CAPÍTULO VINTE E UM 🍁

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Ela comprimiu os lábios. Fora apenas uma brincadeira, mas percebeu a tensão e o arrependimento dele ao se dar conta do que havia falado. Por não querer deixar o clima ainda mais estranho, pensou em algo irônico para dizer.

— Não ouse fazer isso, vou achá-lo em qualquer lugar.

Ele sorriu, mas não parecia muito confortável, preferiu se perder no próprio silêncio e se afogar nos pensamentos. Ela percebeu que Thomas carregava uma bagagem pesada consigo, emocional e psicológica. Sabia que havia uma longa história por trás daquele rosto jovem e bonito, e o fato de ele ainda ser uma pessoa amável e serena era motivo de admiração.

Com cautela, decidiu tocar no assunto. Falar do passado dele podia ajudá-la a etendê-lo melhor e saber o que havia acontecido. Mas corria o risco de cometer um erro ao fazer isso, porque provavelmente seria um assunto delicado. Ela pigarreou.

— Eu admiro você, Thomas. Se voluntariou a cuidar de vidas mesmo não tendo nenhuma experiência.

Ele continuou olhando para a tela, deslizando o pincel satisfatoriamente. Tudo o que Margot conseguia ver era a parte de trás do cavalete, mas tinha certeza que ele estava produzindo algo grandioso.

— Para falar a verdade, eu tinha, mas era bem pouco comparado a um especialista.

Ela entreabriu os lábios.

— Tinha?

— Meu professor, o mesmo que indicou o livro que estávamos procurando na biblioteca, foi médico durante um período de sua vida. Estudou e se tornou doutor, mas logo largou sua profissão ao se interessar pela medicina veterinária. Não é comum vermos pessoas atuando nesse ramo, ele queria ser um dos cem primeiros a se tornar veterinário em nossa província. Como eu era um aluno esforçado, tínhamos uma conexão muito boa, sempre que havia um tempo livre íamos comer alguma coisa em algum restaurante próximo. Ele me ensinou algumas coisas da medicina, mas a teoria é muito diferente da prática.

— Certamente.

— Lembra que eu disse que era assistente do meu patrão? Ele é médico há quase quinze anos, eu o ajudava em alguns atendimentos, mas ele é quem fazia todo o trabalho duro. Tecnicamente, eu tinha um pouco de experiência, mas nada se compara ao que eu vi durante a guerra.

— Sinto muito.

Ele assentiu, olhando-a para captar alguns detalhes. Seu olhar não parecia mais intenso do tipo que a deixava com frio na barriga, naquele momento assumia um ar racional e artístico.

— Uma vez eu atendi um cachorrinho de raça, sua dona me procurou aos prantos porque ele tinha machucado a perna. Para nossa infelicidade, o pobre animal perdeu o membro. A dama o levou de volta para casa e deu a ele todos os cuidados necessários, o enchendo de carinho e amor. No campo de batalha, cuidei de um soldado que havia ferido a mesma parte do corpo. Após dias de intenso tratamento, uma infecção me levou a amputá-la. Meu parceiro ficou sem perna, e ao voltar para casa recebeu muito amor de sua família. Porém, com um membro amputado, foi incapaz de continuar trabalhando, de modo que seu sustento e de sua família foi comprometido. Não havia uma dona amorosa para lhe dar ração ou um lugar quentinho para dormir. Poder presenciar os dois lados causou um impacto no meu modo de enxergar a vida, porque ela não é igual para todos.

Margot fez que sim, pasma com aquele discurso, e em seguida, ficaram em silêncio. Ele continuou pintando e ela refletindo sobre suas palavras. Definitivamente não, a vida não era igual para todos. Ela sabia muito bem disso...

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A ventania havia passado, mas o clima ainda estava frio. Thomas não permitiu que ela visse o resultado final de sua obra de arte, pois de acordo com o que ele disse, ainda faltava alguns ajustes finais. Ela ficou decepcionada por ter sua curiosidade aumentada, mas por fim se conformou. No caminho de volta para casa, percebeu as inúmeras folhas espalhadas pelas ruas e calçadas, dando ao ambiente um ar meio caótico. A neblina e a friagem a fizeram espirrar algumas vezes, mas graças ao xale que Thomas havia lhe emprestado, conseguiu proteger-se de maior frieza até que chegasse em segurança na Casa Lynth.

Um raro amor no Outono - Quatro Estações Em Skweny, LIVRO 2Onde histórias criam vida. Descubra agora