Capítulo 23

1.2K 129 37
                                    

Elain se sentia estúpida. Idiota, infantil. Covarde.

Covarde, covarde, covarde.

Por que não podia simplesmente dizer o que tinha na cabeça ao invés de ficar com preâmbulos, dizendo sempre o mais cordial e o que achava que as pessoas esperavam ouvir? Sim, fora criada para ser exatamente assim, mas sua mãe já não estava viva há muito tempo e ela era uma mulher adulta, deveria ser capaz de expor seus desejos e opiniões.

Covarde. Era isso o que ela era. Deveria ter rejeitado Lucien assim que pôs os olhos nele; não fora isso o que tinha decidido pouco antes? Mas ao invés disso, ficou de conversa fiada, desafiando-o sobre o refresco de Mipha. Sim, era bem verdade que não pôde se conter, Lucien continha algo que a fazia querer ser mais leve, mais como ela mesma - antes de tudo aquilo. Se Elain se permitisse, sabia que passaria facilmente várias horas apenas conversando e olhando para Lucien, admirando a beleza exótica do macho. Por isso jamais se permitiria àquilo. Estava condenada ao sofrimento, condenada a viver eternamente imutável, com a sombra daquele luto permeando seus pensamentos para sempre. Já havia se conformado com isso.

O pequeno discurso de Letshas não ajudou em nada.

Enquanto Lucien se afastava, Elain cortou um pedaço da torta de salmão e ficou observando as costas angulosas se afastarem enquanto comia. Lucien movia-se com graça e confiança. Pegou-se perguntando se talvez, apenas talvez, se não houvesse acontecido tudo o que aconteceu, se não tivesse certeza de que a parceria não tivesse sido dada a ela como uma forma de o Caldeirão a compensar pelo que lhe fora tirado, se talvez ela pudesse se apaixonar por Lucien. Tivera um pequeno vislumbre de sua personalidade e de como ele agia durante aquela noite, a noite em que se beijaram. Talvez, apenas talvez, pudesse encontrar paz nos braços do parceiro. Mas eram apenas conjecturas. Isso não aconteceria.

Elain jamais permitiria que uma parceria imposta substituísse o filho que fora roubado dela. Se não era forte e corajosa o suficiente para rejeitá-lo, era para ignorá-lo, como já havia feito. Não importa o quanto aquele fio de luz que os conectava implorasse para que ela cedesse, Elain estava disposta a ignorá-lo.

• • •「🌸 🔥」• • •

Lucien caminhou sem pressa por entre as ruas de Velaris. Não tinha vontade nenhuma de ir até Feyre e escutar seja lá o sermão que a Grã-Senhora havia preparado. Desejava poder voltar a perambular por aí em paz, mas sabia que isso não seria possível enquanto não resolvesse os assuntos com a Corte Noturna.

Apressou o passo, caminhando sobre os paralelepípedos ao lado do rio Sidra. Quanto antes acabasse com isso, mais cedo poderia voltar para a Corte Diurna, onde, dentre todas as cortes e cidades que visitara nos últimos meses, fora a que lhe trouxe mais paz e conforto. Tinha amigos lá, e sair para se divertir com eles estava sendo uma distração bem vinda. Ainda não fora capaz de ir para a cama com uma fêmea sem pensar em Elain, mas estava chegando perto.

Logo que viu a Casa do Rio se erguendo majestosamente do outro lado do Rio, Lucien atravessou a ponte de pedra que conectava as margens. A luz do Sol brilhou sobre as águas e refletiu no olho de metal de Lucien, fazendo um pequeno facho de luz dourada cintilar em sua visão e borrá-la por um instante. Instante esse em que ele podia jurar ter visto Elain à sua frente, com aquele maldito vestido verde, o corpo meio virado, como se estivesse esperando por ele. Lucien piscou e, tão rápido quanto viera, a visão desapareceu. Meneando a cabeça, Lucien culpou o forte calor - ou talvez tivesse sido aquele refresco feio.

Decidido a esquecer o ocorrido, o macho abriu um pequeno portão de ferro entalhado e entrou no jardim. Caminhando sobre as pequenas pedras redondas que formavam um caminho até a porta da casa, observou com cuidado cada uma das plantas à vista. Lembrava-se de algumas vezes em que havia chegado na casa para um relatório, ou simplesmente para visitas a pedido de Feyre, e Elain estar trabalhando naquele jardim, os cabelos presos para não atrapalhar a visão, um chapéu enorme na cabeça para protegê-la do Sol, e as mãos nuas - sem luvas, nem mesmo aquelas que ele ridiculamente lhe dera de presente.

Corte de Flores FlamejantesOnde histórias criam vida. Descubra agora