Capítulo 43

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Não fazia sentido.

Nada daquilo fazia sentido.

Mas Elain podia sentir a tensão emanando de Lucien conforme ela cuidadosamente enrolava novamente o último pergaminho e o colocava de volta na pequena caixa. O macho havia dado certa privacidade à ela, afastando-se e sentando-se na beira da cama, mas estava inquieto, com os cotovelos apoiados nos joelhos, o pé direito batucando nervosamente, fazendo os fios ruivos que pendiam sobre seu ombro balançarem com o movimento. Estranhamente, observar as nuances daquele tom de ruivo - não só vermelho, ela já percebera, havia também alguns fios cor de cobre, alguns loiros, alguns um pouco mais amarronzados que, misturados, tornavam aquela cor tão única, tão dele - acalmava a mente de Elain e tornava mais fácil pensar racionalmente sobre o que havia lido.

- Onde conseguiu esses pergaminhos? - Ela conseguiu dizer, por fim.

- Lembra-se de quando estivemos na Corte Diurna e eu pedi para estudar sobre seus dons? - Ela assentiu. - Foi isso o que me mandaram. Passei mais de um mês tentando quebrar o feitiço de proteção.

Elain olhou em volta da barraca, as manchas chamuscadas que adornavam diversas partes.

- Era isso o que estava fazendo? - Apontou com o queixo para um amontoado de cinzas cuja brasa ela apartou assim que chegou.

- Bem... - Lucien passou uma mão pela nuca. - Em parte. Eu estava... Um tanto quanto fora de mim. Mas, bem, sim, isso abriu a caixa. Segundo o bilhete que Hélion mandou junto com os estudos... - Lucien se levantou e foi até a mesa, onde Elain permanecia sentada. Esticou um braço para remexer alguns papéis, quase roçando o corpo da fêmea, o que fez um arrepio quente subir por sua coluna. Parecendo alheio ao fato, Lucien puxou um bilhete e entregou à ela. - A tradução dos entalhes na caixa.

Ela leu o que Hélion havia escrito para Lucien, em uma caligrafia inclinada e elegante "Apenas o filho perdido do Sol, cuja chama interior arde com o desejo oprimido, será capaz de desvendar o mistério aqui contido."

- E qual a sua conclusão sobre tudo isso? - Perguntou ao macho, franzindo o cenho.

Lucien passou as mãos pelo rosto novamente, parecendo cansado.

- Não tive muito tempo para pensar. Havia acabado de ler o último pergaminho quando você chegou.

Elain havia lido os pergaminhos duas vezes, perguntando-se o quanto daquilo era real. Estranhamente, ela parecia mais calma com todas as revelações do que Lucien, que estava inquieto, andando de um lado a outro como um gato preso em uma gaiola. Tentando ignorar o vai e vem constante, Elain concentrou-se na caixa, ao invés de nos pergaminhos. De fato, aquele pedaço de madeira velho, chamuscado e intrincado não lhe era estranho. Mas o pior de tudo, o que tornava a situação ainda mais bizarra - se é que era possível - era o fato de a história não ser estranha para ela. Tinha a vaga sensação de já saber o que tinha ocorrido com Dener e...

- Annia morreu mesmo de fome? - Questionou, um estranho nó embrulhando-lhe o estômago.

- É o que parece. - Lucien respondeu. - Pelo que Dener escreveu, ela ficou em uma espécie de estado catatônico. - Pelo canto do olho, Elain viu que o macho parou de andar e agora a encarava, mas ela não teve coragem de olhar para ele conforme Lucien baixava o tom de voz e murmurava. - A descrição que ele deu do estado dela.. Me lembrou...

- De mim. - Ela completou a frase que morrera nos lábios do parceiro. Havia notado a semelhança também.

Não só a semelhança. Ela conhecia a sensação. Sabia o que provavelmente havia acontecido com Annia. Nunca havia falado com ninguém a respeito, tentava até mesmo não pensar no assunto. Mas a ideia de acabar morrendo da mesma forma que Annia havia morrido... Aquilo fazia as entranhas de Elain se revirarem.

Corte de Flores FlamejantesOnde histórias criam vida. Descubra agora