Lucien havia passado a noite nos bosques, acampado, tentando pôr os pensamentos em ordem, mas tudo o que lhe passava pela cabeça era se Elain havia chegado bem em casa, se estava segura. Ele temia tê-la assustado com a intensidade de sua reação com a chegada inesperada de Eris - verdade seja dita, ele mesmo havia se assustado com aquilo. Mas, se Lucien fosse sincero consigo mesmo, sabia que a verdade era outra. O que ele temia realmente era abrir seu coração, contar à parceira toda a sua história e explicar para Elain o motivo de ela não poder aceitar o convite que receberia da mãe dele. Não queria encarar seu passado, muito menos arriscar o frágil futuro que começava a despontar no horizonte, embora soubesse desde muito cedo que era um macho amaldiçoado pelo Caldeirão, destinado a uma vida de infortúnios.
Então protelara o máximo que pôde, vagando pelos bosques primaveris, tentando desesperadamente encontrar um meio de voltar no tempo, de consertar tudo o que dera errado desde sempre, ou simplesmente sumir. Sua mente girava, imaginando como seria o mundo se ele deixasse de existir, se ele se jogasse de um penhasco ou desafiasse um bogge¹. Não era a primeira vez que aquele tipo de pensamento hediondo lhe ocorria, e certamente não seria o último. Mas as árvores sombrias e os animais noturnos eram seus companheiros de autopiedade e, quando os primeiros raios de Sol banharam o refúgio sombrio em que ele se encontrava, Lucien decidira que era hora de ser adulto e enfrentar seus demônios - ao menos um deles.
Mal havia chegado à Mansão Primaveril quando um dos sentinelas veio correndo o mais rápido que pôde logo que o viu e, com o fôlego entrecortado, o informara de que Cedric havia chegado com três emissários Outonais e que a "Senhorita Archeron" os estava recebendo. Lucien não sabia dizer se seu sangue havia congelado de pavor ou fervido de ódio, mas tinha um papel a cumprir ali - era o responsável por aquela Corte na ausência de Tamlin. Então atravessara diretamente para seu quarto, banhara-se o mais rapidamente que conseguiu e se aprumou, trançando os cabelos molhados nas costas e vestindo uma túnica estampando as cores primaveris, para que ficasse muito claro a quem pertencia sua lealdade.
Atravessou novamente, seguindo o cheiro familiar da parceira e dos demais convidados. Chegou à porta da sala leste bem a tempo de ouvir a voz nojenta de Levien enquanto seus dedos inúteis roçavam os de Elain quando ela lhe entregou uma xícara de chá.
- Sabe onde seu parceiro está, doçura?
Aquele macho a chamou mesmo de doçura?
- Bem aqui. - Lucien respondeu asperamente, entrando na sala ainda terminando de ajeitar as mangas da túnica.
Os olhares de todos os presentes se voltaram para ele, mas Lucien se permitiu um momento para desfrutar da bela visão que era Elain. A fêmea vestia um vestido de um verde horrível que ia até as canelas, com um decote reto e mangas curtas esvoaçantes, o cabelo estava solto, mas ondulado, e ela parecia não perceber que a ponta de uma das pequenas e delicadas orelhas estava aparecendo. Mas não foi a aparência dela que mais lhe chamou atenção; foi o brilho nos olhos cor de corça quando Elain olhou para ele, como se vê-lo fosse tudo o que ela precisasse. Aquele brilho o desestabilizou, e Lucien tratou de recompor-se antes que mais alguém notasse o fato.
Cumprimentou Duncan, Cedric e seus sentinelas, que pareciam tão desconfortáveis quando os dois outros emissários, apenas Levien parecia levemente satisfeito. Lucien sentou-se em uma poltrona velha e gasta, recostando-se, e acomodou o tornozelo direito sobre o joelho esquerdo, e o cotovelo esquerdo sobre o braço da poltrona. Apoiando o queixo no punho, começou uma encenação.
- Qual o recado? - Questionou à Levien.
O olho mecânico capturou os movimentos de Elain conforme ela se afastava dos machos e caminhava até Alis, que Lucien não havia notado parada ali ao fundo da sala. No entanto, sua atenção se voltou novamente para os machos presentes. Já sabia o que os emissários estavam fazendo ali, é claro, graças ao aviso dado por Eris no dia anterior. Então, enquanto a voz monótona e enfadonha de Levien preenchia o silêncio da sala, Lucien absorvia o ambiente.
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Corte de Flores Flamejantes
Fanfiction"Havia fogo por toda parte. E em meio a todo aquele fogo... Ele. Elain não conseguia se mover. Não conseguia gritar. Não conseguia avisar Lucien para que corresse, para que se salvasse. Ele morreria, ela sabia disso. Sentia em seus ossos. Sentia...