Setembro, 1821.
— Está dizendo que pretende voltar para casa por causa de uma garota? Você é cheio de surpresas – Declarou Matt, com a boca cheia de biscoito.
— Não – Thomas fez uma careta, retirando mais uma fornada e colocando-a sobre o balcão – Não exatamente.
O outro ergueu as sobrancelhas.
— Você está há sete anos longe de casa, por que não voltou antes?
Ele franziu a testa.
— Eu não podia, ainda.
— Não podia?
— Não até eu estar preparado. E com a guerra, a possibilidade teve que ser adiada.
Matthew deu de ombros, concordando.
Os dois dividiam a mesma propriedade, cada um contribuía com uma mesma quantidade para pagar o aluguel e manter a despesa. Faziam isso há quase um ano, tinham uma boa convivência e eram cuidadosos com o lar.Cada um tinha suas responsabilidades e compromissos, de modo que se viam apenas pela manhã ou de noite, quando voltavam para casa. Mas havia, claro, algumas exceções, como esta, pois era feriado em Whibaymatch. Puderam desfrutar da calmaria de seus aposentos sem ter que comparecer em alguma reunião ou evento.
— E você está certo de que será bem recebido...
— Claro que sim. Não sou nenhum nobre importante ou algo assim, mas eu tenho pessoas que me amam.
Matt ergueu o olhar para encará-lo.
— Um total de três pessoas?
— Não esqueça dos Klent, eles também possuem um carinho enorme por mim.
— A família da sua prometida?
Tom voltou a encarar os biscoitos.
— Acho que esses aqui passaram do ponto, e sim, eu era muito próximo da família de Faith.
— Faith?
Ele assentiu.
O outro começou a gesticular enquanto falava, de modo teatral.
— "Faith", deixe-me analisar... – O homem passou a mão no queixo, pensativo – Ela deve ser pequena, doce e tímida. Estou certo?
Thomas abriu um sorriso automático.
— Eu não a vejo há sete anos, como vou saber os traços de sua personalidade? Ela sempre foi alegre e cativante, não sei se continua assim. Eu não sou o mesmo da semana passada, quanto mais de sete anos atrás.
— E você vai casar com ela.
— Esse é o meu objetivo – Respondeu, ficando muito sério de repente.
O amigo percebeu.
— Algum problema?
— Bem... É estranho pensar em Faith como minha esposa, ela sempre foi uma irmã mais nova para mim. Vai ser difícil sentirmos algo romântico um pelo outro, mas não impossível. Eu sinto que devo fazer isso, pelo Hugo...
Matthew pegou o que devia ser seu sexto biscoito e o colocou inteiro na boca. Fez uma pausa para engolir, então buscou as palavras certas.
— O Sr. Klent gostaria que você fosse feliz e, principalmente, que a irmã dele também fosse. Se vocês não forem felizes juntos, não devem fazer isso simplesmente porque acham que é o que o falecido Hugo gostaria que fizessem. Com todo respeito, mas ele não está mais entre nós, e o que importa agora é a felicidade de vocês dois, que têm uma vida inteira pela frente.
Thomas franziu a testa, inconscientemente, no instante em que aquelas palavras entraram em seus ouvidos. Em sua cabeça, parecia a coisa certa a se fazer. Não havia pensado, até o momento, em nenhuma possibilidade contrária. Matthew não conhecia os Klent, nem Faith, nem Hugo. É claro que diria algo do tipo, afinal, não passava pela mesma situação. Porém... E se ele estivesse certo? E se realmente não fosse a coisa certa a fazer? E se...
— O aluguel em Skweny é mais barato? Esse daqui está me levando à falência!
O jovem Wihners deixou a confusão de lado por um momento, abrindo um sorriso surpreso.
— É sim.
— Ótimo.
— Está dizendo que vai mesmo para Skweny comigo?
— Não se você não quiser me levar, mas eu estou disposto a ir – O homem fez uma pausa breve – Já leu aquela passagem bíblica em que Rute volta para casa com sua sogra Noemi, prometendo não abandoná-la? Pois bem, você é a Noemi dessa ocasião e eu sou sua nora que vai com você para onde você for.
Thomas deu uma risada alegre.
— Você vai gostar de Skweny, Rute!
Matt sorriu, mas ficou sério logo em seguida. Então pigarreou e ergueu um pouco o olhar com desconfiança.
— Se sua irmã ainda estiver solteira, permite a chance de eu tentar ser seu cunhado?
Thomas pegou o biscoito mais queimado da forma e o lançou na direção dele.
— Não repita isso, pelo bem de nossa amizade! – Pediu, estreitando os olhos.
— Você não me acha um bom partido?
— Acho que deveria haver uma regra: Não cortejar a irmã do melhor amigo.
— E não é isso que você pretende fazer?
Matthew observou-o ficar sem palavras.
— Bem, o meu caso é diferente... Ah, não importa. Vou tomar um banho e subir para o meu quarto, cuidado com a quantidade de biscoitos, pode fazer mal – Thomas caminhou até a escada que dava acesso ao segundo andar, silenciosamente, apenas ouvindo as batidas do próprio coração.
— Você é um ótimo cozinheiro, Tom, a Srta. Klent ficará muito satisfeita ao conhecer seus dotes culinários – Disse o outro em um tom de voz alto, para que pudesse ser ouvido com clareza.
🍁
Thomas estava com o corpo inteiro mergulhado na água e a cabeça encostada na borda da banheira, encarando o teto por alguns minutos, refletindo sobre a vida.
E se seus pais não sentissem mais sua falta?
E se Thalya tivesse o esquecido?
E se Skweny não fosse mais como antes?Era tão difícil lidar com todas essas perguntas, elas o atormentavam há anos, e naquele momento não foi diferente. O fardo que ele carregava o fez pensar se deveria mesmo voltar. Sua insegurança tornara-se um monstro com tentáculos que o sufocava e o impedia de continuar pensando positivamente.
No entanto, havia Faith. Se tudo houvesse ocorrido como ele imaginava, ela já devia ter debutado e, consequentemente, estava em busca de um marido. Ou não.
Não era uma decisão que muitos esperassem que ele fosse tomar, mas ainda assim, ele sentia que tinha o dever de cuidar dela. Por Hugo, e pelo carinho que suas famílias tinham uma pela outra. Iria fazê-la feliz, ser um bom marido e lhe dar tudo que uma esposa merecia. Ao menos esse era seu plano, e não parecia ter nada de errado.
Até Matthew lhe dizer que se os dois não fossem felizes juntos, não deveriam se casar... Agora ele estava sendo corroído pela incerteza, mergulhando a cabeça na água a cada vez que a mente parecia prestes a explodir.
É claro que seriam felizes juntos.
Eles se conheciam há muito tempo, e era melhor do que casar com alguém desconhecido, certo? Seria estranho cortejar a sua quase irmã mais nova, mas era um ato bem intencionado. A protegeria e cuidaria dela com a própria vida, isso deixaria Hugo imensamente orgulhoso.Nesse instante, ele teve certeza. Voltaria para casa, estava na hora. Ou havia até mesmo passado disso. Matt também iria com ele, a quem apesar de não ter o seu sangue, era como um irmão. Apegou-se nessas fontes positivas e descartou toda negatividade de seu coração, ao menos por hora.
Fechou os olhos, soltando a respiração, e lhe veio uma forte lembrança da guerra.
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Um raro amor no Outono - Quatro Estações Em Skweny, LIVRO 2
RomanceEle voltou. Sete anos se passaram, mas agora ele está de volta. Ainda que não fosse o mesmo, ainda que fosse um homem e não mais um jovem perdido, ainda que que houvesse passado por coisas horrendas, ele voltou para o seu lar. Não podia fugir para s...