Capítulo 54

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T-t-tum. Tum. Tum-tum-t-tum-tum. Tum.

Elain mal conseguia se concentrar nas letras à sua frente com o coração de Lucien martelando em seus ouvidos. Fosse o que fosse que a Senhora da Corte Outonal queria com ela, estava deixando Lucien nervoso. Ela havia se acostumado ao som quase sempre presente, como se fosse o próprio batimento cardíaco, mas naquele momento, com a força com que o som ecoava por ela, Elain sabia que havia algo errado e, apesar de estar magoada com a forma indiferente com que fora tratada, não podia ignorar aquele aviso inconsciente.

As palavras no papel timbrado foram escritas com uma caligrafia elegante, um tanto inclinada para a direita, com traços finos, como se a pessoa quase não tivesse encostado a caneta-tinteiro no papel. Impessoais, mas gentis, a carta a convidava para ir com Lucien até a Corte Outonal, onde a Senhora pretendia retomar o contato com o filho mais novo. Elain nem mesmo sabia que Lucien não possuía contato com a mãe. Dizia também que esperava que a "bênção de uma parceira fizesse o filho criar o juízo e a responsabilidade que tanto necessitava" e que "uma fêmea do porte de Elain, uma Archeron, pertencente à família de um Grão-Senhor, poderia ajudar a unificar as Cortes".

Tumtumtumtumtumtumtum

O som descompassado do coração de Lucien foi ficando cada vez mais frenético conforme os segundos se passavam em silêncio. Elain queria levantar os olhos e encará-lo, perguntar o que estava acontecendo, mas sabia que cada respiração de ambos estava sendo monitorada pelos emissários outonais, e cada fibra do corpo de Elain gritava para ela ficar em alerta máximo.

Lembrou-se, então, de uma fala de Lucien meses antes, quando tiveram sua primeira - e última - noite juntos: "Siga seus instintos. Seja lá o que for que eles digam para fazer, faça." E sem pensar, Elain pousou a carta nos joelhos elegantemente dobrados e lançou um sorriso de desculpas aos machos outonais.

- Sinto muito, queridos. - Ela sabia que o uso do apelido os estava deixando desconfortáveis, e algo dentro dela gostou do fato. - Peço que transmitam minhas mais sinceras desculpas à Senhora da Corte Outonal, mas não posso aceitar o convite. Escreverei para ela, é claro, mas entendam, estão convocando Lucien para uma reunião de negócios, e não é correto misturar trabalho com a vida pessoal.

Elain podia jurar que o coração de Lucien parou de bater por um segundo ou dois devido ao alívio, o que a deixara ainda mais magoada. Saber que o macho não queria que ela conhecesse sua família, que se recusava a compartilhar com ela qualquer coisa mais pessoal do que seus pratos favoritos, machucou mais do que Elain podia prever. Então não se arriscou a encará-lo. Olhá-lo poria em risco a fachada de dama de alta sociedade que ela exibia; olhá-lo a faria perder a cabeça e a compostura, tamanha era a vontade de gritar com ele e perguntar o que diabos ele tinha na cabeça para seduzi-la, só para deixá-la sozinha no escuro depois. Mas o destino estava sendo bondoso com ela naquele dia, pois Kunley entrou de fininho na sala, pigarreando para chamar a atenção de todos.

- O almoço está servido, milady. - Disse o pequeno macho.

- Obrigada, Kunley. - Elain sorriu verdadeiramente pela primeira vez desde que entrara naquela sala.

Cedric levantou-se e, oferecendo um braço, ajudou-a a ficar de pé. Elain alisou as saias enquanto os outros cinco machos ficavam de pé, os dois sentinelas de Cedric ainda tão tensos quanto quando chegaram.

- Vamos, espero que apreciem nosso cardápio. Podem continuar debatendo esses assuntos depois que estiverem de barriga cheia. Como dizia meu pai, um homem com fome pensa com o estômago ao invés da cabeça.

Com algumas risadas, o grupo começou a se dispersar, Duncan liderando o caminho enquanto conversava com Levien, seguido de perto pelo outro emissário, Viktor, que até então não emitira uma única palavra. Os sentinelas de Cedric os seguiram, antes de Silas tropeçar para fora da sala, ainda incapaz de desviar o olhar de Elain, que lhe sorriu gentilmente. Cedric deu uma risadinha baixinho, negando com a cabeça e saindo, deixando-lhe com apenas Alis e Lucien como companhia. Apesar de se negar a olhá-lo, Elain podia sentir o olhos de Lucien nela.

Trincando o maxilar, a garganta travada para não sentir o cheiro delicioso que Lucien sempre emanava, Elain pôs pé ante pé e, de queixo erguido, passou pelo macho, deixando-o para trás.

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Lucien nunca se sentira tão grato na vida como quando ouvira Elain anunciar que declinaria ao convite de sua mãe. Seu coração até mesmo parou por alguns segundos quando ele se continha para não suspirar de alívio.

No entanto, o alívio dera lugar a uma curiosidade e uma certa estranheza na boca de seu estômago quando, após um macho feérico inferior que ele não sabia o nome anunciar o almoço que ele não sabia que seria servido, a parceira nem mesmo olhara para ele. Havia sido assim por todo o decorrer dos poucos minutos em que estivera naquela sala, mas achava que se dava ao fato dos demais estarem presentes. Havia ficado para trás na esperança de ter um minuto ou dois de conversa com Elain antes de se juntarem aos outros novamente, mas ela o surpreendeu ao erguer o queixo e passar por ele como se Lucien nem mesmo estivesse ali.

O cheiro de jasmim e limão dos cabelos de Elain ondulou para seu nariz e Lucien quase a puxou pelo pulso para que voltasse e o encarasse, para que dissesse o que diabos estava acontecendo, mas um olhar de advertência de Alis, que estava tão quieta que Lucien quase se esquecera de sua presença, o fez parar no ato.

Assim que Elain saiu, Lucien soltou um longo e cansado suspiro, passando as mãos pelo rosto.

- Ela estava preocupada com você. - Foi pego de surpresa quando a voz de Alis o alcançou, mais próxima do que ele supôs que estaria.

Abrindo os olhos, viu que a fêmea havia de fato se aproximado dele.

- Preocupada? - Lucien questionou, confuso.

Alis revirou os olhos, daquele jeito que as babás fazem quando as crianças fazem perguntas sem sentido.

- Sim, seu idiota, preocupada. Você a mandou correr para cá enquanto ficava lá com Eris, depois não deu mais notícias por um dia e uma noite. Como achou que ela ficaria?

Lucien não sabia o que responder. Franziu o cenho. Elain havia contado sobre Eris para Alis? Havia estado preocupada com ele?

- Ora não faça essa cara. - Alis resmungou. - Você a conhece tão pouco assim? Não imaginou nem por um segundo que ela passaria a noite em claro à espera de qualquer notícia sua?

Com a falta de resposta do macho, Alis deu uma risada debochada.

- Você já foi mais esperto do que isso.

Elain estivera preocupada com Lucien? Ele nem mesmo se lembrava da última vez que uma fêmea - que qualquer pessoa - havia estado preocupada com ele. Lucien não sabia o pensar, o que fazer. Elain estivera preocupada com ele?

A fêmea com aparência de casca de árvore começou a sair do cômodo, mas parou quando a voz de Lucien saiu de algum lugar de dentro dele que nem mesmo ele reconhecia.

- Ela é gentil e compassiva, fica preocupada com todos à sua volta. - Era uma desculpa tola para apaziguar as borboletas que agitavam as asas em sua barriga.

Alis o encarou por algum tempo em silêncio, avaliando-o. Tanto tempo que Lucien achou que ela não responderia, mas, quando o fez, virou seu mundo de cabeça para baixo.

- Vocês estão tão preocupados com o fato de serem parceiros que estão esquecendo o mais importante: são pessoas, antes de qualquer outra coisa. Pessoas têm sentimentos, Lucien. Sentimentos que às vezes elas nem sabem que estão lá, mas que, mesmo inconscientemente, guiam suas ações. Sugiro que pare de olhá-la apenas como sua parceira e a enxergue como a fêmea que deixa seus sentimentos claros para qualquer um que olhe mais atentamente.

Deu-lhe as costas novamente, mas parou sob o batente da porta e olhou por sobre o ombro para lançar uma última adaga no peito de Lucien.

- Mais do que isso, sugiro que olhe para os próprios sentimentos. Não brinque com essa menina. Se não for capaz de dar o que ela precisa, deixe-a ciente disso e deixe-a escolher entre ficar ou partir.

Então Alis saiu, deixando Lucien sozinho com o silêncio, apenas o som do próprio coração ecoando em seus ouvidos.

Som que Elain também ouvia.

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