Capítulo 2

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algum demônio já fez vocês chorarem? não? pois vão chorar com um demônio hoje!

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Santa Maria, Mãe de Deus... Tenha dó de mim, por favor.

Encarei meu reflexo na bacia de água que havia usado para lavar minhas mãos e me purificar. Coloquei o rosário em meu pescoço, respirando fundo, tentando reencontrar a minha fé. Não era por mim, era por ele. Era por saber que se eu conseguisse respostas, ele poderia ser salvo.

Porque havia uma maldita burocracia divina que não permitia a qualquer um ser resgatado do Inferno. Era preciso um motivo legítimo e importante para que algum anjo resgatasse uma alma da danação eterna. Se o demônio na sala ao lado não nos desse respostas plausíveis, Dean continuaria lá e eu não sabia como lidaria com isso.

– Reza comigo? – olhei para Castiel, que assentiu e segurou minhas mãos.

Baixamos nossas cabeças enquanto rezávamos o Credo dos Apóstolos, esperando, de alguma forma, que aquilo me ajudasse a reencontrar a fé perdida que eu precisava naquele momento angustiante.

Respirei fundo enquanto Castiel fazia o sinal da cruz em minha testa.

– Que o Pai te acompanhe, irmã. Boa sorte. Buscarei revelações.

E antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta, ele bateu suas asas e sumiu.

Ótimo, tudo que eu precisava era ficar a sós com um demônio.

Engoli a seco, me encaminhando até a porta e abrindo. O demônio estava preso a um pentagrama, dentro de uma armadilha em enoquiano, então ele não poderia sair dali de nenhuma forma nem que tentasse.

– Ah, que ótimo! – o demônio revirou os olhos. – Tudo que eu precisava era de você enchendo o meu saco. Só me manda logo pro inferno, faz favor?

– Eu não estou aqui para te mandar pro inferno – peguei uma cadeira próxima, me sentando de frente para ele.

– É? E vai fazer o que? Me torturar e me matar?

– Também não.

O demônio pestanejou confuso.

– O que é isso? Algum tipo de truque?

– Não há nenhum truque aqui. Eu quero respostas para algumas perguntas, e nada além disso. Se você me der o que eu quero, respostas honestas, posso lhe oferecer algo que ninguém mais vai oferecer.

– É mesmo? E o que seria isso?

– Salvação.

Ele semicerrou os olhos, me encarando de nariz empinado.

– Você não tem autoridade pra isso.

– Eu tenho. Eu sou uma Santa. Anjos não salvarão você, eles só tem interesse em exterminar a sua raça, mas eu sei que você, um dia, já foi humano. Sei que foi para o Inferno, e que muito provavelmente foi torturado até se tornar o que é hoje. Acertei?

– Você tá bem espertinha... – desviou o olhar. – Mas você não pode me salvar. Eu não quero ser salvo.

– É mesmo? Então você gosta de servir à Lilith?

A criatura riu, talvez sem graça, talvez de nervoso.

– Por que não começa logo a me torturar, hein?

– Eu já disse, eu não vou te torturar, ninguém vai. Se me der as respostas que eu preciso, e se assim quiser, eu pretendo salvar a sua alma.

– Você é uma idiota – ele me encarou. – Se aliando à anjos, achando que isso é uma coisa boa. Anjos não se importam com a gente.

– Eu sei.

– Sabe? – arqueou as sobrancelhas.

– Sim. Percebi isso no pior momento possível.

– Ah, sei, quando seu marido virou comida de cachorro, né? Tsc. Que pena – sorriu. – Mas se mesmo assim continua servindo a esse bando de imbecis, você tá bem ferrada, irmã – brincou. – Tá cavando a própria cova e ela tá cada vez mais funda.

– Eu não tenho escolha. Eu sou obrigada a servi-los, assim como você é obrigado a servir ao inferno, independente do chefe, não é? Mas, diferente de mim, você ainda pode se livrar deles. Pode ir pro Céu, longe disso tudo. Não gostaria de viver em paz no seu próprio pedaço do paraíso?

– Você tá falando sério mesmo? – me encarou.

– Tô. Tudo o que precisa fazer é me dizer o que sabe e se arrepender dos seus pecados para que sua alma seja purificada e aceita no paraíso, pra que Deus te aceite.

– Se eu te contar e você não me salvar, Lilith vai acabar comigo.

– Eu imagino que sim, e se ela não chegar em você primeiro, os anjos vão, então acho que se você quiser sair daqui vivo, inteiro, com passagem só de ida pro paraíso, vai ter que confiar em mim, não é?

– E por que eu faria isso?

– Porque, acredite ou não, eu sou a única pessoa no universo que se importa com o que vai acontecer com você daqui pra frente. Você sabe o que os anjos são capazes de fazer, ou que os demônios são capazes. Eu não tô aqui pra te torturar, eu não tô aqui pra te matar. Tudo o que eu quero é salvar o homem que eu amo, de alguma forma. Você já foi humano. Pode compreender meu desespero?

Ele desviou o olhar, suspirando. Eu podia sentir uma onda de melancolia vindo dele, um sentimento de perda que parecia lhe corroer por dentro, por debaixo de toda as camadas de raiva, frustração e medo.

– O que te levou ao inferno, Alec? Foi azar ou um pacto?

– Como sabe o meu nome? – ele me olhou assustado.

– Apenas sei – dei de ombros.

– É? Em que lugar eu nasci, em qual ano?

Eu o encarei por um tempo, procurando as respostas enquanto lia sua alma.

– Brooklyn, Nova Iorque, em 1917 – respondi. – Seus pais, James e Natalia, morreram pouco depois do seu nascimento, em um incêndio, e você foi criado pela sua avó, uma mulher russa cuja vida foi marcada por tragédias. Você serviu no exército durante a Segunda Guerra Mundial... – ele arregalou os olhos. – Onde conheceu o amor da sua vida.

– Chega – ele baixou a cabeça. – Para.

– Tudo bem. Gostaria de continuar? Gostaria de dizer o que te fez ir pro inferno?

Ele parecia... Envergonhado. Eu não conseguia entender o motivo de ele ter vergonha daquilo, já que não havia nada de errado em dois homens se amarem, mas considerei os tempos e a sociedade da época, tão hipócrita quanto a sociedade onde nos encontrávamos agora.

– Não gostaria de se encontrar com ele lá em cima?

– Como sabe que ele está lá em cima? – perguntou com os olhos marejados.

– Ele me pareceu ser um homem bom, honesto, que não matava porque tinha prazer, mas matava porque tinha medo de morrer.

– Ele estava morrendo de pneumonia – seu queixo começou a tremer. – E eu rezei tanto! Rezei tanto por um milagre e ninguém veio! Deus não me ouviu, nem anjo nenhum! Eu disse que daria qualquer coisa para que ele se curasse, que faria qualquer coisa, que trocaria a minha vida pela dele, se eu pudesse...! E então ele apareceu. O demônio dos olhos vermelhos, me oferecendo a salvação do Anthony. Tudo o que eu precisava fazer era dar a minha alma, e eu não pensei duas vezes – ele fungou. – Eu fiz o pacto, Anthony foi salvo, e eu teria mais dez anos de vida.

Havia algo mais, algo mais que ele não queria falar. Algo que lhe doía muito.

– Quando a guerra acabou e voltamos pra casa... Eu comecei a pensar em como seria se pudéssemos... Viver juntos. Como um casal de verdade. Foi a coisa mais idiota que eu fiz, ter ido morar com ele.

– Por que?

– Porque invadiram a nossa casa... – ele fechou os olhos por um momento. – E mataram ele. E tentaram me matar. Devem ter pensado que conseguiram, porque foram embora depois de um tempo – engoliu a seco. – E eu queria que tivessem terminado o serviço – suas lágrimas começaram a descer. – Eu queria ter morrido ali mesmo.

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