A cerimônia havia acabado e todos os convidados foram direcionados novamente para dentro, para a sala de estar que havia sido transformada em salão de baile, como Lucien presenciara uma ou duas vezes durante a Queda das Estrelas. Féericos de várias classes diferentes se revezavam entre beber e comer e dançar. Embora Lucien não entendia o motivo de ter sido convidado àquela festa, tentava aproveitar. Só o Caldeirão sabia o quanto andava precisando de distração e diversão nos últimos tempos. Parecia uma era desde a última vez em que se divertira sem preocupações.
Claro que essa afirmação não era de todo verdade, já que ele tinha, sim, uma preocupação em mente: as reações de Elain durante a cerimônia o deixaram atordoado de várias formas diferentes. Ela havia entrado acompanhada do encantador de sombras, Azriel, e Lucien conteve o grunhido que lhe subiu à garganta ao vê-lo tocando sua parceria. Não era tolo nem ingênuo e sabia do flerte que acontecia entre os dois quando não estava presente; ela nunca aprendeu a disfarçar seu cheiro ou mesmo suas feições. Como ele não desejava que ela o achasse um animal irracional e bruto - como a pouco considerava os illyrianos - havia deixado que Azriel continuasse com seu joguinho enquanto ele mesmo tentava conquistá-la.
Um riso de escárnio lhe escapou pelos lábios, atraindo alguns olhares dos presentes na festa que estavam mais próximos a ele, junto à mesa que continha diversas taças de vinho e champagne. Lucien nunca quis uma parceria, nunca desejou ter esse tipo de laço, e agora se via preso a uma parceria que, maldita fosse, tinha que conquistar.
Então Nestha havia entrado no terraço e Lucien sentira um nó no estômago. Em poucos segundos Elain estava chorando de emoção pela irmã e ele não conseguiu pensar em mais nada, a necessidade instantânea de consolá-la havia lhe assolado até o último nervo. Queria tomá-la nos braços, secar suas lágrimas e beijar-lhe as faces. Ela ficou tão linda quando chorava, com as bochechas e a ponta no nariz ficando de um tom rosado que fazia Lucien lembrar de um campo de lisiantos que havia na Corte Primaveril. Devastado por aquela necessidade, ele enviou a até ela o máximo de conforto que podia de onde estava, uma onda de calor que esperava ser reconfortante para ela, quase como um abraço. Elain levou uma mão à garganta e ele viu uma pequena sombra pairando sobre seu pulso. Encarou a sombra, engolindo o rosnado diante da reivindicação silenciosa de Azriel sobre ela. Ele não tinha nenhum direito sobre ela e...
E seus pensamentos foram interrompidos quando sentiu a mudança nas ondas de Elain que chagavam à ele através do laço. Lucien subiu os olhos, demorando-se no pescoço branco delicado, a pulsação levemente acelerada. Podia ouvir a respiração dela começando a ficar acelerada diante da sua inspeção minuciosa. O rosto dela começou a ficar mais rosado, um leve rubor diante do que ela certamente sentia que estava fazendo com ele - seu corpo ansiava por ela, clamava por ela - até que seus olhos se encontraram. Então ele abriu um sorriso lento.
Estou aqui. Sou seu. Você é minha. Minha parceira.
Ele sentiu o puxão que ela deu no laço ao ofegar. Sentiu que ela sentia a mesma necessidade que ele, embora negasse e tentasse esconder. E, sem nenhuma surpresa, ela tentou esconder, rapidamente desviando os olhos e focando em qualquer outra coisa que não nele. Mas aquela sensação permaneceria com Lucien e o atormentaria por muito tempo ainda.
Depois tudo ficou confuso, Elain focou em algum convidado na primeira fileira e seus olhos se arregalaram, focaram em algo e arregalaram de novo. Virou-se para o maldito encantador de sombras e para o convidado misterioso novamente, e uma nova torrente de lágrimas, mais profusas dessa vez, lhe assolou. Tomado por um instinto primitivo, Lucien chegara a se levantar de seu lugar, pronto para ir até ela, até que Jurian segurou seu braço e forçou-o a voltar a sentar. O macho grunhiu em resposta, mas o amigo apenas negou com a cabeça. Olhando agora, Lucien era grato à Jurian pela interferência, pois estava prestes a arrancar Elain daquele altar e levá-la para bem longe, para um lugar onde nada poderia machucá-la ou magoá-la.
Ela nunca o perdoaria ou o aceitaria se fizesse isso.
Então tudo o que restou a Lucien foi continuar enviando a onda de calor até sua parceira, até que as lágrimas cessassem e restasse apenas aquele nariz pequeno e arrebitado fazendo par com as bochechas rosadas.
E agora ela sumira.
Lucien percorreu todo o salão, em busca de alguma pista de Elain. Estava reunindo coragem para tirá-la para dançar e, depois pesar os prós e contras, finalmente se sentia pronto para isso, mas não a encontrava em lugar algum. Falou com convidados, trocou amenidades com aqueles que conhecia, tentou não parecer desesperado ao perguntar casualmente se tinham a visto por aí.
Nada. Ninguém vira Elain desde que deixaram o terraço.
Não estava ajudando em nada o fato de Azriel também ter sumido.
Lucien trincou os dentes e foi para um canto, virando de uma só vez a taça de champagne que estava em sua mão e a pousando em uma mesa no caminho. Tudo indicava que os dois estavam juntos, que o encantador de sombras estava dando a Elain o consolo que ele deveria dar. Entrou em um corredor, a mente repleta de imagens de sua parceira envolta naquelas sombras que rodeavam Azriel, o corpo dela, frágil e delicado, meio escondido atrás daquelas asas illyrianas ridículas. Sabia que estava sendo insensato, mas o instinto primitivo que a parceria aflorava o estava consumindo.
Andou a esmo pela Casa do Vento, esperando que as sensações arrefecessem. Não queria que ninguém o visse naquele estado. Não queria sentir o olhar de pena das pessoas ao redor.
"Pobre Lucien", elas diziam em suas costas. Diziam desde sempre; disseram quando fugira da Corte Outonal, disseram quando souberam o que havia ocorrido à Jesminda, disseram quando Amarantha lhe arrancara o olho e quando ficaram presos Sob a Montanha; quando Amarantha o usou para castigar Feyre e Tamlin, obrigando o Grão-Senhor a açoitá-lo e o prendendo para que Feyre cumprisse sua segunda tarefa - na esperança, é claro, de que ela não conseguisse. Ele estava farto de ser sempre o coitado da história. Mas, ao que parecia, o Caldeirão tinha outros planos para ele.
Os pensamentos de autopiedade foram arrancados dele abruptamente quando Lucien sentiu um puxão forte. Tão forte que o fez ofegar e segurar-se contra a parede. Olhou em volta em busca do que for que havia feito aquilo, apenas para descobrir que o puxão havia vindo do outro lado do laço. Ele buscou em sua mente - em sua alma - aquela corda que os ligava, que conectava seus dois seres, desesperado para saber onde - e com quem - ela estava. Não sabia se o chamado havia sido proposital. Sempre que Elain puxava o laço o fazia fracamente, quase que como se fosse sem intenção, mas dessa vez havia sido diferente. Será que ela estava pensando nele?
Desencostando da parede, Lucien seguiu o laço. Seu corpo sabia onde encontrá-la, mesmo que a mente não fizesse ideia de onde ela estava. Aquele instinto, aquelas sensações, o permeavam e se entranhavam em seu ser de uma forma inexplicável. Não sabia ao certo para onde estava indo, apenas deixava que seus pés seguissem o caminho que sua parceria indicava, até que sentiu o cheiro. O cheiro dela.
O coração de Lucien parou por um segundo, temendo o que poderia encontrar.
Inspirou. Farejou.
Apenas ela. Apenas o cheiro dela. O cheiro de sua parceira.
Seu corpo se moveu antes que ele se desse conta e em um segundo Lucien atravessou as portas duplas que davam para a grande biblioteca que havia na Casa do Vento. Parecia um déjà vu. Elain estava parada diante da enorme janela de vidro, olhando para a cidade abaixo. Exatamente como estivera quando se falaram pela primeira vez, cerca de três anos antes. Na época, Elain estava completamente devastada. Havia acabado de ser feita e, quando Lucien a viu, estava pálida, magra demais e com o olhar vazio o inexpressivo. Mas ainda assim ele a tinha achado linda. Lembrava-se da sensação que a parceria causara nele na época: um misto de pânico e necessidade, um desejo insuportavelmente poderoso que o fizera - e ainda fazia - se sentir culpado; amara Jesminda tão profundamente, mas não havia sido tão desesperador. Havia sido fácil, descomplicado; ele a amou e foi amado na mesma intensidade.
A culpa ainda o corroía, mas Lucien não pôde se impedir de entrar na biblioteca, forçando-se a parecer casual, e falar com sua parceira.
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Corte de Flores Flamejantes
Fanfiction"Havia fogo por toda parte. E em meio a todo aquele fogo... Ele. Elain não conseguia se mover. Não conseguia gritar. Não conseguia avisar Lucien para que corresse, para que se salvasse. Ele morreria, ela sabia disso. Sentia em seus ossos. Sentia...