Capítulo 8

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Era a primeira vez em muito tempo que eu não acordava no meio da madrugada. Era por volta das sete quando me levantei e me aprontei para o dia, respirando fundo enquanto pensava no estresse que seria ter que ficar perto daquele traidor.

Tinha acabado de entrar no Chevelle quando meu celular tocou.

– Bobby?

– Está acordada?

– Sim, tava prestes a voltar pra sua casa.

– Não volte, preciso de um favor.

– Okay – pestanejei algumas vezes. – Diga.

– Tem alguma coisa estranha acontecendo. Olivia Lowry, aquela minha amiga caçadora, ela não tá atendendo o telefone, e ela não costuma ignorar minhas ligações. Tem outros caçadores conhecidos meus que também não estão atendendo o telefone e precisamos nos separar pra descobrir o que tá acontecendo. Preciso que verifique algumas pessoas pra mim.

– Beleza. Me manda os endereços.

Na estrada novamente, cruzando estados. Seria mais de um dia de viagem, ida e volta, mas era trabalho, ao que parecia.

A primeira casa onde passei, para ver um velho conhecido de Bobby, não tinha uma boa aparência. O peito do pobre coitado havia sido destruído de dentro pra fora e o cheiro de decomposição apenas piorava com aquele calor danado.

Saí de lá quase botando meu café da manhã pra fora. Não havia sinal de enxofre, mas haviam linhas de sal, e o caçador havia usado cartuchos com sal, também, o que me levava a crer que se tratava de fantasmas.

A segunda casa, de um casal de caçadores, estava ainda pior. A luta entre eles e o fantasma, ou fantasmas, havia sido bem feia, redecorando as paredes.

Reportei as três mortes para a polícia antes de ligar para Bobby, a fim de descobrir se haviam encontrado outros sobreviventes, mas Bobby não estava atendendo, então liguei para Dean para ter notícias.

– Ele também não tá atendendo as minhas ligações, a gente tá voltando pra lá. Onde você tá?

– Tô a caminho, a uma hora de distância.

– Tá, a gente tá mais perto. Traz a sua espingarda de sal quando chegar.

– Beleza – desliguei.

Eu estava começando a ficar ansiosa. Bobby não atender nenhuma ligação era péssimo sinal, já que ele estava sempre pronto para qualquer coisa.

Dirigi o mais rápido que pude noite adentro até voltar para Sioux Falls. Assim que estacionei, peguei minha espingarda do porta-malas e a carreguei com balas de sal já prontas. Deixei minha faca de prata lá e peguei o facão de ferro puro, que eu quase nunca usava, e entrei pelos fundos, na surdina, com o facão em mão, pronto para ser usado a qualquer momento.

Entrei na cozinha, onde não havia sinal de ninguém por perto, e saí procurando pela sala de estar. Não havia nenhum barulho ali, nem no andar de cima.

Então a temperatura caiu drasticamente de repente. Certo, já sabia com o que estávamos lidando. A questão era: por que assim e por que agora?

– Oi, filha.

Eu paralisei ao ouvir aquela voz. Não podia ser. Ele estava morto há tanto tempo.

Me virei para ver, descrente, Charlie atrás de mim. Pálido, como qualquer morto estaria, e com um sorriso triste.

– Oi, pai.

– Filha, por que não fez o que James mandou fazer?

– Por que você...?

– Se tivesse feito o que ele mandou, sua mãe e eu ainda estaríamos vivos. Agora estamos mortos por sua culpa.

Engoli a seco. Eu sabia que a morte deles era culpa minha, mas eu também conhecia o meu pai. Charlie nunca diria aquelas coisas.

– Por que não se afastou daquele bando de aberrações, Bella? Por que não me contou nada? Não se importava comigo?

– Eu me importava, pai – engoli a seco. – Eu sempre me importei.

– Mas nos deixou pra morrer.

– Não, pai, eu tentei salvar vocês, eu juro.

– Não tentou o suficiente – ele começou a se aproximar. – E agora eu tô morto, Bells, depois de uma vida mal vivida e infeliz. Como pôde fazer isso comigo?

Quando Charlie avançou, fazendo menção de segurar o meu pescoço, eu instintivamente cortei seu braço com o facão de ferro, seu fantasma desaparecendo no ar à minha frente.

Eu não parei para pensar em nada, sabia que aquilo não seria o suficiente para pará-lo. O problema era que ele, assim como mamãe, foram cremados. Não restava nada para salgar e queimar, então como eu mandaria ele pro descanso?

Desci as escadas correndo, indo para a cozinha e procurando por sal grosso. Foi quando ouvi um barulho de carro do lado de fora e saí para verificar.

– Achou o Bobby? – Dean perguntou.

– Não, ele não tá em nenhum canto da casa.

– Meu Deus do céu, o que é que tá rolando?! – olhou ao redor. – Vou ligar pra ele de novo – disse enquanto pegava o celular.

– Vou procurar por ele aqui fora – Sam saiu do carro, pegando uma lanterna no porta-malas do Impala e começando a andar em meio aos carros velhos.

– Ele não tá atendendo – Dean se irritou, guardando o celular. – O que foi? Cê tá bem? Você viu um?

– Vi – engoli a seco. – Lá dentro.

– Quem apareceu pra você?

– O Charlie – desviei o olhar.

– Eu sinto muito.

– Esquece isso. Vai com o Sam procurar o Bobby. Vou levar as nossas coisas pro quarto do pânico.

– Tá bem.

Voltei para dentro, ainda temendo dar de cara com Charlie, e levei sal grosso para o quarto do pânico, no portão. Quando voltei para o andar de cima, na biblioteca, a fim de procurar por alguns livros de Bobby, dei de cara com Renée ao lado de Charlie.

– Ah, meu bebê – ela sorriu. – Por que nos largou pra morrer?

– Eu não larguei, mãe – respirei fundo, me esforçando para não chorar.

– Se tivesse sido mais esperta, não teria andado com vampiros, querida. Mas você nunca foi muito esperta né?

– Não fala assim comigo, por favor.

– Sua mãe tá certa, Bella – Charlie me encarou. – Pra quê se tornou caçadora, afinal de contas? Não pôde salvar sua própria família e acha que salvar as famílias dos outros vai compensar isso?

Eu tentei ignorá-los enquanto procurava algumas versões específicas da Bíblia. Bobby havia me dito certa vez que havia uma versão obscura dela com conteúdo diferente em comparação às versões as quais tínhamos acesso, mas eu nunca tinha cogitado ler aquela versão, já que eu não compreendia a língua em que foi escrita. Eu não tinha parado para pensar naquilo até aquele momento.

Porque se Lilith estava rompendo selos, aquilo com certeza era coisa dela, e com certeza era um problema de proporções bíblicas.

– Vai mesmo nos ignorar? – Renée perguntou, se aproximando. – Eu abri mão de uma vida pra criar você, garota! Morri por culpa sua e é assim que vai me tratar?!

Um tiro foi disparado contra ela. Dean havia chegado antes de ela se aproximar demais, e atirou em Charlie também. Bobby e Sam apareceram logo atrás.

– Cê tá bem? – Dean perguntou.

– Tô. Bobby, onde tá aquela Bíblia que você me falou? A versão sinistra em língua estrangeira que eu não li?

– Você pensou a mesma coisa que eu, né? – ele riu um pouco, procurando em suas gavetas. – Ah, aqui – pegou, me mostrando. – Vamos levar mais alguns – pegou outros livros espalhados entre estantes e empilhados no chão. – Vamos pro quarto do pânico antes que mais alguém apareça.

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