Capítulo 28

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Os dias se passavam como flashes na minha cabeça.

Eu deveria assumir a igreja de Kellan, e não conseguia. Toda vez que eu chegava perto da porta de casa, eu sentia um soco em meu estômago e recuava. Toda vez que ameaçava segurar a maçaneta, eu me lembrava dos gritos e do sangue em mim, e me afastava para longe.

Mas o pior eram os pesadelos.

Eu tentava não dormir, sabendo que sempre que eu dormisse, minha cabeça seria tomada por Alastair de novo. Mesmo morto ele continuava me paralisando. Anna me ajudava como podia, afugentando os pesadelos, mas ela não podia consertar o que não estava quebrado. Minha cabeça não tinha conserto.

Era com Dean que ela precisava se preocupar, não comigo. Era a cabeça dele que me preocupava, porque ele também tinha pesadelos com Alastair e eu não fazia ideia do tamanho do estrago.

Ter ficado refém daquela coisa por dois dias tinha sido a pior coisa que me aconteceu, mas eu nem conseguia imaginar o inferno que devia ter sido para Dean passar quarenta anos inteiros sendo torturado por aquela coisa.

Nenhum de nós conseguia falar sobre o que Alastair fez conosco. Nós precisávamos falar, e não conseguíamos, então eu escrevia. Voltei a escrever meu diário de caçadora, coisa que eu não fazia havia muito tempo e escrevia para que Charlie lesse um dia.

Um dia, quando tudo isso tivesse acabado, deixaria ela ler.

Ocupava meus dias atualizando meu diário e com estudos bíblicos, aprendendo a ler e escrever enoquiano com Anna.

O que realmente estava tirando o nosso sono era o fato de Lilith ter rompido 65 selos e parado. Parado subitamente e se escondido ainda mais, ao que parecia.

Por meses não tínhamos notícias dela. Apenas presságios de demônios comuns no país, e outros casos envolvendo monstros variados, mas nada de Lilith, o que estava deixando Sam cada vez mais apreensivo.

Vez ou outra os fiéis de Kellan apareciam, buscando respostas, e eu dizia que não sabia onde ele estava. Não sabia o que seria feito da igreja, mas não conseguia sair de casa para ver como ela estava.

E ir à consultas era um problema, também. Só conseguia ir quando Anna me teleportava, e mesmo com Dean segurando minha mão o tempo todo, estar naquele ambiente me deixava nervosa.

Estar em uma daquelas macas me deixava apreensiva. A cada movimento da médica, eu achava que ela ia me cortar ou que faria algo com o Dean. Ele percebia toda vez, e tentava me assegurar de que estava tudo bem...

Mas o medo... Já estava enraizado fundo demais dentro de mim.

Luzes brancas me deixavam nervosa. Andar em corredores me deixava tonta, me fazia ver e ouvir coisas que eu sabia que só estavam na minha cabeça, porque Anna e Dean me diriam se estivessem lá.

O que me mantinha sã, ou ao menos me ajudava a ficar perto de estar sã, era Charlie. Me lembro do susto que tomei quando ela chutou pela primeira vez. Achei que alguma coisa estava errada comigo, e então entendi o que estava acontecendo.

Conforme ela crescia, mais eu sentia seus chutes. Dean, como o grande babão que era, ficava deitado comigo, falando com Charlie, esperando que ela chutasse sua mão, o que quase sempre acontecia. Castiel, também, conversava muito com ela.

Ela era nossa.

E quanto mais ela crescia, mais desconfortável eu me sentia com o meu próprio corpo. Estava mais pesada, mais devagar, e alguns cheiros continuavam me enjoando. Eu não suportava mais os perfumes que Dean usava e no fim, ele abriu mão do uso de todos eles. Subir e descer as escadas para a biblioteca era uma tarefa irritante. Mesmo que Anna me ajudasse com a maioria do desconforto, havia coisas que ela não podia remediar para mim.

O natal então veio. Conforme no ano anterior, nós decidimos preparar uma ceia. Na verdade, Sam e Dean prepararam, pois eu mal conseguia ficar acordada. Estava sempre cansada, sempre dormindo ou no ombro de Anna ou no ombro de Castiel.

Convidamos Bobby, Ellen e Jo para passarem a data conosco, e, daquela vez, eles vieram. Seria nosso primeiro natal em família sem precisar nos preocuparmos com a morte iminente do Dean, e Charlie logo chegaria.

Era meu segundo natal sem meus pais e meu primeiro sem poder ligar para os Cullens. Tentei não pensar nisso naquela noite, mas, malditos hormônios, não cooperavam.

– Você está bem? – Castiel se sentou ao meu lado, me abraçando.

– Sim, são só hormônios – sorri para tentar disfarçar.

– Há algo que eu possa fazer para que se sinta melhor?

Pode trazê-los de volta para que eu os veja uma última vez?

– Não. Só de você estar aqui já é o suficiente – segurei sua mão, me aninhando com ele no sofá para me manter quente.

A neve lá fora caía em um espesso tapete branco, cobrindo tudo. A lareira da sala de estar estava a todo vapor.

Dean estava orgulhoso da ceia que havia preparado aquele ano, e é claro, de sua torta de chocolate, que exibiu como um troféu, deixando-a na bancada para todos verem. Nos sentamos à mesa para comer e beber, mas a verdade era que eu nem conseguia comer muito.

Era bom ver todos inteiros e felizes, ao menos por um momento. Mesmo Anna e Castiel, que não comiam por não precisar, ficaram lá conosco por algum tempo.

O que me surpreendeu foi o fato de Castiel e Anna trazerem presentes para nós. Haviam comprado presentes até mesmo para Charlie, o que me fez perguntar a Anna se ela havia comprado com ele, já que Castiel definitivamente não tinha dinheiro.

– Eu só paguei, quem escolheu foi ele – ela confessou.

Castiel havia comprado uma abelha de pelúcia para Charlie, o que eu achei a maior graça. Ele podia passar horas falando sobre como gostava das abelhas e sua admiração por elas era fofinha, engraçada, até. Anna havia comprado um cachorrinho de pelúcia marrom.

A ceia ocorreu bem, eu mais cochilei do que conversei com todo mundo, com direito à Charlie me chutando pra caramba e me acordando vez ou outra. Castiel falou com ela, de alguma forma que eu não entendia, e, de acordo com ele, ela só estava se esticando porque estava ficando sem espaço ''lá dentro''.

O ano estava acabando novamente e não tínhamos planos além de ficar em casa. Mesmo Sam acabou dando um tempo em suas caçadas com Ruby porque não havia pistas novas de Lilith para seguir.

Estávamos todos ansiosos e nervosos em meio à quietude, com medo do ano que viria, e sem saber o que mais poderíamos fazer.

De mãos atadas.


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