Capítulo 47

870 96 10
                                    

Os dias passavam sem que Elain se desse conta. Estava tão absorta, tão envolvida e encantada com a Corte Primaveril que era como se não houvesse outra vida além daqueles bosques. Embora as coisas houvessem pendido para um lado que Elain não esperava, estava certa que havia encontrado um lugar de paz no mundo.

Fora um choque a visão inicial da Mansão do Grão-Senhor em ruínas; as imensas portas duplas da frente pendiam sobre as dobradiças, enormes marcas de garras gravadas nelas, as inúmeras janelas ou estavam quebradas, ou foram encobertas pelas plantas trepadeiras que tomaram conta do local, bem como o mato alto e virgem que crescia nos jardins. Isso sem contar a imundice que estava do lado de dentro, poeira, lama, algo preto e viscoso que Elain tentou não imaginar o que era, manchas de enormes patas ensanguentadas por toda a parte... Parecia, com toda certeza, a caverna de uma besta feral. Lucien, para seu mérito, tentou controlar o próprio choque e não se mostrar abalado, dizendo, com seu habitual sarcasmo, que deveriam limpar aquela bagunça antes que um deles contraísse pulgas.

E assim o fizeram. Absolutamente todo o contingente de 70 feéricos de todas as classes puseram as mãos na massa e, em três dias, tudo estava limpo, organizado e com cara de lar. E aquela visão... Ah, aquela visão fizera Elain prender o fôlego. Era uma mansão magnífica, esplendorosa. Algo parecido com a casa com que ela sonhara morar quando era mais jovem e a mãe e Nestha alimentavam tais sonhos nela. Isso sem falar nos jardins de rosas.

Mas tão logo se instalou em um dos quartos do piso superior na ala leste - insistência de Lucien, segundo ele, perto o suficiente para que ela ficasse segura, mas longe o suficiente para ser privativo - os moradores da Corte Primaveril mudaram sua atitude com relação à ela. Nitidamente uma hierarquia social havia sido imposta - ou retomada - sem que Elain se desse conta. E, aparentemente, ela estava no topo da pirâmide, ao lado de Lucien. Não podia dizer que não se ressentia do fato; havia se acostumado a tratar e ser tratada como uma igual - cortesia de Velaris -, mas os outros pareciam dispostos a manter suas classes bem definidas. Então, mesmo contra sua vontade, Elain fora renegada ao ostracismo e a ociosidade de uma "senhora da casa". No entanto, fora educada e treinada para aquilo desde que se lembrava como gente, o que facilitou sua adaptação.

Mas havia se esquecido da sensação. Aquele perturbador sopro na nuca que a acompanhava onde quer que fosse. O fato de estar cercada de pessoas e, no entanto, sentir-se completamente isolada. De certa forma, sabia que tinha se enganado com as irmãs meio-espectro, fingindo uma normalidade que não era usual, mas que Velaris permitia - ela ter ido até a cozinha na noite em que conhecera as gêmeas fora uma transgressão grave aos olhos de sua falecida mãe, mas Elain estava feliz de tê-la feito. Mostrou-lhe um mundo fora de seu muro de trivialidades sociais, um mundo que, antes de Velaris, ela desconhecia ser possível; um mundo onde todos podiam conviver juntos e em paz, sem importar sua classe social, gênero ou opção sexual. Um mundo que ela desejava para todas as pessoas em todos os lugares.

Elain balançou a cabeça, de repente se dando conta de que havia parado de caminhar e estava silenciosamente ruminando os pensamentos enquanto encarava um imenso carvalho, a mão em concha protegendo os olhos da luz do Sol matinal. O vento suave balançava os cachos à suas costas, bem como a barra do vestido azul-celeste que mandara fazer com uma das fêmeas que vivia com Alis. Os dedos dos pés descalços se contraiam na grama orvalhada enquanto ela suspirava e voltava os pensamentos ao tempo presente. Não recordava quanto tempo fazia que tinha deixado a mansão, esgueirando-se sem que ninguém notasse para andar pelos jardins. Deveria voltar logo, no entanto. Não queria arrumar problemas para Orben, o macho designado como seu protetor quando quisesse perambular pela Corte. As pessoas já deveriam ter acordado a essa altura e, sendo sincera consigo mesma, ansiava cada vez mais pelos cafés da manhã na companhia de Lucien.

Corte de Flores FlamejantesOnde histórias criam vida. Descubra agora