em outras partes do planeta.
E, justamente, por ele (o criador) acreditar que esse símbolo representava as ideias e os sentimentos da população, acabou não registrando direitos da imagem. Tanto é que você pode perceber que esse símbolo se popularizou e se alastrou em quase todos os manifestos depois.
Paz e amor sempre, e onde quiserem tirar sua paz, corra!
E assim chegamos a Mendes!
Fiz pães e curtimos o final do dia juntos. Ele me apresentou a casa, que tinha uma enorme lareira central, me explicando que os tijolos e cimentos eram apropriados por isso não esquentavam, um bar de madeiras rusticas e na parede aqueles coadores de café utilizados, que ficou super bem, camas de alvenaria, janelas e portas enormes, a casa era coberta por eras, aquela planta que cobre a casa.
A enorme porta da sala dava de frente para uma montanha com um verde nativo, inesquecível.
Tinha um banco de madeira que mostrava um vale.
Inúmeros troféus e certificados de xadrez.
Fiz uma sangria e terminamos com ela em um colchão na sala, nos esquentando com a lareira acesa.
O sexo?
Nem muito, nem pouco, satisfatório!
A história dele me impactou, a mãe dos filhos foi embora, o deixou, dois filhos, três e sete anos.
E que parecem ser bem conectados, um dos filhos parece ser a cópia do pai, não fisicamente, mas comportamentalmente. Bonito de se ver!
O Símbolo também, da Sociedade alternativa esta na porta esquerda da Kombi. Este símbolo também tem história.
Imaginem que Raul e Paulo Coelho, fundaram a sociedade aqui no Brasil após conhecerem ao Thelema desenvolvida Alesteir Crowley em 1900. A lei de Thelema é "Fazes o que tu queres, há de ser o todo da Lei. O amor é a lei, amor sob vontade."
No papel a sociedade alternativa foi registrada para a promoção de eventos em gerais como teatro, seminários, filmes, programas de tv, entre outros. Raul dizia que ela pretendia construir uma comunidade alternativa em Minas Gerais, isso tudo seguindo a filosofia de Thelema. Porém, a ideia não foi para frente. Na época do Governo Militar, Raul e Paulo foram exilados para fora do país e posteriormente a sociedade alternativa do papel foi desmanchada.
No sábado saímos para caminhar, e paramos em um birosca, tinha dois homens na porta lateral, homens do interior que não tinham problemas em saudar aos que chegavam.
Tinham vários sítios em volta, a cerveja super gelada e cavalos sendo adestrados. Haviam flores em todo percurso, de cores e belezas que fizeram valer a caminhada.
Estava frio.
Ao chegarmos após uma caminha da quatro quilômetros, fiz um espaguete com atum e berinjela. Juntos arrumamos a mesa fora da casa, com uma garrafa de vinho como jarro para uma flor em um tom laranja e vermelho, as taças e um decanter, com um bom vinho.
Escutamos Bossa, na voz da Nara Leão. Um dos momentos mais belos durante a pandemia, havia paz, silêncio e eu estava longe do medo.
Apenas ouvia o bater de asas do beija-flor que se aproximava, ele era marrom com asas brancas.
Ao nos aproximarmos do pé de pitanga, a cambaxirra brigava através de pios agoniados, defendendo o seu ninho.
Se o mundo parasse naquele momento, confesso que eu morreria em paz e feliz.
Quanto a ele, o que dizer?
Gratidão, admiração ou cuidado. Porque pessoas assim, deve-se cuidar, porque são poucas, raras, quase extintas.
Para a Patrícia foi uma passagem, mas para ele a moradia.
Aqui a internet é rural.
E de alguma forma ele entendeu meu corpo, o funcionamento dele.
Quanto ao futuro, não vou perder tempo em pensar nisso, mas seja o que for, será bom ao lado dele, afinal de estrada o motociclista entende bem!