Capítulo 5

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A cerimônia havia acabado e todos os convidados foram direcionados novamente para dentro, para a sala de estar que havia sido transformada em salão de baile, como Lucien presenciara uma ou duas vezes durante a Queda das Estrelas. Féericos de várias classes diferentes se revezavam entre beber e comer e dançar. Embora Lucien não entendia o motivo de ter sido convidado àquela festa, tentava aproveitar. Só o Caldeirão sabia o quanto andava precisando de distração e diversão nos últimos tempos. Parecia uma era desde a última vez em que se divertira sem preocupações.

Claro que essa afirmação não era de todo verdade, já que ele tinha, sim, uma preocupação em mente: as reações de Elain durante a cerimônia o deixaram atordoado de várias formas diferentes. Ela havia entrado acompanhada do encantador de sombras, Azriel, e Lucien conteve o grunhido que lhe subiu à garganta ao vê-lo tocando sua parceria. Não era tolo nem ingênuo e sabia do flerte que acontecia entre os dois quando não estava presente; ela nunca aprendeu a disfarçar seu cheiro ou mesmo suas feições. Como ele não desejava que ela o achasse um animal irracional e bruto - como a pouco considerava os illyrianos - havia deixado que Azriel continuasse com seu joguinho enquanto ele mesmo tentava conquistá-la.

Um riso de escárnio lhe escapou pelos lábios, atraindo alguns olhares dos presentes na festa que estavam mais próximos a ele, junto à mesa que continha diversas taças de vinho e champagne. Lucien nunca quis uma parceria, nunca desejou ter esse tipo de laço, e agora se via preso a uma parceria que, maldita fosse, tinha que conquistar.

Então Nestha havia entrado no terraço e Lucien sentira um nó no estômago. Em poucos segundos Elain estava chorando de emoção pela irmã e ele não conseguiu pensar em mais nada, a necessidade instantânea de consolá-la havia lhe assolado até o último nervo. Queria tomá-la nos braços, secar suas lágrimas e beijar-lhe as faces. Ela ficou tão linda quando chorava, com as bochechas e a ponta no nariz ficando de um tom rosado que fazia Lucien lembrar de um campo de lisiantos que havia na Corte Primaveril. Devastado por aquela necessidade, ele enviou a até ela o máximo de conforto que podia de onde estava, uma onda de calor que esperava ser reconfortante para ela, quase como um abraço. Elain levou uma mão à garganta e ele viu uma pequena sombra pairando sobre seu pulso. Encarou a sombra, engolindo o rosnado diante da reivindicação silenciosa de Azriel sobre ela. Ele não tinha nenhum direito sobre ela e...

E seus pensamentos foram interrompidos quando sentiu a mudança nas ondas de Elain que chagavam à ele através do laço. Lucien subiu os olhos, demorando-se no pescoço branco delicado, a pulsação levemente acelerada. Podia ouvir a respiração dela começando a ficar acelerada diante da sua inspeção minuciosa. O rosto dela começou a ficar mais rosado, um leve rubor diante do que ela certamente sentia que estava fazendo com ele - seu corpo ansiava por ela, clamava por ela - até que seus olhos se encontraram. Então ele abriu um sorriso lento.

Estou aqui. Sou seu. Você é minha. Minha parceira.

Ele sentiu o puxão que ela deu no laço ao ofegar. Sentiu que ela sentia a mesma necessidade que ele, embora negasse e tentasse esconder. E, sem nenhuma surpresa, ela tentou esconder, rapidamente desviando os olhos e focando em qualquer outra coisa que não nele. Mas aquela sensação permaneceria com Lucien e o atormentaria por muito tempo ainda.

Depois tudo ficou confuso, Elain focou em algum convidado na primeira fileira e seus olhos se arregalaram, focaram em algo e arregalaram de novo. Virou-se para o maldito encantador de sombras e para o convidado misterioso novamente, e uma nova torrente de lágrimas, mais profusas dessa vez, lhe assolou. Tomado por um instinto primitivo, Lucien chegara a se levantar de seu lugar, pronto para ir até ela, até que Jurian segurou seu braço e forçou-o a voltar a sentar. O macho grunhiu em resposta, mas o amigo apenas negou com a cabeça. Olhando agora, Lucien era grato à Jurian pela interferência, pois estava prestes a arrancar Elain daquele altar e levá-la para bem longe, para um lugar onde nada poderia machucá-la ou magoá-la.

Ela nunca o perdoaria ou o aceitaria se fizesse isso.

Então tudo o que restou a Lucien foi continuar enviando a onda de calor até sua parceira, até que as lágrimas cessassem e restasse apenas aquele nariz pequeno e arrebitado fazendo par com as bochechas rosadas.

E agora ela sumira.

Lucien percorreu todo o salão, em busca de alguma pista de Elain. Estava reunindo coragem para tirá-la para dançar e, depois pesar os prós e contras, finalmente se sentia pronto para isso, mas não a encontrava em lugar algum. Falou com convidados, trocou amenidades com aqueles que conhecia, tentou não parecer desesperado ao perguntar casualmente se tinham a visto por aí.

Nada. Ninguém vira Elain desde que deixaram o terraço.

Não estava ajudando em nada o fato de Azriel também ter sumido.

Lucien trincou os dentes e foi para um canto, virando de uma só vez a taça de champagne que estava em sua mão e a pousando em uma mesa no caminho. Tudo indicava que os dois estavam juntos, que o encantador de sombras estava dando a Elain o consolo que ele deveria dar. Entrou em um corredor, a mente repleta de imagens de sua parceira envolta naquelas sombras que rodeavam Azriel, o corpo dela, frágil e delicado, meio escondido atrás daquelas asas illyrianas ridículas. Sabia que estava sendo insensato, mas o instinto primitivo que a parceria aflorava o estava consumindo.

Andou a esmo pela Casa do Vento, esperando que as sensações arrefecessem. Não queria que ninguém o visse naquele estado. Não queria sentir o olhar de pena das pessoas ao redor.

"Pobre Lucien", elas diziam em suas costas. Diziam desde sempre; disseram quando fugira da Corte Outonal, disseram quando souberam o que havia ocorrido à Jesminda, disseram quando Amarantha lhe arrancara o olho e quando ficaram presos Sob a Montanha; quando Amarantha o usou para castigar Feyre e Tamlin, obrigando o Grão-Senhor a açoitá-lo e o prendendo para que Feyre cumprisse sua segunda tarefa - na esperança, é claro, de que ela não conseguisse. Ele estava farto de ser sempre o coitado da história. Mas, ao que parecia, o Caldeirão tinha outros planos para ele.

Os pensamentos de autopiedade foram arrancados dele abruptamente quando Lucien sentiu um puxão forte. Tão forte que o fez ofegar e segurar-se contra a parede. Olhou em volta em busca do que for que havia feito aquilo, apenas para descobrir que o puxão havia vindo do outro lado do laço. Ele buscou em sua mente - em sua alma - aquela corda que os ligava, que conectava seus dois seres, desesperado para saber onde - e com quem - ela estava. Não sabia se o chamado havia sido proposital. Sempre que Elain puxava o laço o fazia fracamente, quase que como se fosse sem intenção, mas dessa vez havia sido diferente. Será que ela estava pensando nele?

Desencostando da parede, Lucien seguiu o laço. Seu corpo sabia onde encontrá-la, mesmo que a mente não fizesse ideia de onde ela estava. Aquele instinto, aquelas sensações, o permeavam e se entranhavam em seu ser de uma forma inexplicável. Não sabia ao certo para onde estava indo, apenas deixava que seus pés seguissem o caminho que sua parceria indicava, até que sentiu o cheiro. O cheiro dela.

O coração de Lucien parou por um segundo, temendo o que poderia encontrar.

Inspirou. Farejou.

Apenas ela. Apenas o cheiro dela. O cheiro de sua parceira.

Seu corpo se moveu antes que ele se desse conta e em um segundo Lucien atravessou as portas duplas que davam para a grande biblioteca que havia na Casa do Vento. Parecia um déjà vu. Elain estava parada diante da enorme janela de vidro, olhando para a cidade abaixo. Exatamente como estivera quando se falaram pela primeira vez, cerca de três anos antes. Na época, Elain estava completamente devastada. Havia acabado de ser feita e, quando Lucien a viu, estava pálida, magra demais e com o olhar vazio o inexpressivo. Mas ainda assim ele a tinha achado linda. Lembrava-se da sensação que a parceria causara nele na época: um misto de pânico e necessidade, um desejo insuportavelmente poderoso que o fizera - e ainda fazia - se sentir culpado; amara Jesminda tão profundamente, mas não havia sido tão desesperador. Havia sido fácil, descomplicado; ele a amou e foi amado na mesma intensidade.

A culpa ainda o corroía, mas Lucien não pôde se impedir de entrar na biblioteca, forçando-se a parecer casual, e falar com sua parceira.

Corte de Flores FlamejantesOnde histórias criam vida. Descubra agora