Capítulo 3

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Eu nunca pensei que chegaria um momento em minha vida em que eu sentiria pena de um demônio. Nunca, em todos aqueles meses, em nenhum momento aquilo havia ocorrido. Mesmo quando Ruby disse a Sam que tinha sido humana, que se lembrava de como era, eu não estava convencida, porque não via humanidade nela.

Mas via humanidade em Alec, e isso me assustava. Eu precisava continuar.

– O que houve depois?

– Eu estourei meus miolos – ele sorriu debilmente, me encarando. – E fui direto pro inferno, como eu merecia.

– Você não merecia isso, Alec.

– Anthony teria vivido uma vida longa e feliz se eu não tivesse sido idiota.

– Não é culpa sua, e nem dele, que aquelas pessoas tenham feito aquilo. O sangue dele não está em suas mãos.

– Talvez não. Mas o de milhares de outros está. Eu passei tanto tempo no inferno, só... Sendo retalhado, fatiado... Deixei que fizessem comigo o que quisessem. Eu não tinha mais motivos pra tentar lutar. Então Lilith me encontrou. Disse que me queria no exército dela e que me daria quantas vinganças eu quisesse se só a servisse bem, mas nada que eu fiz até agora preencheu o vazio que o Anthony deixou. Só...

– Piorou tudo – concluí, e ele concordou. – Na noite em que... Na noite em que fomos atrás dela, onde você estava?

– Eu estava esperando vocês chegarem na cidade. Era pra eu ter matado vocês, mas quando vi o que fizeram com os três otários que alcançaram vocês primeiro, eu simplesmente... – deu de ombros. – Eu me cansei. Eu fugi e estava me escondendo da Lilith, isso até o anjinho de sobretudo me achar. Estava esperando que ele me matasse, mas você entrou na sala... – sorriu triste. – Se quer saber, falar sobre isso de novo foi pior que qualquer tortura do inferno.

– Eu sinto muito, Alec.

– É, claro que sente. Sabe exatamente como é ver o amor da sua vida morrer sem poder fazer nada. Se eu te contar os planos dela... – chamou minha atenção. – Precisa me prometer que vai acabar com a raça dela. Precisa me prometer que vai fazer tudo o que puder pra exterminar aquela bruxa e os seguidores dela, tá entendendo?

– Eu prometo – assenti. – É o que eu mais quero.

– Não faça eu me arrepender disso – franziu o cenho. – Ela precisa romper selos. Não sei muito sobre eles, ela nunca me contou muita coisa, mas sei que ao menos 66 selos precisam ser rompidos pra que ela consiga algo que está planejando. O primeiro selo consiste de um homem justo derramando sangue no inferno.

– Como assim?

– Um homem justo deixar de ser torturado e se tornar um torturador. Quando isso acontecer, o primeiro selo se rompe. É só o que eu sei.

Eu não entendia. Seguindo a lógica do que ele acabara de me dizer, ele próprio poderia ter rompido o tal selo tempos antes. Por que Lilith queria especificamente que Dean para isso?

Me levantei da cadeira, respirando fundo.

– Obrigada. Por me contar isso, e por me deixar conhecer você.

– Apenas acaba logo comigo.

– Eu lhe prometi salvação, Alec – franzi o cenho. – Não posso fazer nada a respeito do que aconteceu décadas atrás, mas ainda posso mudar o que vai acontecer com você agora. Responda com a verdade em seu coração – me aproximei dele, dentro da armadilha enoquiana. – Você se arrepende dos males que causou em vida?

Alec fechou os olhos, baixando a cabeça.

– Sim – respondeu com um fio de voz.

– Se arrepende dos males que causou enquanto um demônio, no Inferno e na Terra?

– Sim – ele assentiu.

– Você concede perdão a todos que falharam com você, inclusive a si mesmo?

Aquela era, talvez, a parte mais difícil.

– Precisa se perdoar – o fitei de perto. – Precisa deixar isso pra trás. Anthony está em paz há muito tempo. Está na hora de você encontrar a sua, não acha?

– Tem muito... Muito sangue em minhas mãos. Eu não sei se conseguirei limpar.

– Perdoe, Alec. Perdoe os que não sabiam o que faziam, perdoe a si mesmo. Eu entendo que seja difícil, porque, caramba, eu entendo o que é ter alguém tomado da gente com tanta violência, ainda que por motivos diferentes. Mas talvez, no final, esse ódio não tenha utilidade nenhuma pra gente, né? Meu ódio a Lilith não me levou até ela, não me ajudou a tirar o meu marido do inferno, mas eu tô cansada de me sentir assim. Porque é cansativo, não é?

Ele assentiu, engolindo a seco.

– Quando chegar a hora de você voltar a este mundo, você terá a sua chance de o recompensar pelos males que causou.

– Mesmo? – ergueu a cabeça, me encarando.

– Mesmo – assenti.

Ele fechou os olhos, respirando fundo, e por fim, assentindo.

Ergui minhas mãos sobre sua cabeça, respirando fundo enquanto sentia a energia fluir de mim para ele em oração.

– Maria, mãe de Deus, tende piedade dessa alma que receberá em teus braços. Perdoe suas transgressões, seus pecados. Toma este filho sob tua proteção, de braços abertos, como recebeste tantos outros que precisam de misericórdia e consolo. Mostre a ele o caminho da luz e permita que Alec seja recebido no reino dos céus como um filho de Deus digno de redenção e de amor. Em nome do Pai – ergui minha mão, começando a fazer o sinal da cruz. – Do Filho, e do Espírito Santo. Vá em paz, Alec – afaguei seu rosto por um momento, um rosto que não queimava sob o meu toque.

Me afastei por um momento enquanto uma brilhante e acalentadora luz dourada brilhava sobre ele. Maria estava o recebendo de braços abertos com todo o seu amor, e eu podia sentir que sua mão estava ali, sobre nós.

Eu não percebi que estava chorando até meus olhos se embaçarem. Eu logo comecei a soluçar como uma criança, uma estranha sensação de alívio em meu peito, como se um peso tivesse sido tirado de mim.

Quando a luz se apagou, e o calor se foi, Alec não respirava mais. Logo ouvi o barulho de chuva caindo lá fora.

Eu havia mesmo conseguido?

– Meus parabéns.

Me virei para ver Castiel, que se levantava. Estava ajoelhado antes?

– Você tão foi pura em seu desejo de salvá-lo que a própria Santíssima Virgem veio buscá-lo – ele sorriu. – E se quer saber, isso é uma coisa impressionante. Poucos santos conseguiram tocar o coração da Santíssima dessa forma em todos esses anos. Ela está tão emocionada que até começou a chover – se aproximou de mim. – Conseguiu converter um condenado e o salvar, e restaurou sua fé, irmã – ele pôs uma mão em meu ombro. – Estou orgulhoso de você, Isabella.

– Obrigada. Poderia me ajudar a tirá-lo dali? – me referi ao corpo preso na armadilha enoquiana.

– É claro.

E enquanto desprendíamos o corpo, eu informei Castiel de tudo que Alec havia me contado a respeito do que Lilith planejava. Castiel parecia ter visto um fantasma.

– Preciso ir imediatamente – disse sem me dar mais explicações, sumindo no ar.

Senti meu estômago se embrulhar. Castiel nunca se assustava com nada. Aquilo não poderia ser bom sinal.

De qualquer forma, me restava levar sozinha o corpo de Alec para o meu porta-malas para enterrá-lo na mata mais próxima que encontrasse e desse descanso ao corpo com pelo menos uma oração.

''O que será que ele vai fazer?''.

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