Alguns sentimentos não mudam, independente do tempo que passe.
Olhando para a fronteira entre a Corte Primaveril e a Corte Outonal, Lucien sentia aquele familiar arrepio na nuca, os dedos dormentes e a mandíbula tão apertada ao ponto de fazer doer os ossos de seu rosto, tamanha era a gama de sensações que estar voltando àquela Corte trazia à tona. Mas ele não tinha escolha; era um macho responsável e deveria arcar com seus deveres de emissário. Não era a primeira que fazia isso, lembrou a si mesmo, tentando tomar coragem. No entanto, era a primeira vez que tinha alguém para quem voltar - isto é, se o beijo que Elain lhe dera antes que partisse fosse algum indicativo do que poderia acontecer quando retornasse. Que o Caldeirão fosse benevolente e não o fizesse criar falsas esperanças novamente.
Trocando o peso do corpo de um pé para outro, o macho ruivo olhou a posição do Sol. Já estava a pino, era o meio do dia, a hora em que combinara com os emissários Outonais de encontrarem-se na fronteira. Lucien não era burro para entrar naquela Corte sem um acompanhante oficial - não depois do que houve quando fugia com Feyre, pelo menos. Quando retornou o olhar para a densa vegetação que cobria boa parte do território abaixo da colina verdejante em que ele se encontrava, finalmente avistou Levien e Viktor deixando as sombras das árvores. A posição elevada de Lucien lhe permitia rastrear o entorno, em busca de qualquer possível armadilha que os outonais possam ter preparado e, não tendo localizado nenhuma - ainda - desceu até o sopé da colina, comprimentando os conterrâneos com um leve aceno de cabeça.
A grama verde da Corte Primaveril foi gradualmente passando para um tom mais amarronzado conforme Lucien seguia até os machos; os passos até então suaves foram substituídos pelo som de folhas secas se quebrando sob seus pés.
- Milorde... - Levien fez um aceno com a cabeça, os cabelos encaracolados caindo um pouco sobre a testa. Não passou despercebido à Lucien o veneno sendo destilado em uma única palavra. - Nosso Senhor está ávido para encontrá-lo.
- Não percamos tempo, então. Quanto antes terminarmos, mais cedo volto para casa. - Fez questão de enfatizar a palavra casa, deixando bem claro qual era sua posição ali, se a túnica verde e dourada que vestia não fosse indicativo o suficiente.
Claramente irritado por ter que servir de escolta, Levien esticou um dos braços para Lucien e outro para Viktor - cujos olhos cor de âmbar brilhavam com algo que Lucien não conseguiu identificar de imediato. O macho resignou-se e segurou o braço do cortesão à sua frente. Atravessariam direto para dentro do Castelo Outonal, então. Ótimo. Quanto menos tempo passasse naquela Corte infernal, melhor.
O cheiro ocre encheu suas narinas conforme a fumaça da magia de Levien se erguia ao redor deles. Um rodopio em sua mente e, tão rápido quanto um piscar de olhos, estavam em um corredor tão escuro e úmido quanto qualquer cela de prisão. A entrada de funcionários, lembrou-se. Costumava sair por ali quando se esgueirava para fora do Castelo Subterrâneo para agraciar-se com o calor do Sol.
Com Levien seguindo caminho à sua frente, e um Viktor muito calado à suas costas, Lucien percorreu o extenso corredor, que ficava cada vez mais mal iluminado conforme desciam aos confins da terra. Tochas de fogo outonal brilhavam aqui e ali, mais ou menos a cada 100 metros, garantindo que os criados do castelo não ficassem na mais completa escuridão. Conforme caminhavam, pequenas memórias o atingiam. Correr por aqueles corredores escuros e estreitos, dando sustos nas criadas e caindo na gargalhada quando os gritos agudos ecoavam no teto baixo; sair de fininho pelas portas de serviço, que desembocaram em todas as partes imagináveis, incluindo para fora dos muros do castelo; percorrer a corte, conhecer os aldeões, ajudar nas lavouras... Amargura o tomou quando subitamente se deu conta que, de todas as poucas memórias felizes que tinha daquela corte, sua família não participava de nenhuma delas. Com exceção de sua mãe, a Senhora Outonal, cujo colo e carinho sempre o embalavam após uma das inúmeras surras que Beron mandava que lhe dessem por ser impertinente demais. Tinha seis anos quando foi açoitado pela primeira vez. Não é algo que se esqueça...
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Corte de Flores Flamejantes
Fanfiction"Havia fogo por toda parte. E em meio a todo aquele fogo... Ele. Elain não conseguia se mover. Não conseguia gritar. Não conseguia avisar Lucien para que corresse, para que se salvasse. Ele morreria, ela sabia disso. Sentia em seus ossos. Sentia...