A vida de Lucien era uma merda. Completamente fodida. Cada vez que ele sequer imaginava que estava finalmente encontrando um rumo, que o Caldeirão estaria se solidarizando com ele, acontecia algo que fodia com tudo. Nesse caso, o "algo" fora sua própria estupidez.
Quarenta e seis dias.
Quarenta e seis dias haviam se passado desde que estivera minimamente próximo de algum tipo de felicidade - mesmo que momentânea - ao estar junto da parceira. Quarenta e seis dias desde que fora burro o bastante para dar ouvidos aos malditos conselhos de Duncan e dizer à Elain que ela voltaria à Velaris.
Sim, não podia colocar toda a culpa em Duncan, Lucien sabia. Ele havia incitado Elain a trepar logo antes de tentar convencê-la a ir para casa. Ele havia agido de forma rude e estúpida ao tentar atravessar com ela. Ele ficara tão surpreso e atônito com a expansão do poder de Elain que simplesmente recuara e deixara que ela voltasse sozinha à clareira, onde fora recebida por um Cedric muito disposto a mantê-la por perto.
Aqueles momentos ficaram girando em um círculo sem fim na cabeça de Lucien durante esses quarenta e seis dias. O choque inicial na expressão de Elain, a forma como ele praticamente pôde ver a parca confiança que haviam conquistado sendo destruída dos olhos de Elain e sendo substituída por algo muito rígido, frio e inatingível. O poder que emanava dela. O brilho dos enormes olhos castanhos se esvaindo e dando lugar a um olhar vítreo, etéreo, nem totalmente no presente, nem totalmente onde quer que sua mente estivesse. O maldido instinto de Lucien, que outrora jamais havia lhe falhado, fez com que recuasse, se afastasse de tamanho poder secular.
Agora, quarenta e seis dias depois, Lucien encarava uma maldita caixinha enviada pela bibliotecária da Corte Diurna, com um pedido de desculpas de Hélion em um bilhete que dizia "Não consegui remover o último encantamento, mas se há algo nesse mundo capaz de conter as respostas que procura, está nesta caixa. Concentre-se e, se for do desejo do Caldeirão, tenho certeza que você encontrará um jeito de abri-lá".
- Argh, para o inferno com isso! - Lucien se levantou da cadeira onde estivera sentado nas últimas horas, a mesa a sua frente atulhada de papel amassado e chamuscado, resultados de suas várias e falhas tentativas de abrir a caixinha.
O acampamento fora de sua barraca estava incomumente quieto para esta hora do dia, quando as tropas estavam retornando das patrulhas e os soldados cansados desejavam apenas uma boa caneca de cerveja ou uma cama onde se aconchegar, o que atiçou a curiosidade de Lucien o suficiente para que colocasse a cara para fora e resolvesse perambular pelo assentamento. Enquanto caminhava, com as mãos às costas, Lucien ruminava que, se tivesse sido esperto, teria pensado naquele plano de ação antes de estragar tudo com Elain. Era o caminho mais lógico a ser seguido: seguiram todos juntos, Lucien, Elain, Naim, Duncan, Cedric, e os soldados de ambos os comandantes. Partiram da clareira tão logo Lucien retornou do bosque. Os machos tiveram o bom senso de jamais questionar o que havia acontecido entre os parceiros naquele dia, e Lucien jamais teve vontade de explicar-lhes. O fato é que Elain se distanciara de Lucien, mantendo-se ocupada durante todo o dia, ajudando onde quer que se fizesse necessária; Lucien não a procurou novamente. Os machos sentiam a tensão no alto comandante, era palpável. Então seguiram o caminho mais seguro, por dentro da Corte Primaveril, de aldeia em aldeia, coletando informações e provisões e atiçando quem quer fosse para a armada defensora. Para a surpresa de Lucien, Elain se mostrara uma oradora incrível, convencendo quem quer que estivesse indeciso sobre participar da defesa da Corte, com aquele jeito meigo e doce.
Lucien alcançou o centro do acampamento bem em tempo de dispersar os pensamentos sobre o quanto fora estúpido em querer mandar Elain de volta. Haviam tantos feéricos juntos que era uma surpresa ele não ter sentido o cheiro deles antes. Estivera tão perdido assim nos próprios pensamentos? Caminhou mais adiante, adentrando no círculo formado pelas barracas dos soldados mais feridos, pensadas para ficarem próximas umas às outras para facilitar o trajeto das fêmeas que cuidavam deles - chefiadas por Elain.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Corte de Flores Flamejantes
Fanfiction"Havia fogo por toda parte. E em meio a todo aquele fogo... Ele. Elain não conseguia se mover. Não conseguia gritar. Não conseguia avisar Lucien para que corresse, para que se salvasse. Ele morreria, ela sabia disso. Sentia em seus ossos. Sentia...